Em 28 de Fevereiro de 2023 teve lugar na Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira uma audição ao empresário Luís Miguel de Sousa (LMS) sobre “o favorecimento do Grupo Sousa pelo Governo Regional, pelo Presidente e Secretários Regionais”, nomeadamente no âmbito das suas atividades no sector portuário. Passamos a transcrever e enquadramos uma parte das declarações no vídeo da audição[i], pela sua relevância para se entender o que é um Monopólio.
O Deputado do Partido Socialista, Sérgio Gonçalves, começou por perguntar a LMS se concordava com as declarações de Sérgio Marques, deputado á Assembleia da República, ao DN de Lisboa em 15 de janeiro de 2023, de que teria existido forte favorecimento da governação PSD ao Grupo Sousa. Perguntou também se LMS tinha tido alguma influência sobre o Presidente do Governo (Miguel Albuquerque) que o tenha levado a propor a saída do Governo de Eduardo Jesus, que era o Secretário da Economia, que tutelava a APRAM (Administração dos Portos da Madeira) e quem teve a iniciativa de revogar o regime de licenciamento da operação portuária que sustentava a operação da OPM (empresa do Grupo Sousa).
CONCESSÃO É MONOPÓLIO, LICENÇA É LIBERDADE
LMS afirmou não fazer a menor ideia porque é que Eduardo Jesus saiu do Governo:
”É preciso perguntar isso ao Presidente do Governo. O tema é um tema objetivo. Na altura, o Secretário da Economia (Eduardo Jesus) entendeu produzir uma alteração no regime de funcionamento da operação portuária, o decreto-lei que regula a atividade define dois regimes, o regime de concessão que fecha o mercado durante 30 anos ou o regime do licenciamento que permite a qualquer empresa e em qualquer momento que exerça a atividade de operação portuária. A decisão do GR desde sempre foi que não queria os portos fechados no regime de concessão. O Dr. Eduardo Jesus, ou o Governo, entendeu em determinado momento um procedimento diferente. Não é verdade que a licença tenha terminado porque o que a resolução diz é que a licença se mantém em vigor até ao contrato de concessão ser efetuado. A licença manter-se-ia até o Concurso Público ser efetuado e até à assinatura do Contrato de Concessão. Assim, a operação nunca ficaria sem cobertura jurídica”.
O MAIOR ARMADOR NACIONAL
Declara ainda LMS: “eu sei, porque sou o maior armador nacional, que o Governo Regional da Madeira procurou junto dos operadores portuários do país alguém que estivesse disponível para concorrer à concessão. Aquilo que eu sei, até porque parte deles (operadores portuários) são meus fornecedores, foi que não havia interesse em concorrer a um concurso público para a concessão do porto do Caniçal. Pela sua dimensão, ele opera à segunda-feira e à terça-feira com dois (2) navios, e depois volta a operar à sexta-feira com um (1) navio. A exigência de ter equipamento e pessoal portuário disponível para as operações durante uma semana com um pico na segunda-feira, com metade da operação à sexta leva a que seja uma operação desinteressante”. “Uma das coisas mais importantes que existem é lançar um concurso público onde possam haver interessados. Acho que a inexistência de interessados, acho que também a posição do CDS numa proposta que fez à ALR uma recomendação ao governo para o regime de licenciamento. Há também uma proposta do Partido Socialista que veio no mesmo sentido propor na ALR recomendação ao Governo de 2020 para que o regime de licenciamento e para que os portos da Madeira não ficassem fechados durante 30 anos à concorrência. E depois há também, no âmbito da segunda comissão especializada do Comércio, Finanças e Turismo uma votação que envolve uma proposta do grupo parlamentar do PSD e do CDS no sentido do regime do licenciamento. No fundo, a decisão do Governo Regional suportada na grande maioria do parlamento regional vem reforçar a decisão do licenciamento, mercado aberto”.
LIBERDADE
“Qualquer interessado pode amanhã exercer a atividade de operação portuária no Porto do Caniçal. Para isso basta ter equipamento, para isso basta recrutar trabalhadores portuários. Aquilo que me podem dizer é: sendo o mercado tão pequeno vão existir mais interessados? Nunca se sabe… O tema é, a regra do mercado aberto obriga-nos (operadores licenciados) a competir com potenciais concorrentes no futuro. A nossa margem na operação tem de ser suficientemente baixa para não estimular o aparecimento de um novo operador. Mas isso é o mercado a funcionar”.
