Os esforços dos países, em particular da Europa, na transição para energias limpas estão a resultar numa enorme pressão sobre a mineração dos cinco minerais críticos[i]: lítio, cobalto, níquel, cobre e neodímio. Para atingir o objetivo de Zero Emissões de Carbono até 2050 a procura destes minerais deverá aumentar entre 1,5 e 7 vezes até 2030[ii].
A produção de minerais críticos está hoje altamente concentrada geograficamente: a República Democrática do Congo fornece 70% do cobalto, a China 60% de elementos de terras raras[iii], a Indonésia 40% do níquel. A Austrália e o Chile dominam, respetivamente, 55% e 25% da mineração do lítio. A produção de cobre é a que está menos concentrada, com o Chile, o Peru e a China a dominarem menos de 50% da oferta global.
Para ir de encontro à procura crescente e diminuir a concentração geográfica estão em curso diversos novos projetos de mineração, tendo em vista a obtenção dos cinco minerais críticos. A maior diferença entre a produção e a procura está no lítio, 35% em 2030 (défice de 250.000 toneladas por ano). Os investimentos totais necessários para garantir a obtenção dos cinco minerais críticos estão avaliados entre 360 e 450 mil milhões de USD até 2030.
Implicações nas cadeias de abastecimento
A crescente dependência de minerais críticos está a mudar o paradigma tradicional de segurança energética, que se concentrava no fornecimento de combustíveis fósseis e, em particular, do petróleo. A criação de cadeias de abastecimento globais seguras – isto é, confiáveis e acessíveis – para minerais críticos é crucial, não apenas para acelerar a implantação de tecnologias da energia limpa, mas também para garantir que o futuro sistema de energia será seguro.
Para produzir os minerais críticos é necessário processar enormes quantidades de rocha (agregado de minerais) utilizando água, energia e produtos químicos. Esta atividade tem implicações ambientais que podem dar origem a problemas sociais e políticos e, em última análise, à incapacidade para obter financiamentos tão vultosos como os acima indicados.
Não se trata apenas de minerar muito mais com base nas tecnologias, sistemas e processos de produção existentes. É necessário minerar de forma diferente e organizar novas cadeias de abastecimento. Para atingir o objetivo de carbono zero vamos ter de fazê-lo nos próximos 5 anos, caso contrário o que irá acontecer nas regiões mineiras dos países já mencionados
RDC e Zâmbia
Consideremos o caso da mineração de cobre, cobalto, níquel e lítio na República Democrática do Congo e na Zâmbia.
Na RDC existe uma significativa parcela da mineração de cobre e cobalto que é artesanal e outra que é ilegal. Ambas não têm preocupações ambientais, provocam desflorestação, erosão dos solos, poluição das águas por utilização de químicos tóxicos, poluição do ar e degradação dos solos devido aos resíduos gerados. A mineração artesanal é financiada por sponsors (intermediários) que compram e acumulam os minérios e os vendem a empresas de refinação.
A mineração industrial é efetuada por grupos internacionais onde predominam empresas chinesas. O Presidente da RDC, Félix Tshisekedi, num painel no Fórum Económico Mundial, em Davos (Suíça), mostrou-se satisfeito com o boom na procura de minérios, mas lembrou a todos as limitações decorrentes da insegurança no leste do país.
A criação de cadeias de abastecimento globais seguras – isto é, confiáveis e acessíveis – para minerais críticos é crucial, não apenas para acelerar a implantação de tecnologias da energia limpa, mas também para garantir que o futuro sistema de energia será seguro.
Na Zâmbia, a situação económica é má e o Estado tem dificuldade em encontrar parceiros para a gestão e exploração de minas importantes como a Konkola Copper Mines e a Mopani Copper Mines.
Ambos os países vão necessitar de produzir energia. A RDC procura investidores para barragens hidroelétricas, a Zâmbia tem vindo a avaliar a construção de um oleoduto entre o Lobito e Lusaka para transportar produtos fabricados na refinaria do Lobito (projeto angolano, hoje gerido e financiado pela Sonangol, em fase de reformulação). Ambos os países têm tido dificuldade para obter financiamento para esses projetos.
O que se espera que aconteça neste particular contexto quando a procura de minerais críticos crescer exponencialmente?
Logística da mineração
Tomando como exemplo o cobre, o processamento engloba a britagem, a moagem e a concentração por flotação. O concentrado recolhido na superfície é desidratado e contém entre 20-40% de cobre. É transportado para uma fundição onde é posteriormente processado (a uma temperatura entre 1200 e 1600 graus Celsius) para produzir cobre metálico, conhecido como blister e que tem 99,5% de cobre. Depois é transportado para uma refinaria onde é processado (por eletrólise) para produzir cátodos com 99,99% de cobre.
Para este processo é necessário garantir uma cadeia de abastecimento que suporta a importação de equipamentos industriais, peças, sobressalentes, produtos químicos (entre eles, o ácido sulfúrico, ácido nítrico, ácido clorídrico e hidróxido de amónio), combustíveis, cimento, carvão, pneus, etc.. A maior parte dos equipamentos tem origem na África do Sul e os produtos químicos são importados em contentores marítimos da China, África do Sul, Canadá, Brasil e Austrália.
