Em dezembro de 2023, existiam no mundo 37.000 navios com mais de 5.000 toneladas de arqueação bruta (GT), dos quais apenas 1.000 (3%) utilizavam combustíveis ditos “alternativos”. Entre os 36.000 que utilizam combustíveis fósseis estão 30.000 navios com propulsão a qualquer tipo de fuelóleo que, no seu total, consomem 220 milhões de toneladas por ano[i].
Para esses navios utilizarem apenas metanol seriam necessárias 440 milhões de toneladas desse produto por ano. Tal acontece porque para obter a mesma quantidade de energia são necessárias 2,02 vezes mais toneladas de metanol (baixa densidade energética[ii]). Por outro lado, a capacidade dos tanques de combustível dos navios a metanol teria de ser 2,47 vezes maior comparando com os de fuelóleo.
Ou seja, nas atuais condições tecnológicas a utilização de metanol obriga a consumir mais combustível e a ter no navio tanques com maior capacidade. Numa perspetiva comercial, a utilização do metanol obriga a que o navio transporte menos carga em termos de peso e volume. Em última análise, serão necessários mais navios para transportar as mesmas mercadorias nas mesmas distâncias.
O metanol se produzido a partir de combustíveis fósseis (grey methanol) emite apenas menos 10% de CO₂ e menos 8% de GEE em comparação com o fuelóleo (heavy fuel oil ou HFO) numa ótica WtW (well to wake, do poço à esteira do navio). Uma vantagem ambiental muito reduzida.
A utilização de metanol como combustível em motores marítimos envolve riscos. O metanol tem um ponto de inflamação baixo. Em caso de fuga, o metanol pode formar uma mistura inflamável com o ar, aumentando o risco de incêndio e explosão. A exposição ao metanol, seja por inalação, ingestão ou contacto com a pele, pode causar efeitos adversos graves à saúde, incluindo dores de cabeça, tonturas, náuseas, cegueira e até a morte. Devido à sua toxicidade, é crucial ter procedimentos rigorosos de manuseamento e contenção de derrames para proteger a tripulação e o meio ambiente. O metanol é corrosivo para válvulas, juntas, encanamentos e tanques do sistema de combustível. Os sistemas de tratamento de gases de escape, como catalisadores e filtros, podem não ser completamente eficazes na oxidação ou captura de metanol, permitindo que parte dele seja libertada na atmosfera.
O retrofitting (adaptação) de motores marítimos para utilizarem metanol como combustível implica custos significativos: projeto técnico de adaptação do motor e dos sistemas de combustível, atualização ou substituição do sistema de injeção, modificações no sistema de armazenamento e distribuição, incluindo tanques de combustível. São também importantes os custos de formação da tripulação, certificações e tempo de doca.
…nas atuais condições tecnológicas a utilização de metanol obriga a consumir mais combustível e a ter no navio tanques com maior capacidade. Numa perspetiva comercial, a utilização do metanol obriga a que o navio transporte menos carga em termos de peso e volume.
O custo de uma nova construção, um novo navio com propulsão a metanol (ou dual fuel) é, nas condições atuais, entre 20% e 40% mais elevado do que o de um navio tradicional a diesel.
A produção de METANOL VERDE ou e-metanol (metanol produzido de forma sustentável) envolve processos que utilizam fontes renováveis de energia e tecnologias de captura de carbono. O método mais comum utiliza hidrogénio verde (por exemplo, obtido por eletrólise da água com recurso a eletricidade gerada a partir de fontes renováveis- energia solar, eólica ou hidroelétrica) e CO2 (capturado diretamente do ar ambiente – Direct Air Capture) ou de fontes industriais. O hidrogénio verde e o carbono capturado são combinados num reator catalítico para formar metanol. No processo de síntese de metanol são utilizados catalisadores à base de cobre, zinco e alumínio.
Nas condições atuais, o custo do e-metanol é de 54 dólares americanos por Giga Joule, a comparar com 13 e 15 dólares americanos do fuelóleo e do LNG, respetivamente USD 523 e USD 603 por tonelada equivalente de HFO. Ou seja, o custo do e-metanol é 4,15 vezes superior ao custo do HFO e 3,6 vezes superior ao do LNG (Gás Natural Líquido).
A Maersk fez manchetes com foto ao lado da Presidente Ursula von der Leyen anunciando a encomenda e entrega de navios a metanol (dual fuel) e lançou projetos industriais para fabricar o seu próprio metanol. Mas a quantidade de metanol necessária é enorme e os custos de produção com base em hidrogénio verde e carbono capturado são demasiado elevados nas condições técnicas atuais.
…o custo do e-metanol é 4,15 vezes superior ao custo do HFO e 3,6 vezes superior ao do LNG (Gás Natural Líquido).
A Maersk, como já tinham feito várias outras empresas de linhas de contentores, voltou-se para o LNG (gás natural líquido relacionado com o metano) que tem propriedades mais próximas do fuelóleo em termos de densidade energética (peso/volume).
No entanto, o metano é um gás com efeito estufa (GEE) muito potente. Em termos de impacto no aquecimento global, o metano tem um Potencial de Aquecimento Global cerca de 25 a 30 vezes maior que o dióxido de carbono (CO₂) num período de 100 anos, e até 80 vezes mais potente num período de 20 anos.
A reconsideração pela Maersk, de uma estratégia focada no metanol para a incorporação do LNG, reflete uma abordagem pragmática face à realidade atual do mercado, ao estado da tecnologia e às limitações da cadeia de abastecimento. O LNG oferece uma solução mais imediata, fiável e económica, embora com desvantagens ambientais face ao e-metanol. A Maersk vai ter de deixar amadurecer aquilo que apresentou como a sua “bala de prata”.
