O presente e o futuro da indústria naval nacional esteve em análise na PORTO MARITIME WEEK, numa sessão moderada por Mário Pinho, secretário-geral da AIN – Associação das Indústrias Navais, e com a participação de Francisco Barbosa, director-geral da Navaltagus, Jorge Martins, fundador da Neptune Devotion, Luís Braga, director comercial da Lisnave, e Vítor Figueiredo, administrador da West Sea.
O sector, que tem registado um crescimento anual desde 2011, tem vindo a recuperar paulatinamente depois de muitos anos de recessão. Só em 2020, a construção naval registou um crescimento de 18% face a 2019, com a manutenção e reparação naval a obter um crescimento de 26%, o que no total corresponde a um volume de negócios de cerca de 250 milhões de euros.
No entanto, alguns desafios colocam-se nos dias de hoje, como a falta de mão-de-obra qualificada, o envelhecimento da força de trabalho e das infra-estruturas fabris, a regulamentação desactualizada e o impacto das questões ambientais, a concorrência dos países com baixos custos de produção e as regras da concorrência internacionais desleais.
Segundo Francisco Barbosa, da Navaltagus “durante esta pandemia, a Navaltagus e a Navalrocha, as duas empresas de estaleiros do Grupo ETE, tiveram uma situação até bastante favorável, nomeadamente ao nível das reparações navais, área em que crescemos. Temos perspectivas de algum crescimento lento, mas achamos que continuamos a ter margem de manobra para crescer. Diria que para nós os grandes desafios são a escassez de mão-de-obra qualificada, alguns custos de contexto que continuamos a ter e o aumento do custo das matérias-primas, muito por culpa das disrupções que estão a acontecer no sector do shipping. Estamos a procurar novos nichos de mercado para nos reposicionarmos e crescermos mais, mas sabemos que a competição é grande, principalmente na área da construção naval, com a concorrência dos estaleiros turcos, que possuem mão-de-obra qualificada muito mais barata”.
O director-geral da Navaltagus revelou que na componente da construção naval, a empresa está a tentar posicionar-se na área da electrificação de navios e ferries, como é o caso do ferry eléctrico que está a ser construído para operar em Aveiro, e a ver que oportunidades existem no negócio do refit de embarcações.
O fundador da Neptune Devotion, empresa especialista no refit de embarcações de recreio de até 55 pés, Jorge Martins, falou sobre a criação da empresa, há apenas quatro anos, e a aposta que foi feita na construção de um barco de recreio português que pudesse ombrear com aquilo que de melhor se fazia no mundo. O resultado obtido não podia ter sido melhor, com a embarcação a ganhar vários prémios internacionais.
“Eu acho que, às vezes, neste sector, temos alguma falta de ousadia e ambição. Todos os dias, aqui à nossa porta, passam milhares de potenciais clientes, uns que vêm nos seus mega-iates do norte da Europa, outros que vão atravessar o Atlântico, outros que vêm do Mediterrâneo para o norte da Europa, e não temos infra-estruturas para acolher essas embarcações. Não temos marinas, docas secas, postos de abastecimento, serviços de refit, entre outros. Não nos podemos queixar quando não fazemos nada para poder aumentar a nossa competitividade a nível nacional”, disse Jorge Martins.
O responsável da empresa, que possui estaleiros em Aveiro, elogiou ainda a administração do porto aveirense pela sua visão e pelo suporte que tem dado à Neptune. “Enquanto não tivermos uma estratégia mais concertada, infelizmente continuaremos a ver embarcações portuguesas a irem fazer o refit a outros países em vez de fazerem cá. Mas o que me deixa triste é saber que na melhor empresa de soldadura da Holanda, 98% dos seus trabalhadores são portugueses. E estamos a discutir que temos falta de mão-de-obra qualificada…”, revelou Jorge Martins.
