Esta semana fui contactado por um Comandante de aeronaves que, seguindo o exemplo de outro Comandante de aeronaves, pretendia apoio na troca de residência para outro Estado-Membro.
Este Comandante de aeronaves, que me contactou pelo antigo método de distribuição de trabalho de “passa a palavra”, havia recentemente celebrado um contrato de trabalho com uma empresa de trabalho temporário, sediada noutro Estado-Membro que não Portugal, para realizar voos para um operador sediado no espaço europeu, operando entre vários pontos localizados em vários Estados, alguns Europeus e outros não.
Em resultado da operação onde agora ia ser incluído, este Comandante tem agora a opção de escolher onde residir entre variados Estados-Membros, tendo a intenção de realizar uma escolha orientada por princípios de pura rational choice.
De forma muito geral, pode dizer-se que nos termos da lei Portuguesa aplicada a rendimentos derivados do trabalho dependente, todos os residentes em Portugal são tributados pela totalidade dos seus rendimentos, incluindo os obtidos no estrangeiro.
Por outro lado, os sujeitos passivos não residentes, são apenas tributados em Portugal, pelos rendimentos obtidos em território nacional (o n.º 1 do artigo 18.º do Código de IRS enumera as diversas situações que se configuram como rendimentos obtidos em território nacional, apenas estes rendimentos quando obtidos por não residentes são tributados em Portugal).
Obtendo o Comandante em causa rendimentos provenientes de fora do território nacional, nada o impede de mudar a sua residência para fora de Portugal, desde que permaneça efetivamente fora do território nacional durante a maior parte do ano civil, deixando assim de ser residente para efeitos de IRS e, consequentemente, deixando de estar sujeito ao pagamento de IRS em Portugal.
Considerando a possibilidade de mudar de residência infindáveis vezes durante a pendência do contrato na medida em que pode alterar a sua base operacional, em abstrato, pode colocar-se numa situação onde não seja tratado como residente em estado algum.
Adicionalmente, em termos de Segurança Social, ainda que não exista um regime de segurança social único na Europa, ou uma harmonização dos regimes, existem regras específicas sobre a coordenação dos sistemas sociais que permitem a um contribuinte de Segurança Social:
- um grau elevado de segurança na determinação do regime que lhe é aplicável,
- Segurança na existência de mecanismos que eliminam a dupla tributação, e
- Portabilidade das contribuições realizadas num Estado para outro Estado-membro.
Pelo que o nosso Comandante pode, com elevada segurança, incluir a comparação de direitos e benefícios na determinação do regime de Segurança Social que pretende que lhe seja aplicado, especialmente considerando os indícios difusos do seu empregador.
Falando do seu empregador, ou da companhia para a qual ele opera, este é a verdadeira peça-chave do puzzle. Este tipo de planeamento por parte de um Comandante (ou um piloto, ou outro) apenas pode ser realizado quando o empregador dilui a sua atividade por várias jurisdições, ou, utilizando a expressão do tribunal europeu, quando existem vários “feixes jurisdicionais”.
Ninguém se muda, para Portugal ou a partir de Portugal, por 1% de IRC. Se calhar, com mais 1% de perceção de serviço público, 1% de políticas públicas e 1% de responsabilidade, se consigam resultados surpreendentes.
É conhecido o estado atual do espaço comunitário e das regras aplicadas aos transportadores comunitários com:
- Total liberdade na circulação de capital e inexistência de regras de ownership and control entre comunitários
- Total possibilidade de obtenção de um número plural de Certificados de Operador Aéreo
- Relativa facilidade no reconhecimento, e conversão, de licenças de pessoal técnico.
Estas regras, que aliás não são novas, permitem uma enorme latitude aos operadores de selecionar com que autoridades trabalham, não apenas (mas principalmente) autoridades aeronáuticas, mas também autoridades tributárias e laborais.
Nem é necessário dizer que jurisdições capazes de captar operadores trazem consigo, de arrasto, incrementos de receita fiscal clara. No caso concreto da aviação, não é necessário ir mais longe do que Malta, a qual tem construído um hub relevante de aviação sem grande esforço, meramente com uma política pública estruturada e uma autoridade de aviação civil cooperante.
Este contexto não é único na aviação, aliás, pode considerar-se uma mera versão da revolução que o trabalho remoto trouxe às relações laborais e aos hábitos de residência de uma parte significativa do mercado laboral.
Os desafios que esta nova realidade apresenta são diversos, em especial para os Estados. Sendo que, pessoalmente, mantenho-me um firme defensor da importância do Estado, recusando ideias de redução total do seu papel, consigo reconhecer a crise do Estado na sua definição e organização mais clássicas, fruto da maior mobilidade de capital e pessoas.
Se o Race to the bottom não me parece inevitável como a todos os doutrinadores neoliberais, a mudança da perceção do serviço público de uma perspetiva de guichet administrativo para um verdadeiro prestador de serviços com competência capaz de atrair empresas e pessoas de interesse já é fundamental para um Estado que pretenda atrair investimento.
Pelo menos para companhias aéreas assim terá de ser. Ao invés, cortesia “não-apenas-mas-em-grande-parte” da mentalidade de servilismo ao serviço público que nos é exigida em variados cenários, não só não conseguimos atrair ninguém, como afugentamos os operadores nacionais, cada vez mais dedicados a operações fora de Portugal sob a égide de autoridades estrangeiras.
Ninguém se muda, para Portugal ou a partir de Portugal, por 1% de IRC. Se calhar, com mais 1% de perceção de serviço público, 1% de políticas públicas e 1% de responsabilidade, se consigam resultados surpreendentes.
FRANCISCO ALVES DIAS
Advogado Especializado em Direito Aéreo e Espacial