A Lapónia é a região mais a norte do continente Europeu e abrange um vasto território percorrido por quatro países: Noruega, Suécia, Finlândia e Rússia. Curiosamente, e apesar de estar no outro extremo, partilha várias semelhanças com o Alentejo.
Desde logo, a rudez do clima diametralmente oposto: os 15ºC no Verão e os -50ºC no Inverno contrastam com os 47,3ºC registados na Amareleja, a temperatura mais alta alguma vez registada em Portugal. A densidade populacional consegue ser ainda mais baixa: 3 a 4 habitantes por km2 no caso da Lapónia contra 24 no Alentejo. Ambas as regiões se estendem por vastas planícies de sol ou de gelo. Uma com iglôs, trenós, botas de neve e a casa do pai natal; a outra com festivais de música, história, cultura, “slow living”, excelente gastronomia a preços convidativos e, claro, muita Comporta (Melides, Milfontes, Odemira, rotas vicentinas e tantas outras praias de sonho). Ambas beneficiam de uma projeção internacional de nicho e oferecem aquilo que o turismo pós-covid e o contexto internacional colocaram definitivamente no mapa: paz e sossego.
Tanto uma região como outra têm aeroportos “à porta de casa”. Quem diria que os extremos se encontram?
As diferenças
O que melhor distingue estas duas regiões é certamente o percurso que os seus respetivos Estados lhes permitem fazer e a forma como a coesão territorial ou a distribuição da riqueza é praticada pelos decisores políticos, entidades públicas, empresários e parceiros comerciais, e como isso de traduz em política pública e privada.
Assim se explica que nos aeroportos das impronunciáveis cidades de Rovaniemi, Kittilä, Kuusamo, Tromsø ou Luleå se tenha assistido ao crescimento do número de passageiros internacionais, de companhias aéreas e de ligações internacionais nos últimos dez anos (esperando-se um recorde em 2022), enquanto que Beja se transformou simplesmente numa placa de estacionamento de aviões sem destino.
…parece-me estatisticamente impossível e financeiramente inimaginável que a rota Bristol-Rovaniemi dê mais certo do que uma hipotética rota Londres-Beja.
Nenhum destes aeroportos da Lapónia é uma “alternativa” para qualquer outra cidade e para nenhum deles se reivindica a necessidade de um TGV para fazerem sentido… nem sequer mesmo uma autoestrada. Alguém no seu bom senso imaginaria uma tal infraestrutura a rasgar ao meio estas paisagens de cortar a respiração?!
A única razão de ser destes aeroportos – espante-se! – é a de servir a região onde se encontram integrados. Nenhum destes aeroportos da Lapónia colocou em causa o “hub” Asiático da Finnair em Helsinquía (a Ásia está para a Finnair como o Brasil está para a TAP). Nenhum destes aeroportos da Lapónia se incomoda por não estar sempre lotado para fazer sentido económico, mesmo tendo em conta os elevados salários de lá.
Curiosamente, para nenhum destes países da Lapónia o turismo é o principal setor de atividade e o número de passageiros internacionais é sobretudo sazonal nesta região: os turistas chegam no Inverno para ver noites sem fim, sentir temperaturas glaciais e ver auroras boreais. Incrível imaginar que nem todos procuram praia e sol, certo? É um turismo caro, muito baseado em experiências e em viver algo de diferente e que, apesar disso, é um turismo que também chega nas companhias low cost. Um contra-senso? Não, o turista, de facto, mudou. Só é pena que em Portugal, campeão do turismo, as mentalidades e as políticas ainda não tenham mudado.
Operações de Inverno na Lapónia
É justamente no Inverno que as operações nestes aeroportos são mais difíceis e onerosas. Um dos melhores exemplos é a obrigatoriedade de fazer o chamado de-icing do avião, isto é, retirar o gelo antes da descolagem. Outro exemplo é o risco acrescido de cancelamentos e atrasos provocados por questões meteorológicas com consequências financeiras e operacionais sérias para as companhias.
Por outro lado, a distância geográfica impõe um tempo de utilização elevado dos aviões para qualquer destas rotas. Para operar um Paris-Ivalo-Paris, por exemplo, a Transavia necessita de 9 horas, quase o dobro do que necessitaria para fazer um Paris-Beja-Paris. Esta diferença tem de ser financeiramente justificável para uma companhia aérea em termos de tarifa média e de taxa de ocupação porque ter um avião rapidamente disponível para fazer mais voos é a forma mais óbvia de rentabilizar ao máximo os recursos técnicos e humanos de qualquer companhia.
