No último dia do ano de 2021, veio a público a tão aguardada Lei de Bases do Clima.
Este diploma, que entrou em vigor no dia 1 de fevereiro de 2022, veio estabelecer os princípios gerais e as principais regras orientadoras do que se pretende venha a ser uma verdadeira política de ação climática.
Sabendo-se que o setor dos transportes é determinante e incontornável no caminho em direção ao equilíbrio ecológico e à redução de emissões de gases com efeito de estufa, e que 2050 é já “ao virar da esquina”, importa olhar atentamente para este novo diploma enquadrador, procurando perceber de que modo o mesmo se debruçou sobre a mobilidade e as infraestruturas de transporte e o seu possível contributo para a neutralidade carbónica.
À luz desta lei, numa afirmação clara de um novo paradigma, todos – incluindo as empresas – são sujeitos da ação climática, incidindo sobre cada um o dever de proteger, preservar, respeitar e assegurar a salvaguarda do equilíbrio climático e, assim, mitigar as alterações ao nível do Clima.
A título de mero exemplo, refira-se que as sociedades comerciais devem, doravante, considerar o risco climático como um elemento das suas análises de risco e avaliar o impacte carbónico da sua atividade, podendo definir um “orçamento de carbono” e um limite máximo para as suas emissões.
Relativamente aos combustíveis, prevê-se a eliminação progressiva, até 2030, dos subsídios fixados em legislação nacional, diretos ou indiretos ou concedidos através de benefícios fiscais, relativos a combustíveis fósseis ou à sua utilização, a qual deverá ser progressivamente desincentivada também através de medidas fiscais. Os combustíveis fósseis deverão ser progressivamente substituídos, apostando, designadamente, na componente renovável dos biocombustíveis. Bem assim, os produtos petrolíferos e energéticos estarão sujeitos a um preço de carbono, a determinar segundo as “boas práticas internacionais”, estabelecendo-se o ano de 2035 como termo do prazo para o fim da comercialização, em Portugal, de novos veículos ligeiros movidos exclusivamente a combustíveis fósseis
Porém, é sobre as entidades públicas que, por força deste diploma, impendem especiais incumbências, que devem ser sinalizadas. A par dos deveres gerais previstos ao nível do Estado, a quem competirá o desenvolvimento de uma rede de transportes públicos que promova a redução de emissões, a mobilidade sustentável e a redução do congestionamento do tráfego nas cidades, devendo o Governo aprovar as metas e planos setoriais de mitigação e de adaptação às alterações climáticas, em diálogo com as estruturas representativas de cada setor, as autarquias locais têm também um papel a cumprir, que poderá não ser tão facilmente implementável.
Loulé foi o primeiro Município do país a aprovar, no passado dia 7 de fevereiro, um PMAC [Plano Municipal de Ação Climática]
A este respeito, destacamos, no que se refere aos transportes públicos, ainda que sem previsão de um prazo para o efeito, que os Municípios devem aprovar e implementar, no âmbito dos seus territórios, planos de mobilidade urbana sustentável, que integrem serviços de mobilidade sustentável. A verdade é que esta não se traduz, verdadeiramente, numa novidade, tendo já muitos Municípios elaborado, e em aplicação, os seus Planos de Mobilidade Sustentável, apesar de, em Portugal, não existir um enquadramento jurídico específico para estes Planos e a determinação do que deva ser o seu conteúdo.
O mesmo sucede com a referência que agora surge ao Plano de Ação Climática (PMAC), não existindo qualquer indicação acerca do teor deste instrumento e/ou da sua amplitude, mas existindo a previsão legal de um prazo de 24 meses, a contar da data de entrada em vigor deste diploma, para que os Municípios aprovem o seu PMAC.
Loulé foi o primeiro Município do país a aprovar, no passado dia 7 de fevereiro, um PMAC. No culminar de um processo que terá envolvido todas as unidades orgânicas da Autarquia e com contributos decorrentes de um período de participação pública, o PMAC de Loulé refere ter tido em consideração, na sua elaboração, a Estratégia Nacional de Adaptação às Alterações Climáticas 2020 (ENAAC 2020), o Programa de Ação para a Adaptação às Alterações Climáticas (P-3AC) e o Plano Intermunicipal de Adaptação às Alterações Climáticas do Algarve (PIAAC CI-AMAL), seguindo os princípios metodológicos do Intergovernmental Panel on Climate Change (IPCC) e as orientações dos objetivos de desenvolvimento sustentável (ODS) 2030 da Organização das Nações Unidas (ONU).
Resta saber de que modo poderão estas incumbências ser concretizadas pelas autarquias, na lógica integrada que parece ser desejada, e tendo em consideração as repercussões, além do mais, sobre os instrumentos de gestão territorial aplicáveis, cujo dever de revisão, no sentido de passarem a incluir a concretização do potencial energético nacional, esta lei também prevê.
Em jeito de conclusão, diremos apenas que, apesar do cariz eminentemente programático de grande parte das normas deste diploma, no caso dos municípios de menor dimensão, com um cariz predominantemente rural e menos recursos, algumas das obrigações previstas podem encontrar obstáculos que dificultem, e muito, a sua concretização.
JOANA SILVA AROSO
Sócia da JPAB – José Pedro Aguiar-Branco Advogados
Coordenadora de Infraestruturas, Transportes & Mobilidade