O século XXI está inevitavelmente ligado ao aparecimento de novas formas de transportes, tal como carros elétricos, veículos autônomos e até ao compartilhamento de carros e trotinetes. Estes últimos, denominados como a nova mobilidade, ocupam atualmente um espaço relevante no que concerne à mobilidade da população portuguesa.
Estas recentes alterações, além de representarem, de certa forma, uma rotura com o modelo de transporte tradicional, configuram, de igual modo, um desafio para o legislador, uma vez que é essencial que o direito acompanhe essas transformações para garantir a eficiência, a segurança e a sustentabilidade deste setor vital.
A título de exemplo, foi introduzida em 2020 (mediante publicação do Decreto-Lei n.º 102/B-2020, de 09 de dezembro) uma alteração ao artigo 112.º do Código da Estrada que dispõe sobre a matéria de velocípedes e seus equiparados, como, por exemplo, o caso das trotinetes com motor elétrico.
Em concreto, devido ao crescente aparecimento de veículos semelhantes a bicicletas que podem circular em ciclovias e em vias partilhadas por ciclistas e peões, o legislador entendeu como necessário restringir a classificação de equiparação desses veículos apenas àqueles com uma potência máxima contínua de 0,25 kW e que não ultrapassem a velocidade de 25 km/h, motivada pela perigosidade que esses veículos representam ao compartilhar o espaço com outros usuários.
Assim, limitando a equiparação apenas aos veículos dentro desses exatos e concretos parâmetros, estabelece-se critérios claros de segurança e ajuda a mitigar riscos potenciais, visando evitar acidentes e promover um ambiente de circulação mais seguro.
Não obstante, cumpre realçar que o legislador também deixou uma porta aberta às trotinetes com motor elétrico que não respeitem a restrição acima referida, isto é, potência máxima contínua de 0,25 kW e que não ultrapassem a velocidade de 25 km/h, estipulando que, nesses casos, o regime de circulação e as características técnicas destes é fixado por decreto regulamentar.
A respeito do título escolhido, o dicionário da língua de Camões oferece-nos a definição de “ralenti” como “movimento lento”. Permita-me, caro Leitor, proceder à comparação com o que se sucede no caso em apreço:
Isto porque, a regulamentação que acabamos de referir está para ser publicada desde o final de 2020, sendo que a própria Autoridade da Mobilidade e dos Transportes já veio reiterar a urgência e prioridade para que se proceda à sua concretização.
Até lá, pertinente será questionarmo-nos onde devem – ou melhor, onde podem – circular as trotinetes elétricas que excedam, por exemplo, os 25 km/h? Situação que necessariamente poderá levar a interpretações que extravasam o pensamento legislativo na fixação do sentido e alcance da lei.
Dúvidas não restam que é essencial que a legislação acompanhe a evolução e estabeleça limites claros para a potência e velocidade desses veículos, mas que também esclareça e concretize as demais circunstâncias (que a própria criou) atinentes à circulação das trotinetes com motor elétrico que apresentem potência superior, tendo em consideração as necessidades de segurança do contexto atual.
Acima de tudo, não se poderá deixar de alertar para o facto da mobilidade urbana pressupor uma ligação estreita entre o Estado e as Autarquias locais, a qual atualmente parece estar a desvanecer-se.
A articulação entre estas entidades é sobretudo relevante uma vez que introduzem implicações para o regime de circulação de cada município – e as realidades entre eles são inevitavelmente distintas – pelo que se deverá pugnar para que as regulamentações sejam articuladas conjuntamente.
Em suma, a necessidade de atualizar constantemente as normas legais relacionadas com o transporte é evidente, até porque, fazendo nova referência a Camões: mudam-se os tempos, mudam-se as vontades.
MARTIM SARMENTO
Advogado Associado da JPAB Advogados