NOVOS voos para a Lapónia no Inverno de 2022/23
Rota | Frequência | Companhia aérea | Tempo de utilização do avião para completar ida e volta |
FINLÂNDIA | |||
Paris-Rovaniemi | Reforço para 1x dia | Air France | 8h00 |
Amsterdam-Rovaniemi | 1 x semana | KLM | 6h50 |
Bristol-Rovaniemi | 2 x semana | easyJet | 7h50 |
Londres-Rovaniemi | 4 x semana | Ryanair | 6h55 |
Dublin-Rovaniemi | 3 x semana | Ryanair | 7h15 |
Bruxelas-Rovaniemi | 2 x semana | Ryanair | 6h55 |
Roterdão-Kittilä-Kuusamo | 1 x semana | TuiFly | 9h30 |
Dusseldorf-Kittilä | 1 x semana | Eurowings | 7h35 |
Paris-Kittilä | 1 x semana | Air France | 8h25 |
Paris-Ivalo | 1 x semana | Transavia | 9h00 |
NORUEGA | |||
Viena- Tromsø | 1 x semana | Austrian | 8h00 |
Paris-Tromsø | 1 x semana | Air France | 8h05 |
SUÉCIA | |||
Paris-Luleå | 1 x semana | Transavia | 8h10 |
Londres-Luleå | 2 x semana | SAS | 7h25 |
Dusseldorf- Luleå | 2 x semana | Eurowings | 6h20 |
Dusseldorf-Kiruna | 1 x semana | Eurowings | 6h55 |
Afirmarei de forma intuitiva e empírica: parece-me estatisticamente impossível e financeiramente inimaginável que a rota Bristol-Rovaniemi dê mais certo do que uma hipotética rota Londres-Beja. Rovaniemi, cidade finlandesa com apenas mais 30 mil habitantes do que Beja, destaca-se nesta região por acolher 13 companhias aéreas internacionais este Inverno e por estar conectada com Istanbul, hub Asiático e para o Médio Oriente, através dos voos sazonais da Turkish Airlines. De resto, terá 4 companhias aéreas diferentes a ligá-la a 6 aeroportos ingleses, 3 companhias para 3 cidades da Irlanda e 2 mais para 2 destinos na Holanda. Já Ivalo e Kuusamo, mais a norte, estarão conectadas pela Lufthansa ao hub de Frankfurt.
“Alternativa”… o que é isso?
Cá dentro já chamaram o Alentejo de tudo. A expressão por ventura mais famosa – e que não foi anedota – terá sido a de “deserto” pronunciada por Mário Lino, enquanto ministro das Obras Públicas do XVII Governo Constitucional.
Em Portugal decidiu falar-se do aeroporto de Beja em função de Lisboa. Assumimos que todos os passageiros que passam na Portela têm como origem ou destino o Marquês de Pombal.
Lá fora deram-lhe um outro nome: o de “Toscana Portuguesa”. Para o famoso New York Times esta foi mesmo a única região Portuguesa mencionada na sua lista de lugares a visitar em 2022. Para quem tiver dúvidas sobre este comparativo e para quem a experiência rural, vinícola e gastronómica não for suficiente, bastará um passeio por Évora para nos expor a um dos vestígios romanos mais concretos e preservados do nosso país. A Toscana beneficia de dois aeroportos na sua região e de três alternativos nas proximidades, o que permite um verdadeiro aproveitamento turístico e comercial do potencial dessa região. Nenhum turista Europeu tem de aterrar em Milão ou em Roma e depois apanhar um comboio para passar um fim de semana na Toscana e isso faz toda a diferença.
Em Portugal decidiu falar-se do aeroporto de Beja em função de Lisboa. Assumimos que todos os passageiros que passam na Portela têm como origem ou destino o Marquês de Pombal. Não nos passa pela cabeça que alguém esteja no aeroporto da capital justamente “por falta de alternativa”, ou que ali esteja apenas de passagem… não no sentido de transferência para um voo barato com destino ao Brasil ou Estados Unidos, mas simplesmente para seguir viagem por via terrestre para outras partes do país.
Se enquanto país não entendermos isto, só resta uma alternativa ao Alentejo para ver o seu aeroporto gerido de forma integrada e sustentável: pedir para se juntar à longa lista de países que compõem a Lapónia. Certamente, haverá espaço para uma adesão honoris causa que o Alentejo tanto merece.
PEDRO CASTRO
Diretor da SkyExpert
Docente de Sistemas de Transportes no ISCE.