Poucos acreditavam na sobrevivência de Singapura quando se separou do Reino Unido, em 1965. Para trás ficou uma história conturbada que culminou com a expulsão coerciva da Federação da Malásia, devido a conflitos raciais e não só.
A história do sucesso de Singapura, que começou como um pequeno país insular, pobre em recursos naturais, e se tornou numa das nações mais prósperas do globo, deve-se em larga medida à liderança visionária de Lee Kuan Yew, que governou o país até 2015. Os fatores chave desse sucesso são a estabilidade política, a força de trabalho qualificada resultante de uma forte aposta na educação, a oferta de incentivos fiscais e um investimento maciço em infraestruturas. Além disso, Singapura adotou políticas corajosas de combate à corrupção, estabelecendo altos padrões de governação e de transparência, que contribuíram para criar um ambiente favorável ao investimento estrangeiro. A autobiografia de Lee Kuan Yew – “From Third World to First” – deveria ser leitura obrigatória para todos os políticos.
Vejamos alguns factos: segundo dados do Banco Mundial, o PIB/Capita de Singapura cresceu de US$ 516 em 1965 para US$ 83.000 em 2022, ascendendo ao 5º lugar a nível mundial, depois de Luxemburgo, Irlanda, Suíça e Noruega. Em igual período o PIB/Capita de Portugal cresceu de US$ 521 para US$ 24.500, ou seja, partindo de uma base semelhante, Portugal atingiu menos de 1/3 do PIB/Capita de Singapura. Hoje, Singapura é reconhecidamente um dos principais centros financeiros, tecnológicos e marítimos do mundo.
O projeto Maritime Singapore começou a tomar forma com a constituição do Port of Singapore Authority (PSA), responsável pelo desenvolvimento, operação e promoção do porto de Singapura. Singapura foi um dos primeiros países a apostar fortemente na contentorização, que tinha sido introduzida no comércio marítimo pelo norte-americano Malcom McLean no início da década de 1960. Em 1990, o Porto de Singapura era o maior porto de contentores do mundo, com um movimento anual de 5 milhões de TEU.
É fácil reconhecer que o sucesso de Singapura enquanto centro marítimo internacional resulta da criação de um ecossistema, “Maritime Singapore”, que reúne todas as valências da atividade marítimo-portuária em torno de três eixos: Portos, Shipping e Serviços Marítimos.
Em 1996, o governo de Singapura decidiu separar a autoridade portuária da operação portuária. Para isso foi constituída a Maritime Port Authority (MPA) com a missão de posicionar Singapura como uma plataforma marítima global (“hub port”) e um centro marítimo internacional, enquanto a PSA continuou a ser responsável pela operação do porto de Singapura.
Em agosto de 1997, a PSA foi convertida numa sociedade anónima e alterou o seu nome mantendo as iniciais, passando a designar-se PSA Corporation Limited. A partir de 1998 a PSA internacionalizou-se, com a concessão de dois terminais em Itália, seguido de Portugal (1999), Coreia do Sul (2000) e Bélgica (2002). Em 2003 a estrutura organizativa foi alterada com a constituição da PSA Internacional Lda, que passou a ser a companhia-mãe do grupo PSA. Hoje, o grupo opera 66 terminais marítimos em 44 países, e lidera a operação portuária a nível mundial, com um movimento de 94,8 milhões de TEU em 2023.
É fácil reconhecer que o sucesso de Singapura enquanto centro marítimo internacional resulta da criação de um ecossistema, “Maritime Singapore”, que reúne todas as valências da atividade marítimo-portuária em torno de três eixos: Portos, Shipping e Serviços Marítimos. Hoje, a atividade marítima gera 170.000 postos de trabalho, contribui com 7,4% do PIB e o valor acrescentado por trabalhador é cerca de 1,5 vezes o valor médio da economia total[i].