A indústria marítima deixou-se enredar numa JORNADA SOLITÁRIA. Atualmente, não existem planos das empresas de petróleo e gás para construir um sistema de fornecimento global de combustíveis descarbonizados, como o metanol e a amónia, que possa corresponder a uma ampla panóplia de indústrias e setores, incluindo o transporte marítimo.
Não são apenas os navios e os combustíveis que devem trazer soluções para impulsionar a transição energética.
A Danish Ship Finance[iii], empresa especializada no financiamento de projetos de transporte marítimo, identifica quatro alavancas para a mudança:
- “REINVENTAR DINÂMICAS DA INDÚSTRIA
São poucos os proprietários de navios que ganham dinheiro prestando serviços de transporte aos seus clientes; eles ganham mais especulando sobre as flutuações no valor dos ativos. A natureza do jogo sobre ativos/navios limita a predisposição dos proprietários para investir em melhorias com longos períodos de retorno. Essa lógica criou grandes frotas de navios que emitem significativamente mais gases de efeito estufa do que o necessário. Para que a indústria atinja as suas metas de 2030, os modelos de receita dominantes devem recompensar a eficiência energética.
- INTRODUZIR BENCHMARKING
A indústria deve estabelecer transparência e benchmarking antes que alguém possa inovar a sua oferta de mercado. Para que a indústria marítima possa aproveitar o potencial de eficiência energética atualmente presente na frota, devemos estabelecer um benchmark de combustível por viagem. O benchmark de combustível para viagens individuais, definido como o desempenho mediano numa determinada rota, definiria o orçamento de combustível para essa viagem. O orçamento de combustível serviria então como um padrão contra o qual o consumo real de um navio durante a viagem poderia ser comparado para avaliar o seu desempenho ambiental. Idealmente, o orçamento de viagem seria ajustado para condições climáticas acima e abaixo do padrão.
- MUDAR OS CONTRATOS COMERCIAIS
Muitos operadores têm dificuldade em se distinguir no mercado devido à perceção homogénea dos clientes sobre o transporte marítimo como um serviço e o seu desempenho ambiental. O serviço prestado é frequentemente visto como uma commodity, o que provavelmente contribui para a fragmentação persistente da indústria.
O valor de mercado da frota mundial está atualmente próximo de USD 1,3 biliões, ou menos da metade do valor de mercado da Apple. A frota consiste em cerca de 108.000 navios, pertencentes a mais de 27.000 proprietários, significando que o proprietário médio controla três a quatro navios. Alguns players são consideravelmente maiores; no entanto, poucos – se é que algum – possuem uma posição que lhes permita inovar significativamente a sua oferta de mercado. Métricas de desempenho ambiental precisam de ser incluídas nos contratos comerciais para permitir que os operadores mais eficientes em termos energéticos beneficiem financeiramente das emissões que reduzem.
- NOVA FONTE DE RECEITA
Para impulsionar a mudança e aproveitar o potencial inexplorado de eficiência energética, é necessário incorporar os orçamentos de combustível nos contratos comerciais que orientam as decisões comerciais. Quando os orçamentos de combustível se tornarem parte do quadro contratual, será possível introduzir uma fonte adicional de receita para os operadores. Ao permitir que esses orçamentos determinem o pagamento do combustível da viagem e que os operadores reembolsem o valor do combustível não consumido, estes serão incentivados a otimizar as operações ao máximo. O desempenho inferior representará um custo adicional, pois o contrato não cobrirá o consumo de combustível acima do orçamento. O elevado desempenho aumentará o retorno dos operadores sobre o capital investido, uma vez que o valor do combustível não utilizado será um ganho decorrente do contrato. O combustível não consumido tornar-se-á um incentivo financeiro que recompensará investimentos em melhorias de economia de energia. Ao “apertar” os orçamentos de combustível anualmente, será possível orientar a indústria em direção às metas climáticas”.
O modelo de negócio do transporte marítimo e, em particular do armador, vai ter de mudar. Diz-nos Martin Stopford[iv], economista e autor do livro “Maritime Economics”:
- “O transporte marítimo é um negócio orientado pelo mercado com uma notável capacidade de adaptação. O segredo do negócio é estar sempre à frente, adotar os avanços tecnológicos e manter-se flexível perante as incertezas geopolíticas e económicas. “
- “Se olharmos para a história da indústria marítima verificamos que nada acontece de um dia para o outro. Levou cerca de 50 anos desde a invenção do primeiro motor a vapor até se conseguir algo que pudesse ser vagamente considerado um navio a vapor capaz de operar globalmente. E demorou mais 50 anos para se chegar a uma versão realmente eficiente desse navio. Depois, entrámos na era do diesel. Veja-se por exemplo a contentorização. Começou em 1956 e só nos anos noventa se tornou uma força substancial no negócio. Portanto, não acho que possamos esperar mudanças de um dia para o outro”.
[i] ClassNK Alternative Fuels Insight, Maio 2024.
https://download.classnk.or.jp/documents/ClassNKAlternativeFuelsInsight_e.pdf
[ii] Densidade energética (ou conteúdo energético) refere-se à quantidade de energia armazenada num determinado volume ou massa de um combustível ou substância. Ela é uma medida crucial para avaliar a eficiência de diferentes combustíveis, especialmente no contexto da indústria de transportes e energia.
[iii] Shipping Market Review – maio 2024.
https://skibskredit.dk/wp-content/uploads/2024/03/shipping-market-review-may-2024.pdf
[iv] DNV, Transcrição do videocast “From crisis to opportunity – shipping in the disruptive era”.
FERNANDO GRILO
Economista de transportes marítimos