A exportação é feita na forma de blister ou de cátodos, sendo a segunda a dominante. Junto ás fundições ou refinarias existem armazéns onde se reúnem os cátodos que são carregados em contentores marítimos, transportados por via rodoviária ou ferroviária até aos portos para embarcar em navios de linha. Em alternativa, os cátodos (atados) são transportados por camião até ao porto e embarcam em navios de carga geral, o que é menos frequente. A exportação de blister é feita em sacos por qualquer um dos dois processos referidos.
Em ambos os países é utilizada predominantemente a linha de caminho de ferro para a Tanzânia (Dar es Salam) ou para a África do Sul (Durban e Cape Town) atravessando o Botswana. Ou o transporte rodoviário para a Namíbia (Walvis Bay). Beira, Maputo e Lobito são alternativas ferroviárias ou rodoviárias menos utilizadas.
Esta logística de importação e exportação não está preparada para suportar um forte crescimento porque algumas infraestruturas estão degradadas.
O que se espera que aconteça neste particular contexto quando a procura de minério crescer exponencialmente?
Angola, o Caminho de Ferro de Benguela e a Trafigura
Em novembro de 2022, a operação, gestão e manutenção do CFB para o transporte de mercadorias, minérios, granéis líquidos e gases entre o Lobito e a fronteira com a RDC (1.290 km) foi concessionada a um consórcio liderado pela Trafigura e que envolve a Mota-Engil África e a Vecturis. A atribuição da concessão envolveu um pagamento inicial de 100 milhões de USD e prevê um investimento total de 450 milhões de USD ao longo de 30 anos.
Alguns dias depois, a Trafigura fechou um contrato de financiamento sindicado de 600 milhões de USD tendo em vista completar as instalações da mina de Mutoshi, da fábrica de processamento em Kolwezi, e a expansão da mina Etoile e da fábrica de processamento em Lubumbashi. Segundo a Trafigura, a mina de Mutoshi irá iniciar produção no 4.º trimestre de 2023 com uma capacidade anual de 16.000 toneladas de cobalto e 48.000 toneladas de cátodos de cobre. Em janeiro de 2022, a Trafigura tinha fechado outro contrato de financiamento de 600 milhões de USD com a Chemaf Resources Ltd, com sede na ilha de Man, para a produção integrada de cobre e cobalto na RDC.
De fora da Concessão do Corredor do Lobito ficou a construção do ramal ferroviário de ligação do CFB com a Zâmbia. Este país, embora tendo extensa fronteira com Angola não tem com ela qualquer ligação ferroviária ou rodoviária direta. Claramente, existem estratégias que não encaixam. A Zâmbia mantém como prioritária a ligação da região mineira ao caminho de ferro Norte-Sul com escoamento por Dar-es-Salam, tirando partido de financiamento da China.
Entretanto, a Trafigura reforçou contactos com o governo da RDC, a Société Nationale des Chemins de fer Congolais e empresas mineiras em Lualaba, tendo em vista a reconstrução do caminho de ferro entre Dilolo (fronteira com Angola) e Kolwezi, linha que está inoperacional há vários anos.
A Trafigura é um dos líderes mundiais do trading em matérias primas e engloba a Impala Terminals, especializada em serviços logísticos e portuários. A empresa, com sede em Genève (Suiça), é propriedade dos seus gestores trabalhadores no ativo e emprega 13.000 pessoas em 48 países.
A Trafigura tem capacidade financeira e operacional para produzir e exportar pelo CFB e porto do Lobito alguns dos minerais críticos necessários ao esforço internacional de transição para as energias limpas. Mas a RDC não tem a estabilidade política e a segurança interna que garantam a estabilidade e sustentabilidade da produção. Idêntica situação encontramos recentemente no Peru, onde se encontra uma das maiores reservas de cobre.
Os países onde existe mineração dos cinco minerais críticos vão estar no centro da geopolítica mundial nos próximos 20 anos tirando o lugar aos países produtores de petróleo. Por enquanto, a China tem de longe a maior quota de produção e dela depende, quer queiramos quer não, a fase de arranque do processo que a Europa decidiu acelerar tendo no seu território zero de minerais críticos.

Na passada semana, a empresa chinesa SAIC Anji Logistics encomendou a dois estaleiros 7 navios Pure Car and Truck Carrier (PCTC), com capacidade para 8.900 CEU[iv] e propulsão convencional mas adaptável a metanol, para entrega em 2025 e 2026. Os lead times[v] para projetos mineiros são longos e incertos. Será que a China sabe que vai exportar veículos elétricos para Europa que não terá os minerais críticos para produzir as baterias e outros equipamentos?
[i] Minerais essenciais para a produção de equipamentos como baterias, veículos elétricos e tecnologias associadas ás energias renováveis e infraestruturas de rede.
[ii] Fonte(dados e gráficos): “Energy technology Perspectives 2023”, International Energy Agency (IEA), janeiro 2023.
[iii] As terras raras são um grupo de 17 elementos químicos, a designação decorre da grande dificuldade em encontrá-los com um bom grau de pureza e concentração e, também, devido aos problemas que envolve a sua extração devido às suas propriedades químicas e aos riscos ambientais.
[iv] CEU = Car Equivalent Unit. Um CEU baseia-se nas dimensões do Toyota Corola RT43 de 1966, 4125mm x 1550 mm x 1400 mm.
[v] Tempo que decorre entre a decisão de avançar com um projeto mineiro e o início da produção de minerais.
FERNANDO GRILO
Economista de Transportes Marítimos