Num artigo publicado no JOC (Journal of Commerce) Lars Jensen, analista de transportes marítimos, destaca que a atual estrutura de Alianças entre operadores de linhas de contentores foi formada num período em que as taxas de frete eram historicamente baixas e o foco era gerir o excesso de capacidade dos navios.
Os efeitos da pandemia do COVID-19 dominaram nos dois últimos anos a dinâmica da cadeia de abastecimento de contentores e o atual bloqueio do porto de Xangai terá efeitos para além de 2022. Lars Jensen considera que é altura de se começar a dedicar atenção a outras dinâmicas que passarão a estar no centro do “container shipping” nos próximos anos.
As três alianças – 2M, Ocean Alliance e THE Alliance – têm a sua vigência acordada até ao final da segunda metade da década, mas com termo em anos distintos. Lars Jensen considera que “é cada vez mais provável que os atuais contratos sejam rescindidos por mútuo acordo e que novas constelações de Alianças vão surgir”.
As Alianças permitem que os operadores de linhas combinem a vantagem de escala, relacionada com a capacidade dos navios, com a vantagem de escala relacionada com a capilaridade e a frequência da rede. Tal constitui não só uma vantagem para os carregadores, mas também um ingrediente vital para garantir o maior número possível de serviços diretos, porto a porto.
As Alianças têm uma componente operacional dominante, no seu seio são tomadas decisões estratégicas como o desenho da rede de serviços e decisões táticas relacionadas com as flutuações no mercado, com caráter de curto prazo como por exemplo, os “blank sailings” (alteração parcial ou total na rota de transporte marítimo de carga que gera o cancelamento da atracação do navio num porto específico ou da viagem inteira), a omissão de escalas (o cancelamento da escala de um navio num determinado porto, alterando parcialmente ou totalmente a sua rota) e os ajustamentos nos schedules (programação das viagens).
As novas Alianças serão compostas por membros que tenham interesses estratégicos mais alinhados e, como tal, tenham possibilidade de criar uma rede mais adequada para esse fim.
Uma Aliança funciona melhor quando todos os seus membros têm interesses estratégicos alinhados. A atual estrutura das Alianças nasceu num período em que as taxas de frete eram historicamente baixas e em que os operadores lutavam para minorar os efeitos do excesso de capacidade em navios. Os interesses estratégicos alinhavam-se por reduzir os custos operacionais das redes e absorver a nova geração de navios porta-contentores de grande capacidade.
O alinhamento de interesses alterou-se
Hoje estamos num ponto diferente na evolução do mercado. Os operadores de linha estão a efetuar escolhas em sentidos diferentes quanto ao seu futuro comercial e operacional. Uns concentram-se em melhorar a rentabilidade dos navios das suas frotas, enquanto outros investem para aumentar significativamente os volumes. Uns concentram-se na logística porta a porta, enquanto outros decidem permanecer apenas como transportadores marítimos. Uns procuram conquistar mais clientes com quem manter contratos de longo prazo, enquanto outros se concentram em colher os benefícios do mercado spot. Uns evitam cada vez mais os transitários de pequena e média dimensão, enquanto outros os adotam como parceiros.
Todas essas escolhas são razoáveis e, numa ótica de concorrência, é bom ver que os operadores escolhem abordagens diferentes. No entanto, diferentes escolhas conduzem a desalinhamentos entre os membros de uma aliança quando se trata de desenhar a rede, “blank sailings”, etc.. Manter as Alianças atuais significa que cada Aliança terá que preparar uma rede que seja um compromisso de forma a abranger escolhas estratégicas bastante diferentes e, como tal, essa será uma rede não totalmente satisfatória para qualquer dos membros.
Tal irá cada vez mais provocar tensão nas Alianças e, no final, levará à sua reformulação. As novas Alianças serão compostas por membros que tenham interesses estratégicos mais alinhados e, como tal, tenham possibilidade de criar uma rede mais adequada para esse fim. Do ponto de vista da concorrência, isso levará também a uma maior diferença nos “produtos operacionais” oferecidos pelas novas alianças.
Segundo Lars Jensen, “é difícil prever quando essa mudança irá acontecer, mas um prazo provável seria 2023-2024. Salvo qualquer acontecimento inesperado, o mercado provavelmente iniciará uma queda em direção à normalidade após o pico de sazonalidade de 2022, ou até mais cedo, se a inflação levar a uma recessão da procura pelos consumidores. Isso aliviará os problemas de estrangulamento e libertará capacidade de volta ao mercado, criando condições para uma redução nas taxas de frete em direção ao normal.
!A redução das taxas de frete e o aumento da capacidade reforçarão as diferenças estratégicas internas entre os membros de cada Aliança durante 2023 e, portanto, estará criado o cenário para uma mudança a ser implementada na primavera de 2024 como linha de base – com a possibilidade de uma rápida recessão do consumidor poder fazer acontecer mais cedo.”
A análise apresentada deve merecer a maior atenção das administrações portuárias que têm intenção de promover investimentos em novos terminais de contentores, como é o caso do Porto de Sines, mas que com frequência seguem as orientações de Governos que, apesar dos erros passados, continuam a centrar-se na ambição de promover concursos para a construção de infraestruturas pelos privados, sem olhar à procura de serviços e ás estratégias dos operadores internacionais em presença, criando descrédito do país junto dos investidores e financiadores.
FERNANDO GRILO
Economista de Transportes Marítimos