O Ministério dos Transportes, que tutela a MPA, é responsável pelas políticas públicas que tornam Singapura atraente para operadores multinacionais. O resultado é notável: o número de grupos marítimos residentes em Singapura aumentou de 20, em 2000, para 140, em 2016. No total, Maritime Singapore engloba mais de 5000 empresas e 4400 navios registados com a bandeira de Singapura[ii].
No desempenho da sua função, a MPA emprega cerca de 800 funcionários e trabalha em rede com a Singapore Shipping Association (SSA) e com a Singapore Maritime Foundation (SMF). Esta última contribui com estudos e recomendações através do “International Maritime Centre (IMC) 2030 Advisory Committee” formado por 24 líderes do setor marítimo-portuário. No seu último relatório identifica a conetividade, a inovação e o talento como as principais prioridades e propõe uma estratégia com cinco vetores: i) aumentar o número de operadores marítimos e fornecedores de serviços conexos: corretagem, seguros e serviços financeiros, ii) fortalecer a interligação com outros setores da economia e com outros centros marítimos, iii) promover a digitalização e desenvolver um ecossistema inovador através de parcerias público-privadas, iv) atrair talento e melhorar a qualidade dos recursos humanos através de uma forte aposta na educação e na formação, e v) posicionar Singapura como um líder de excelência na gestão marítima, e promover um quadro legal que incentiva a inovação e os altos padrões de segurança e sustentabilidade.
Deste caso de estudo, que lições se podem retirar para Portugal?
Como se sabe, em Portugal existem duas Direções Gerais que dividem entre a si a responsabilidade da governação do setor marítimo-portuário: a Direção Geral da Política do Mar (DGPM) e a Direção Geral dos Recursos Naturais, Segurança e Serviços Marítimos (DGRM).
A DGPM tem por missão “desenvolver, avaliar e atualizar a Estratégia Nacional para o Mar (ENM), elaborar e propor a política nacional do mar nas suas diversas vertentes, planear e ordenar o espaço marítimo nos seus diferentes usos e atividades, acompanhar e participar no desenvolvimento da Política Marítima Integrada da União Europeia e promover a cooperação nacional e internacional no âmbito do mar”. Atualmente, a DGPM está integrada no Ministério da Economia e do Mar e tem um quadro de 38 colaboradores.
Presumivelmente devido à escassez de recursos, algumas das funções implícitas na missão da DGPM são desempenhadas pela DGRM, cuja missão é “o desenvolvimento da segurança e dos serviços marítimos, incluindo o setor marítimo-portuário, a execução das políticas de pesca, da aquicultura, da indústria transformadora e atividades conexas, a preservação e conhecimento dos recursos marinhos, bem como garantir a regulamentação e o controlo das atividades desenvolvidas nestes âmbitos”. Atualmente, a DGRM tem três tutelas – Ministério da Economia e do Mar, Ministério das Infraestruturas e Ministério da Agricultura e da Alimentação – e conta com um quadro de 307 colaboradores.
Por outro lado, o Instituto da Mobilidade e dos Transportes (IMT) desempenha funções que claramente são do âmbito da DGRM.
Neste enquadramento, urge a reorganização do quadro institucional atualmente dividido entre a DGPM e a DGRM, separando claramente as atribuições relativas ao desenvolvimento e promoção de Portugal como uma praça marítima internacional, da regulamentação e implementação das políticas públicas relativas ao setor marítimo-portuário. Será igualmente urgente dotar as duas Direções com recursos humanos e materiais, que são claramente escassos no quadro atual. Adicionalmente, à semelhança de Singapura, é recomendável o envolvimento de profissionais qualificados da sociedade civil na definição das políticas públicas relativas ao Mar.
[i] M.S.Osman, “Location Attractiveness for Multinational Enterprises: The Case of Singapore Maritime Cluster”, 2020
[ii] Relatório da Singapore Maritime Foundation, “International Maritime Centre 2030”
Presidente da A4S – Associação 4Shipping