A Medway está a ultimar uma solução tecnológica que permitirá “migrar” do sistema Convel para o ETCS, avançou Carlos Vasconcelos ao TRANSPORTES & NEGÓCIOS.
Farta de esperar pela sucessão do sistema Convel, e a precisar de investir na expansão da sua frota, a Medway decidiu tomar o assunto em mãos e desenvolver uma solução que permita operar na rede nacional com locomotivas equipadas com o sistema ETCS.
O recente acidente entre um veículo de manutenção da Infraestruturas da Portugal e um comboio Alfa da CP trouxe para a actualidade noticiosa a importância dos sistemas de segurança activa embarcados nos veículos ferroviários, no caso português, o sistema Convel.
Noutro âmbito, por mais de uma vez o presidente da Medway tem apontado a indefinição sobre o futuro daquele sistema como um especial obstáculo à concretização dos planos de expansão do operador ferroviário de mercadorias, em particular no que toca à compra de novas locomotivas.
Porém, a situação poderá em breve ser desbloqueada, antecipou Carlos Vasconcelos, em declarações ao TRANSPORTES & NEGÓCIOS, referindo um investimento em I&D promovido pela empresa e parceiros tecnológicos.
Afinal, o que está em causa no Convel?
Carlos Vasconcelos – A circulação de um comboio obriga a que este esteja equipado com um sistema de segurança activo ATP (Automatic Train Protection). Em Portugal, o sistema ATP utilizado é o sistema Convel, uma variante do sistema EBICAB 700 da Bombardier, que se encontra obsoleto e descontinuado.
o País devia ter uma estratégia de migração para ETCS, tal como muitos países o fizeram, beneficiando nessa altura de fundos comunitários de apoio.
Ora, a Bombardier já não fornece sistemas Convel para novas instalações, ou seja, somente está a assegurar fornecimento de peças para locomotivas/comboios que já tivessem instalado o sistema. Para novas locomotivas não fornece, mas também até à data não apresentou qualquer solução alternativa.
Para quem queira comprar novas locomotivas, ou aplicar em veículos existentes, como é o caso da VCC da IP, não consegue obter projecto nem fornecimentos de equipamentos Convel. Ninguém consegue, por conseguinte, comprar novas locomotivas.
Há quanto tempo se mantêm as conversações e o impasse?
Carlos Vasconcelos – Em 2015 foi concluído um trabalho conjunto entre empresas ferroviárias, gestor de infra-estrutura e IMT, que definiu a melhor estratégia para a migração do sistema Convel OBU (on board unit) para o sistema ETCS OBU, através do desenvolvimento de um módulo STM (standard transmission module) que assegurasse a tradução das comunicações entre o sistema Convel instalado na infra-estrutura e o sistema a bordo ETCS.
Em 2016, foi retomado o grupo de trabalho com o objectivo da segunda etapa, definir a estratégia de desenvolvimento do STM, o seu financiamento e a sua disponibilidade no mercado. Porém, até à data não houve qualquer resultado porque as entidades públicas nunca conseguiram definir uma estratégia viável de suporte financeiro para o desenvolvimento do STM.
As orientações da Comissão Europeia são claras e definem que cabe ao Estado Membro criar as condições para que exista um STM disponível no mercado. No entanto, ao não definir como, Portugal não foi capaz de o fazer.
Na prática, qual é o impacte para os operadores desta não decisão?
Carlos Vasconcelos – Não podem comprar novo material circulante e existe o sério risco de vir a existir falta de peças para sistema Convel existentes, podendo obrigar à paragem de locomotivas / comboios no futuro.
Há algum prazo limite para a tomada de decisão?
Carlos Vasconcelos – Não há um prazo legal, mas o País devia ter uma estratégia de migração para ETCS, tal como muitos países o fizeram, beneficiando nessa altura de fundos comunitários de apoio. Deixou passar a oportunidade e continua sem uma estratégia nacional de implementação do ETCS.
Hoje, os fundos comunitários, que em determinada altura apoiaram o desenvolvimento e implementação de ETCS a bordo, estão já direccionados para o upgrade desses equipamentos ETCS já instalados.
Deixámos passar o comboio.
E quais serão as consequências para os operadores?
Carlos Vaswconcelos – Não conseguirão crescer a sua frota com comboios novos e terão em risco a operacionalidade dos comboios existentes por uma eventual ruptura de fornecimento de peças Convel.
Corremos o risco de terminar o plano de investimento Ferrovia 2020 e os operadores não aumentarem a sua actividade porque não existe solução de um sistema ATP a bordo (STM + ETCS) que viabilize o crescimento de frota de locomotivas em Portugal.
Relembro que as orientações europeias reforçam que cabe ao Estado Membro a obrigação de criar condições para a existência de um STM. É necessário olharmos com mais atenção para o futuro e planear adequadamente todos os detalhes para que o ecossistema ferroviário possa funcionar com maior competitividade.
O que é que falta para quem de direito tomar a decisão?
Carlos Vasconcelos – O que falta é o Governo definir como financiar o desenvolvimento de uma solução STM.
A Medway, que não pode aguardar mais a permanência deste risco, iniciou há largos meses o processo de desenvolvimento, com parceiros tecnológicos, de uma solução STM que possa servir o País e viabilizar a implementação do ETCS OBU. Esperamos ter condições nos próximos dois meses para terminar a definição da solução, que cumprirá com as directivas europeias.