A expressão “não vale a pena” sempre foi intrigante existindo várias origens para justificar a mesma, pelo menos quando se pesquisa pela web, mas embora todas elas sejam boas justificações podemos ainda especular sobre mais uma.
Os textos históricos antigos, com largas centenas de anos, que chegaram até aos dias de hoje, os quais foram realizados com uma simples pena e tinta, apenas relatavam factos dignos de registo. Ou seja, que “valia a pena” relatar. Se fosse algo comum e desinteressante poder-se-ia dizer que “não valia a pena”, ou seja, não era um facto que merecesse ser passado a escrito de forma a ficar registado para o futuro.
Esta é uma teoria que vale tanto como qualquer outra, não deixando de fazer algum sentido.
Em primeiro lugar, gostaria de salientar, para aqueles que não me conhecem, que não tenho qualquer filiação ou preferência político partidária, nem tenho qualquer interesse profissional nas infraestruturas que serão referidas, sendo este texto meramente uma opinião técnica pessoal e baseada em factos.
Então, comecemos pelos factos.
Em 2001 foi decidido em conselho de ministros (26/2001) do então Governo Socialista, criar uma estrutura para a coordenação do desenvolvimento do sistema logístico nacional através de um grupo de missão.
Daí surgiu o Gablogis – Gabinete para o Desenvolvimento do Sistema Logístico Nacional que deveria estudar e apresentar um Plano de Rede Nacional das Plataformas Logísticas dentro do enquadramento do Programa para o Desenvolvimento do Sistema Logístico Nacional, para o período 2000-2006, o qual assentava em três vertentes de intervenção fundamentais:
a) Desenvolvimento de uma rede nacional de plataformas logísticas;
b) Reorganização de micrologística nas áreas metropolitanas e nas cidades médias;
c) Apoio ao desenvolvimento da estrutura empresarial do setor.
O Plano da Rede Nacional das Plataformas Logísticas foi realizado em 2001/2002, e uma das áreas consideradas foi o Eixo Bobadela – Alverca para onde se previa a necessidade de planeamento e beneficiação/expansão de áreas com funções logísticas já existentes, nomeadamente Azambuja/Carregado, Bobadela/Alverca e Coina/Pinhal Novo.
Em 2006, num Governo Socialista, foi apresentado o Plano Portugal Logístico, no qual é apresentada uma Rede Nacional de Plataformas Logísticas composta por 11 Plataformas Logísticas e 2 Centros de Carga Aérea.
Das 11 Plataformas Logísticas constavam 4 Plataformas Portuárias cujos principais objetivos estratégicos eram:
– Potenciar a atividade portuária e expandir a sua área de influência, nomeadamente para Espanha.
– Fomentar a intermodalidade e a utilização dos modos ferroviário e marítimo.
Uma das 4 Plataformas Portuárias era a Plataforma Bobadela – Sobralinho, que tinha como conceito e objetivos estratégicos:
– ZAL Portuária multimodal (marítima, rodo e ferroviária) e polinucleada de apoio ao porto de Lisboa.
– Alargar o hinterland portuário através da oferta de atividades logísticas complementares às atividades portuárias.
– Promover o reordenamento logístico e do transporte da região de Lisboa e Vale do Tejo.
As suas principais funcionalidades, identificadas na altura, eram:
– Área logística multifunções
– Área logística monocliente
– Terminal intermodal ferro-rodo
– Terminal intermodal marítimo-rodo e marítimo-ferro
– Serviços de apoio a empresas e veículos
Os acessos ferroviários identificados eram os da linha do Norte e ligação ao Porto de Lisboa, tendo como principais indicadores uma área disponível de 51 + 12 ha (os últimos 12 referentes ao Sobralinho) e uma área de expansão de 24 ha, estando na altura previsto um investimento de 9 Mi € na Plataforma e de 10 Mi € nas acessibilidades.
Quanto ao mercado local que servia esta plataforma este era composto por 3,2 Milhões de habitantes num raio de 100 km, representando 45% do PIB industrial Nacional.
