Na semana passada foi aprovado, através do Despacho n.º 3555-A/2023 de 14 de março, o orçamento do Fundo Ambiental para o ano civil de 2023.
Cada aprovação anual do orçamento do Fundo Ambiental é mais uma desilusão ao bom estilo do “bem avisámos” no que diz respeito ao imposto criado pelo anterior Ministro dos Transportes para os setores do transporte aéreo e marítimo, erroneamente chamado de “Taxa Ambiental”.
Sem chover no molhado, mas recordando algumas das críticas que apontámos à altura (e gentilmente publicadas aqui no TRANSPORTES & NEGÓCIOS a 6 de maio de 2021):
“É lamentável que a receita do imposto não reverta para as respetivas indústrias de transporte aéreo e transporte marítimo. Mesmo que se não entregue diretamente às operadoras, pode ser investido em projetos que as beneficiem, como desenvolvimento e investigação de combustíveis sustentáveis, os quais serão uma peça essencial da indústria em 2030.”
Olhando para os sucessivos orçamentos do Fundo Ambiental, continuamos à espera de encontrar projetos relevantes para o transporte aéreo e para o transporte marítimo, mas sem qualquer sucesso, seja no investimento em combustíveis sustentáveis ou outro qualquer investimento que dê o mínimo retorno à indústria pelos vários milhões de euros anualmente pagos.
Era impossível, quando o imposto em causa foi criado, adivinhar em que projetos seria investido, mas a crítica da altura não era um ato de pessimista fé. Simplesmente, o então Ministro dos Transportes, Pedro Nuno Santos, tinha dito que não seria assim, que o dinheiro coletado seria, através do Fundo Ambiental, investido na ferrovia. Sobre a questão específica do destino do imposto, confessa-se, qualquer solução se configurava como sendo má. Ou a promessa não era cumprida, e a receita da taxa perdida em projetos totalmente alheios ao sector dos transportes responsáveis pela sua cobrança em Portugal, ou, sendo cumprida, temos entre mãos um mecanismo de subsidiarização cruzada entre o transporte aéreo e marítimo por um lado, como pagadores, e o transporte ferroviário, seu concorrente, enquanto beneficiado.
Olhando para os sucessivos orçamentos do Fundo Ambiental, continuamos à espera de encontrar projetos relevantes para o transporte aéreo e para o transporte marítimo…
Ora, lido o orçamento do Fundo Ambiental para 2023 (e aqui ao contrário do orçamento de 2022 que previa uma transferência parcial no valor de €20.200.000,00 do total da coleta para a compra de material circulante pela CP), não encontramos qualquer investimento, sequer, na ferrovia. Quanto à execução da compra do material circulante prevista no orçamento de 2022, não acompanhamos a execução do orçamento, pelo que para a presente análise assumimos a sua realização.
Voltando ao orçamento de 2023, no que diz respeito à área temática de “Transportes e Mobilidade Sustentável”, temos apoios apenas a serviços de transportes locais, ao desenvolvimento da rede pública de carregamentos elétricos e apoio financeiro a operadores de táxis e veículos pesados de passageiros. Tudo causas nobres, mas que em nada beneficiam o transporte aéreo e marítimo, ou seja, quem suporta o tributo.
Por outro lado, ainda quando nos debruçamos sobre o orçamento deste ano, é curioso comparar a estimativa de coleta do imposto. Faça-se uma análise comparativa das previsões de receita da taxa desde a sua criação:
2021 | 2022 | 2023 |
€ 10.000.000,00 | € 43.000.000,00 | € 40.000.000,00 |
Despacho n.º 1897/2021 de 19 de Fevereiro | Despacho n.º 3143-B/2022 de 14 de março | Despacho n.º 3355-A/2023 de 14 de março |
Dizíamos na altura,
“Seria igualmente positivo que o governo esclarecesse em que termos calculou o valor do imposto e a receita prevista. No orçamento do Fundo Ambiental para 2021 encontra-se prevista uma receita estimada de dez milhões de euros para este imposto. A total falta de justificação para o valor apresentado, aliada à total ausência de diálogo com os operadores, só alimenta a suspeita que de que o valor foi decidido de forma despiciente. Basta calcular o número de passageiros nos aeroportos Portugueses pelo valor da taxa e dividido por dois (porque a taxa apenas se aplicará no segundo semestre do ano) para o valor orçado se tornar irreal, nem sequer contabilizando a previsão de aumento de tráfego para 2021.”
Das duas uma, ou existiu uma estratégia concertada de apresentar um valor inicial baixo para que as críticas à criação deste imposto fossem consideradas desproporcionais atendendo o encargo do imposto ou um total alheamento da realidade que os últimos dois orçamentos vieram a demonstrar, o que seria demonstrativo da falta de capacidade técnica do legislador, incumbido de prever o efeito deste imposto na indústria. Ambos cenários são preocupantes, porém, a indústria nunca teve qualquer justificação do legislador.
Uma nota mais, antes de concluirmos: um leitor mais atento terá certamente notado que pese este tributo se chamar “Taxa de Carbono” me refiro a ele sempre como imposto. Não é coincidência e não é despiciente. Mantenho a minha posição de que se trata, não de uma taxa, mas de um verdadeiro imposto. Sendo característica essencial de uma taxa a sua sinalagmaticidade, os três orçamentos do Fundo Ambiental são cabal prova que se trata de um imposto e não de uma taxa. Um imposto sobre o transporte internacional de passageiros por via aérea ou marítima, com deficiências na sua redação, com uma aplicação desnecessariamente complexa (bastava juntar a sua liquidação e cobrança à taxa de segurança para se evitar o custo administrativo de um sistema paralelo de reporte e pagamento), mas cujo regime não será revisto nos próximos tempos.
O verdadeiro propósito das análises comparativas da sua inserção no orçamento do Fundo Ambiental, como a presente e curta análise, visa acompanhar a evolução da sua coleta e do seu uso pelo governo. O qual, com o passar dos tempos, apenas confirma as piores suspeitas. Estou convicto que os sectores do transporte aéreo e marítimo cumprirão com as metas ambientais estabelecidas pelo legislador comunitário. Quanto a este imposto? É só mais um encargo adicional que nada serve a causa ambiental de quem o paga.
FRANCISCO ALVES DIAS
Advogado Especializado em Direito Aéreo e Espacial