A DIMENSÃO E AS ESPECIFICIDADES
Declarou ainda LMS: “a pergunta era se a saída do Secretário Eduardo Jesus se devia a essa alteração. Desconheço. Aquilo que eu conheço foram as démarches que o Governo Regional da Madeira fez no sentido de encontrar interessados para concorrer a uma concessão do porto do Caniçal e a inexistência de interessados. Não haver interessados é normal, vivemos numa região ultraperiférica de pequena dimensão, com muitas especificidades. No Caniçal há sazonalidade da procura, há muitos tempos mortos na operação com equipamentos e pessoas disponíveis”.
GS LINES 70%, TRANSINSULAR 30%
Declara ainda LMS: “Os custos de operação estão em linha com as exigências que a operação tem. Se nós pensarmos que o Grupo Sousa, através de uma sua participada, a GS Lines, é cliente em cerca de 70% da operação portuária, facilmente se percebe a nossa necessidade em ter os custos mais baratos possíveis nos nossos fornecedores e, neste caso a OPM (também empresa do Grupo Sousa) é fornecedor do Grupo e, portanto, tem de ser eficiente e tem de ser o mais barato possível”.
Segundo LMS, “há muitos anos tinha 18% de quota de mercado no transporte marítimo e consegui negociar com os concorrentes uma solução para a operação portuária”.
ESCLARECIMENTO No início da década 90 estavam no mercado 5 empresas: a Transinsular, a Vieira & Silveira, a Portline, a Empresa de Navegação Madeirense e um operador que fazia a ligação com a Europa e as Canárias. A solução a que se refere LMS foi a utilização de empréstimos bancários contraídos pela OPM, cujos encargos foram repercutidos na estrutura de custos e ressarcidos através das tarifas portuárias, na altura consideradas exorbitantes. Na ponta final da solução, os consumidores da Região pagaram a despesa (e continuaram a pagar por vários anos) e foi assim que o Grupo Sousa iniciou o seu caminho para a fortuna. Na vertente marítima, com o capital obtido na operação portuária, em 20 anos o GS passou de uma quota de 18% para 70% reunindo as condições para estender a sua atividade ao transporte rodoviário e à logística. Passou a controlar a porta de entrada e as cadeias de abastecimento da Região. Tudo normal para, utilizando uma expressão de Luís Miguel de Sousa, uma “terra muito pequena”.
A OPM PERDEU UMA OPORTUNIDADE
Segundo LMS, “objetivamente há uma intenção do GR e por isso fez resoluções no sentido de procurar uma solução de concessão, mas não houve do ponto de vista do mercado interesse”. “A OPM deduziu oposição às resoluções porque nós não podemos ter um regime com uma licença, com os investimentos feitos, com o quadro de pessoal e os trabalhadores portuários em risco de perderem o emprego. Não era possível lançar uma concessão exigindo que fossem aqueles os trabalhadores portuários para a operação do futuro. Seria anti concorrencial obrigar que os trabalhadores fossem aqueles. Aliás, os sindicatos levantaram a questão ao Secretário Eduardo Jesus”.
“A OPM podia concorrer, ou podia esperar pelas indemnizações”, por perda do negócio. “Quando eu fecho o mercado e digo que a partir de agora tu não podes trabalhar aqui, nós (OPM/Grupo Sousa) temos direito a ser indemnizados. A OPM provavelmente não seria concorrente porque seria muito mais fácil e muito mais interessante receber as indemnizações do que a operação”.
FERRY PARA O CONTINENTE
Segundo LMS, o negócio não tem interesse, não há passageiros, só dá prejuízo. Mesmo com o apoio do “amigo Armas” das Canárias não conseguiram fazer nada.
LMS não sabe, porque o amigo Armas faleceu em 2022 sem lhe transmitir o segredo, que a rentabilidade dos serviços ferry nas Canárias e na generalidade dos tráfegos se consegue com base na carga rolante transportada (camiões, trailers com contentores, viaturas ligeiras e pesadas, etc.) e não apenas com base nas tarifas dos passageiros.
Segundo diversas opiniões locais, carga rolante em navios ferry seria reduzir a operação portuária no Porto do Caniçal a uma mera passagem, sem barreiras, algo que não agrada ao Grupo Sousa.
FERRY PARA O PORTO SANTO
O deputado do PCP, Ricardo Lume, perguntou porque é que LMS defende para a ligação marítima ao Porto Santo uma solução de “contrato de concessão e não um sistema livre como defende para a operação portuária”.
