Quando o resultado é pífio e fica muito aquém das expetativas, é vulgar dizer-se que: “a montanha pariu um rato”. Infelizmente, assim parece, mesmo antes de se conhecer o resultado, após publicação do projeto de diploma que estabelece o regime jurídico aplicável ao setor portuário, designadamente o funcionamento e a organização dos portos comerciais nacionais.
Ao conhecer o documento base que por aí recolhe sugestões, comecei por me animar com o objetivo inicial de haver necessidade de fazer revisão da legislação do setor portuário, que se tem mantido substancialmente inalterado desde a década de 90. E que, como se diz, “tem gerado algumas ineficiências e perda de competitividade face à mudança de paradigma a que este setor tem assistido”. Ânimo esse que se foi esvaindo ao constatar que o referido projeto de diploma mais não é que um repositório de legislação produzida durante os últimos quase 30 anos, concentrando a novidade na necessidade de adequar o prazo da duração das concessões portuárias (de até 30 para até 75 anos), no pretexto de que “os portos, além de serem plataformas logísticas e de transporte, devem caminhar para serem hubs energéticos, digitais e industriais”.
Se é certo que toda a legislação condensada não passa disso nas diversas matérias ligadas ao funcionamento dos portos comerciais, ainda alimentei a esperança de ver como imperativa a vontade de levar por diante um novo modelo de governação, sem ter receios em copiar o modelo portuário espanhol. Desde há muito tempo que sou defensor da réplica desse modelo, pelos bons resultados conhecidos no país vizinho, desde logo pelo que se conhece das estatísticas que comprovam o crescimento dos portos principais espanhóis nos últimos 30 anos. Enquanto por cá, é o que sabemos.
…o (…) projeto de diploma mais não é que um repositório de legislação produzida durante os últimos quase 30 anos, concentrando a novidade na necessidade de adequar o prazo da duração das concessões portuárias (de até 30 para até 75 anos)
Ao ver intenção na criação da Portos de Portugal (SGPS) S.A. julguei estar a ser dado um passo decisivo para que haja uma verdadeira coordenação na “gestão, exploração e desenvolvimento dos portos comerciais continentais, bem como o planeamento e promoção da atividade portuária, e a captação de investimento para o setor portuário”, a qual, a meu ver, se revela como muito necessária. Isto conciliado com o alívio do espartilho sentido por parte das duplas tutelas do governo central (técnica e financeira).
No entanto, continua a registar-se uma falha na clarificação do financiamento da Portos de Portugal por parte da contribuição anual das AP’s. Esta e outras no que respeita à agilização de um certo financiamento de pequenos investimentos nos portos a fazer pela SGPS.
Quanto à criação da figura do Diretor do Porto, à maneira portuguesa, é facultativa e resume-se à intenção. “O Conselho de Administração, por proposta do presidente, pode nomear um Diretor do Porto”. (Em Espanha existe e é escolhido entre os seus pares, exigindo-se pelo menos 5 anos de experiência em técnicas e gestão portuária. Tem assento no C.A..) E se neste aspeto é facultativo, no que respeita à constituição dos Conselhos de Administração, nem uma palavra. Será que se justifica o modelo atual dos C.A. dos portos portugueses? Não seria preferível também seguir-se o modelo espanhol, com um Presidente executivo nomeado pelo Governo Central (Governo Regional, em Espanha) e um C.A. alargado, composto por elementos não executivos que representam os interesses regionais, as diversas associações dos agentes económicos que atuam no porto e os próprios sindicatos dos trabalhadores das autoridades portuárias?
Corre por aí que já surgiu a habitual contestação à tal “holding dos portos” e que já se retrocedeu na intenção da sua criação. No que respeita ao Diretor do Porto, penso que não passará da intenção, enquanto não houver mudança na atual composição dos Conselhos de Administração das AP’s. Em tudo o resto, apenas se condensa a legislação produzida com alguns toques de modernidade, no que respeita à responsabilidade dos portos e ao seu contributo para a digitalização, segurança e sustentabilidade ambiental.
Já por aí há rumores que este ano não será famoso na movimentação de mercadorias nos portos nacionais. Em conclusão: mais uma vez recuamos perante a “montanha” e fazemos do “rato” a nossa grande conquista.
JOSÉ ANTÓNIO CONTRADANÇAS
Ex – administrador portuário / aposentado
O modelo espanhol, promessa de equilíbrio num estado regional, fracassou nas primeiras eleições em que foi necessário um voto regionalista… O crescimento actual, convém ver as estatísticas e, sobretudo, o que se passou desde 2019. E o bom exemplo está exemplificado por cerca de uma dezena de terminais recentes, construídos pelo Estado e pelas AP’s, completamente inactivos ou com utilização residual. Concursos para concessões desertos nos últimos 7 ou 8 anos (salvo Valência, que é mera transferência da MSC)…
Apesar das ineficiências, que as há, não é esse seguramente o caminho, se é que há um caminho. É que os portos servem para movimentar mercadorias e, num contexto específico, em fim de ciclo, para as transfegar… Mas essa é uma necessidade esgotada.