Neste Plano era ainda mencionado o Papel do Estado:
– Coordenar a avaliação e aprovação dos projetos
– Assegurar o licenciamento
– Assumir a ligação da Rede, coordenação e conexão da infoestrutura
– Promover a eliminação dos estrangulamentos da rede de transportes
Na apresentação deste plano a, na altura, Secretária de Estado dos Transportes, proferiu no seu discurso que
São por todos conhecidos os constrangimentos existentes para a expansão do porto de Lisboa. Torna-se por isso imprescindível encontrar soluções que permitam aumentar a sua capacidade para a movimentação de mercadorias, sob pena de podermos estar a condenar a competitividade futura de uma infra-estrutura estratégica para Portugal.
A ZAL Portuária multimodal (marítima/fluvial, rodo e ferroviária) e polinucleada de apoio ao porto de Lisboa, considera a existência de dois polos, um na Bobadela e outro no Sobralinho, constituindo uma segunda linha para o tratamento das mercadorias com origem/destino no porto e base de distribuição para os operadores logísticos portuários.
Ou seja, um evento como este [Jornadas Mundiais da Juventude] trará impactes amplamente positivos no plano económico, mas não se refere quais serão, nem se faz uma estimativa dos mesmos, sendo um evento que acontece uma vez.
E o impacte económico da deslocalização da plataforma para não se sabe onde? Sim, é que tudo indica que se tomou esta decisão sem haver uma alternativa já definida, pois ninguém anunciou uma.
Esta ZAL terá, assim, como objetivos principais:
– Alargar o hinterland portuário através da oferta de atividades logísticas complementares às atividades portuárias; e também
– Promover o reordenamento logístico e do transporte da região de Lisboa e Vale do Tejo.
Quinze anos passados, um novo Governo Socialista, num novo Conselho de Ministros (45/2021, publicado em 28/04/2021) decide a criação do grupo de projeto para a Jornada Mundial da Juventude 2023, determinando a desocupação das parcelas necessárias à sua realização, e fixa um calendário de relocalização definitiva do Complexo Logístico Rodoferroviário da Bobadela.
Até 2023 deverão ser desocupadas a zona Sul e Central da Bobadela e até 2026 a zona Norte.
Para o efeito, e até 2023, a IP, S. A., está autorizada a assumir os encargos plurianuais e a realizar as despesas necessárias à desocupação das parcelas referidas no n.º 1 (Zona Sul e Zona Central), até ao montante global de (euro) 6 000 000, ao qual acresce o Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) à taxa legal em vigor.
Na mesma resolução menciona-se que “O espírito de envolvimento e mobilização que tem caraterizado as jornadas mundiais da juventude, é gerador de impactes amplamente positivos, no plano económico, social e promocional dos países anfitriões.”
Ou seja, um evento como este trará impactes amplamente positivos no plano económico, mas não se refere quais serão, nem se faz uma estimativa dos mesmos, sendo um evento que acontece uma vez.
E o impacte económico da deslocalização da plataforma para não se sabe onde? Sim, é que tudo indica que se tomou esta decisão sem haver uma alternativa já definida, pois ninguém anunciou uma.
A IP S.A. parece estar a estudar o assunto e, como se sabe, qualquer projeto da IP leva o seu tempo a realizar, como mais que uma vez os seus responsáveis referem publicamente.
Para além do facto de se poder pensar que Portugal seria um país laico, onde existe, ou deveria existir uma separação entre a igreja (qualquer que seja) e o Estado, não está a ser tomado em consideração todo o impacte negativo que esta decisão terá na economia da região e sobretudo no porto de Lisboa, pois, segundo a Srª Secretária de Estado dos Transportes da altura, estar-se-á a condenar a competitividade futura de uma infra-estrutura estratégica para Portugal.
Seria bom ouvir a mesma Senhora, agora Deputada à Assembleia da República, sobre o assunto.