Já Luís Braga, da Lisnave, referiu que as grandes dificuldades com que a empresa portuguesa se depara estão relacionadas com a falta de mão-de-obra qualificada e a concorrência com estaleiros que conseguem praticar preços mais baixos. “Para quem a Lisnave perde mais reparações é para a Turquia. Mas depois existe um outro tipo de concorrência de que não se fala tanto. A Lisnave poderá ser, actualmente, quem mais forma mão-de-obra qualificada no país e as pessoas depois de terem o certificado na mão emigram para locais onde são mais bem pagas, nomeadamente para a Holanda. Tentamos ter uma retenção na área da formação e recrutamento para termos mais pessoas qualificadas e de preferência portuguesas, mas a verdade é que por 20 pessoas que são formadas, conseguimos apenas reter uma”, realçou .
Acrescentou que “a maior parte dos clientes optam apenas pela solução mais barata e por isso é que escolhem os estaleiros do Médio Oriente, como os da Turquia”. No entanto, garantiu que a Lisnave passou esta época de pandemia “sem grandes transtornos. Houve sítios no mundo em que a pandemia se fez sentir de uma forma mais agressiva e há clientes que evitaram essas regiões e preferiram vir para a Europa. Por outro lado, tivemos algumas desvantagens, porque ao concorrermos com os outros estaleiros europeus, muitos clientes preferiram fazer as suas reparações mais perto de casa“.
Vítor Figueiredo, da West Sea, disse que nos últimos dois anos, apesar da pandemia, a West Sea conseguiu crescer e ter um volume de negócios considerável. “Em primeiro lugar, devo dizer que as nossas equipas foram incansáveis, tomando todas as medidas de protecção e estiveram sempre um passo à frente daquilo que eram as recomendações do Ministério da Saúde. E neste período tínhamos um navio quase a ser construído e conseguimos entregá-lo no prazo estabelecido. Também temos o mesmo problema da Lisnave ao nível da formação de quadros técnicos. Mas esta não é só uma questão de remuneração, há outros factores, como a progressão na carreira, entre outros”.
O administrador do estaleiro sedeado em Viana do Castelo acrescentou que a West Sea conseguiu entrar no mercado da conversão de navios, tendo conseguido fazer a conversão de dois navios a diesel tradicional para gás natural, acreditando que este é um mercado promissor. “Viana da Castelo tem uma tradição muito grande na construção e reparação naval e conseguimos aproveitar o know-how de toda aquela região (…) Mesmo com as dificuldades causadas pela COVID temos um plano de investimentos aprovado. Vamos avançar para a construção de uma nova doca e queremos que esteja a funcionar no prazo de dois anos. Para crescer temos de investir mas isto só faz sentido porque a parceria que fizemos com o Estado está a funcionar. Por intermédio da APDL, o Estado fez um investimento público no aprofundamento do canal de acesso e a West Sea vai fazer este investimento na nova doca e em todas as infra-estruturas necessárias para que a doca funcione”.
Outra das questões abordadas foi a falta de apoio, por parte do Governo, ao sector. Jorge Martins disse mesmo que “temos um Ministério do Mar que fez um plano e uma estratégia para o mar. Nesse projecto praticamente não existe uma referência à indústria naval. Portanto, há uma estratégia que vai ser seguida nos próximos anos que tem zero sobre este sector. Depois, há outro fenómeno espetacular. As infra-estruturas marítimas e portuárias são geridas pelo Ministério das Infraestruturas, que também gere as infra-estruturas rodoviária e ferroviária. E muitas vezes quem tem de tomar conta das infra-estruturas são os privados. Outro caso é o das Câmaras Municipais, que vivem de receitas, portanto qualquer movimento que se faça num estaleiro tem de ir à Câmara. Depois há outra entidade que se chama DGRM e que, na minha opinião, só existe porque a alimentamos. Se formos fazer as certificações a Bruxelas, como eu faço, a DGRM deixa de ter trabalho e nesse dia talvez vão perceber que a mesma legislação europeia é muito mais simples que a nossa”.