Olhando para trás, e para aquilo que foi o ano de 2024 para o setor da mobilidade de passageiros em Portugal, todos os sinais confirmam que estamos a viver uma verdadeira mudança de época, e não tanto, e apenas, uma época de mudança.
Esta mudança de época a que me refiro surge sustentada por duas causas fundamentais ocorridas em Portugal: a primeira ao nível da organização institucional e orgânica dos transportes, e a segunda no que se refere às profundas alterações na forma de usar os transportes públicos.
Falando nas alterações de organização institucional, importa referir que elas foram iniciadas formalmente há 10 anos, com a publicação da Lei 52/2015, mas, como quase sempre acontece em Portugal, as novas medidas demoram a produzir efeitos, em função fundamentalmente do adiamento sistemático da implementação efetiva das alterações legislativas. No caso concreto foram rejeitados por sucessivos Governos períodos de transição controlados – propostos pela ANTROP – em que seria possível testar as inovações legislativas nas situações operacionais concretas existentes, antecipando-se problemas e detetando-se necessidades técnicas e operacionais dos vários agentes do sistema. E isto sem impactos financeiros antecipados.
Nada disso foi feito, e o que se passou foi, a partir de determinada altura, a necessidade de implementar, à pressa e sem preparação, a nova legislação, originando, como era de prever, inúmeros desequilíbrios e incongruências que têm vindo a prejudicar em particular as empresas de transporte, o elo mais fraco da cadeia.
Efetivamente, estamos neste momento a viver, e não da melhor forma, os impactos dessas grandes alterações legislativas, designadamente os profundos desequilíbrios na esmagadora maioria dos contratos de 1ª geração estabelecidos entre as Autoridades e os Operadores de transporte. Esses desequilíbrios, provocados, as mais das vezes, por deficientes preparações das peças concursais, fruto da inexperiência dos técnicos e/ou da excessiva dependência dos consultores, levaram à interposição de inúmeros processos de reposição de equilíbrio económico-financeiro dos contratos, com os inerentes custos associados, seja por via da preparação técnica dos processos, pela demora na sua resolução, ou pela incerteza quanto ao seu desfecho.
Estes problemas organizacionais cruzam-se com aquilo que eu chamaria de um novo conceito de mobilidade, em que os utilizadores de transporte público são muito menos cativos do sistema, e muito mais beneficiários das suas vantagens, isto é, eu uso o transporte público, não porque não tenha alternativa, mas porque quero naquele dia e naquela hora usá-lo para me deslocar do ponto A ao ponto B.
Esta nova forma de olhar a mobilidade, que se vem afirmando cada vez mais na maioria das sociedades europeias, veio trazer uma enorme incerteza nos indicadores de procura e na sua caracterização, com impactos muito significativos nos contratos de serviço público em vigor, gerando uma grande instabilidade na gestão contratual.
Estes problemas organizacionais cruzam-se com aquilo que eu chamaria de um novo conceito de mobilidade, em que os utilizadores de transporte público são muito menos cativos do sistema, e muito mais beneficiários das suas vantagens
Outro dos aspetos que vem marcando o panorama da mobilidade em Portugal, designadamente em 2024, com efeitos para 2025 e anos seguintes, é a intensificação da intervenção estatal no setor, em particular na fixação das tarifas – seja através do seu congelamento, seja pela insuficiência da atualização proposta – e no alargamento sistemático dos tarifários sociais e gratuitidades várias.
Efetivamente, estas políticas de maior intervenção do Estado têm sido imagem de marca dos últimos Governos, independentemente da sua filiação partidária, transformando estas iniciativas em verdadeiras políticas transversais do setor.
A ANTROP, não se pronunciando sobre os méritos destas políticas, tem vindo a alertar os poderes públicos para os efeitos perversos destas decisões, nomeadamente os impactos na tesouraria das empresas por via dos atrasos inconcebíveis no pagamento das compensações devidas aos operadores de transporte por parte do Estado. Impõe-se, assim, a consagração de mecanismos legais e administrativos que garantam, no imediato, celeridade no pagamento aos operadores das prestações associadas aos tarifários sociais.
Todo este enquadramento de mudança e os seus efeitos impõem uma posição clara da ANTROP no sentido de exigir uma preparação séria e acompanhada, quer das situações contratuais vigentes, para que possa ser feita uma adequada avaliação dos seus termos, quer dos contratos de 2ª geração, única via para a garantia de soluções contratuais estáveis e sustentáveis no presente e no futuro.
Para além desta preocupação em garantir, para o sistema de mobilidade, empresas sólidas e sustentáveis, capazes de dar as respostas que o mercado precisa, a ANTROP tem outros pontos de preocupação e que nos vão acompanhar ao longo de 2025.
Refiro-me às metas de transição energética e o papel do setor e os meios para se alcançarem; o financiamento do setor, através da remuneração adequada dos contratos de serviço público e indexação ao custo dos fatores de produção; as várias dimensões da legislação que nos é aplicável e a sua análise crítica; os apoios à modernização do setor, designadamente o alargamento dos apoios para a reconversão das frotas automóveis; temas ligados ao recrutamento e qualificação profissional, designadamente a redução da idade mínima para a profissão de motorista de pesados de passageiros e a simplificação dos processos de certificação e formação dos profissionais do setor; o combate à concorrência desleal nos diversos segmentos da operação; a simplificação dos procedimentos administrativos de reporte com o regulador e demais autoridades; a melhoria das condições de operação, designadamente, aumento da velocidade comercial; a densificação das ofertas de transporte público em todo o território nacional; a revisão da legislação nacional que institui o regime de acesso à atividade de transportador rodoviário de passageiros para a harmonizar com a legislação comunitária.
A ANTROP pretende afirmar-se, ainda, como uma instituição referente em aspetos de autorregulação do setor, sendo disto exemplo a avaliação da contratualização pública e as iniciativas já tomadas de aprovação em Assembleia Geral de um Código de Ética e Boas Práticas no setor, de cumprimento obrigatório para todos os associados da ANTROP.