Tudo isto conjugado com o facto de, no porto de Lisboa, os terminais portuários a montante do Terminal de cruzeiros não irem ver as suas concessões renovadas ou colocadas a concurso, apenas pode levar a concluir-se pelo fim anunciado deste porto como o conhecemos…
Parece que tudo quanto se estudou, analisou, planeou e decidiu, não serviu para absolutamente nada. Nada se fazendo e agora gastando dinheiro com um evento para destruir em vez de construir.
Por último, torna-se caricato ver uma Câmara Municipal (Loures) a encomendar um estudo para apontar a deslocalização desta plataforma da Bobadela para a chamada Plataforma Logística de Castanheira do Ribatejo, espaço dentro de outro município, Vila Franca de Xira, cuja Câmara já declarou publicamente rejeitar liminarmente esse cenário, para além de o espaço em causa não ter ramal de caminho de ferro, espaço para parqueamento e reparação de contentores e nem sequer o, em tempos tão falado, porto fluvial, embora continue previsto.
Tudo isto conjugado com o facto de, no porto de Lisboa, os terminais portuários a montante do Terminal de cruzeiros não irem ver as suas concessões renovadas ou colocadas a concurso, apenas pode levar a concluir-se pelo fim anunciado deste porto como o conhecemos, ficando provavelmente reduzido aos cruzeiros e a alguns contentores no terminal da Liscont, em Alcântara, pelo menos até ao fim da sua concessão.
Quem se responsabilizará pelo impacte que tudo isto terá na economia da região e do país?
Não só os custos diretos, mas também os custos ambientais, com o aumento das distâncias a percorrer pelas cargas.
O que se pode concluir é que a memória dos políticos é efémera ou seletiva, e mais uma vez se constata que as decisões são tomadas em função dos votos que se podem vir a obter nas próximas eleições, custe o que custar.
Relembra-se, aos mais esquecidos ou com memória seletiva, que o porto de Lisboa é um dos dois portos naturais que temos (o outro é Setúbal), com uma área de espelho de água e margens onde cabem todos os outros portos nacionais juntos e ainda sobra espaço. E estamos a deitar fora todo esse potencial que muitos países gostariam de ter. Não nascemos holandeses, senão talvez tudo fosse diferente nesse aspeto.
Será que ainda “vale a pena” escrever opiniões, fazer estudos, criar planos?
Pelos vistos, não. O que hoje é amanhã deixou de ser.
Como é que se pretende conquistar investimento estrangeiro quando demonstramos que não sabemos seguir um plano e concretizá-lo, oferecendo estabilidade a quem se dispõe a investir?
Tudo isto me faz lembrar uma frase de Winston Churchill, ou a ele atribuída: “A maior lição da vida é a de que, às vezes, até os tolos têm razão”. Esperemos que sim.
JOÃO SOARES
Concordo plenamente. Não há “pachorra” para aturar estes governantes, quer de Direita ou de Esquerda, que só sabem pedir projetos e mais projetos e depois de serem concretizados são desativados. E, mais uma vez, o dinheiro dos nossos impostos serve para estes Srs brincarem|||||||||||
Também concordo, João.
Note-se a excelente reportagem de ontem à noite sobre o “rescaldo” dos incêndios de 2017: parece que o que resta é o julgamento de aguns “responsáveis”? o “peixe graúdo” fica de fora como habitualmente (com os vários governos).
Isto anda tudo ligado: agora já começaram a dizer que em 2024 haverá casa para todos; vamos acreditar? dinheiro haverá certamente mas a casa estará pronta para todos? só depois de ver…
Já arquiteto paisagista Gonçalo Ribeiro Teles avisava que a Vale de Alcântara ou Ribeira de Alcântara deveria estar ligada ao pulmão de Lisboa, Monsanto. Mas a TAL corrupção dos
sucessivos presidentes da camara da capital levou a que enchessem de betão e agora temos as consequências por alguns milimetros de chuva. Politicos de 3o nundo tem Portugsl, Sampaio, Costa e Medina todos do PS para a prisão por estas inundações totalmente vergonhosas !