LMS responde: “eu não posso aceitar que se chame monopólio a uma operação em mercado aberto. Há um único operador, mas não é monopólio porque se o Sr. Deputado quiser começar amanhã a fazer a operação pode fazê-lo”. “Uma concessão não é um monopólio, uma concessão dá direitos ao concedente e obrigações ao concessionário”.
LMS METEU OS PÉS PELAS MÃOS
Relativamente à operação portuária diz que “concessão é monopólio”, não é boa solução. Relativamente ao ferry para o Porto Santo a concessão que lhe foi atribuída é “a forma de garantir que alguém vem investir”.
Mas, na realidade, é mesmo de investimento que o Porto do Caniçal precisa …
Fruto da ação em tribunal colocada pela OPM contra o Governo e, segundo LMS, “…depois de demoradas negociações teve lugar, no âmbito do processo em tribunal, um acordo com o Grupo Sousa em que a OPM abdica de eventuais indemnizações e passa a pagar uma taxa de utilização de infraestruturas. Decisão homologada pelo tribunal, o Ministério Público recorreu, o tribunal da Relação confirmou, transitou em julgado em finais de 2022. Nada mais transparente, nada mais normal num Estado de Direito”.
Em 1990, a OPM inicia a operação portuária na RAM e passa do Funchal para o Caniçal sem aí pagar qualquer taxa.
Em 2023, passou finalmente a pagar uma taxa de Utilização de Infraestruturas.
RESUMINDO
- Durante 30 anos o Grupo Sousa nunca foi beneficiado pelo Governo Regional.
- Durante 30 anos LMS nunca falou com João Jardim ou com Miguel Albuquerque sobre a operação portuária, nem com Secretários Regionais. O único tema de conversa que tinha era com o Secretário da Economia (Eduardo Jesus) sobre o contrato de concessão da ligação marítima entre o Funchal e o Porto Santo.
- A AMT (Autoridade da Mobilidade e Transportes), cujo Presidente era o antigo Presidente da Associação de Armadores, foi sempre isento na avaliação que fez à aplicação do regime legal da operação portuária na RAM.
- PS, PSD e CDS votaram na ALRAM a favor da continuidade do licenciamento à OPM, o que justifica que a vontade de mudança do Governo Regional tenha recuado.
- Pela Resolução do Conselho do Governo Regional nº 117/2023, publicada em 24 de fevereiro de 2023, foi revogada a resolução de 2017. Assim, mantém-se em vigor a licença emitida em 18 de março de 1991 a favor da OPM (Grupo Sousa). A OPM pagará uma taxa de utilização portuária a criar por portaria.
CONSEQUÊNCIAS
São três muito importantes:
- Estado do Porto do Caniçal: segundo documento da APRAM de janeiro 2023[ii] “a área do terminal apresenta-se sem gestão espacial, isenta de qualquer organização física e de estética ao nível da operação ou da sua manutenção” e “a gestão física do terminal não contempla soluções para o cumprimento da segurança e da legislação aduaneira, sendo necessário o fecho integral do perímetro do terminal, reorganização dos espaços de armazenamento”; “pavimento degradado em toda a zona do porto e nos acessos”. “A circulação e a organização do armazenamento de contentores é caótica”.
- LMS há muito que divulga a sua teoria sobre as Concessões Portuárias junto do Governo Regional dos Açores e do Governo de Cabo Verde onde todos os portos têm muito menos tráfego do que o porto do Caniçal. Isto é, no entendimento de LMS, são “terras pequenas”, boas para monopólios bons, isto é, monopólios do Grupo Sousa.
- Nos Açores, a GSL está paulatinamente no caminho para atingir no transporte marítimo a quota de 70% que lhe poderá proporcionar o controlo da operação portuária e da logística. Tal como na RAM, LMS nunca falará com o Governo Regional dos Açores sobre este assunto, mas um dia destes alguém falará por ele.
[i] Ver em https://fb.watch/jBDPkdBTlM/
[ii] Peças do Concurso Público para a “Execução da Empreitada de Reabilitação do Terrapleno Poente do Porto do Caniçal “, janeiro 2023.
FERNANDO GRILO
Economista de Transportes Marítimos
A isto não se pode chamar concessão, licença, monopólio ou concorrência… trata-se apenas do imposto «sousa» para todo o tráfego para a ilha…