Todos os anos são emitidos a nível mundial 51 mil milhões de toneladas de gases de efeito de estufa. Em breve, teremos de triplicar este valor para que as pessoas dos países e zonas mais pobres possam ter acesso a melhor qualidade de vida, alimentação condigna, telemóvel, vestuário, habitação e transporte.
Está largamente demonstrada a aceleração que a subida da temperatura tem com estes gases de efeito de estufa. Algumas dúvidas apenas subsistem sobre a quantificação desse contributo, mas a relação é consensual.
A subida de um grau na temperatura média mundial afeta de forma abrupta temperaturas em vários locais do mundo, o nível das águas, as secas e a dimensão e força das tempestades. Os países mais pobres são normalmente os mais afetados por qualquer catástrofe deste tipo, com mais fome e miséria. Embora todos os países sejam afetados negativamente.
Este desastre apenas se resolve com acréscimo de gases de efeito de estufa ZERO. Ou seja, tudo o que se emitir tem de ser igualmente capturado. Não se trata de emissão zero, mas de neutralidade carbónica. Se emite, tem de capturar o mesmo valor. Mesmo que se emita pouco sem capturar, continua o acumular do efeito de estufa. Como encher um copo, mesmo gota a gota vai enchendo.
Quem produz mais carbono? Os transportes representam 16% do total, dos quais o transporte marítimo apenas representa 10%. A produção de aço e cimento representa 10%. A produção de outros bens 21%. A produção de eletricidade 27%. O aquecimento e ar condicionado 7%. A atividade agrícola 16%.
Temos de impedir este desastre climático e os seus efeitos negativos no ambiente e em especial nas populações mais pobres, sem impedir o aumento do consumo e a melhoria da qualidade de vida das pessoas, em especial nos países mais pobres.
Mas como fazer, se o consumo aumenta os gases de efeito de estufa e a subida das temperaturas? Este paradoxo aparente resolve-se com inovação, atuação no mercado e das empresas e políticas públicas consensuais e nível global.
É consensual que os países mais desenvolvidos devem atingir a neutralidade carbónica até 2050 para podermos ter um efeito significativo na travagem do aumento da temperatura média global. Se o nível médio mundial da temperatura aumentasse 6 graus, poderíamos ter crocodilos nos polos.
Como estas questões afetam os portos? O que podem fazer os portos para prevenir os efeitos das alterações climáticas? O que podem fazer os portos para precaver o desastre climático?
Existem dois tipos de efeitos principais nos portos: efeitos económicos e de mercado e efeitos operacionais.
Os efeitos económicos e de mercado podem configurar ameaças ou oportunidades com a alteração das mercadorias movimentadas em cada porto:
– Eliminação do carvão – com o encerramento das centrais de carvão, alguns portos deixam de carregar ou descarregar carvão, reduzindo um segmento de mercado importante;
– Redução dos produtos petrolíferos – o mesmo ocorrerá tendencialmente com o crude e os produtos petrolíferos, que gradualmente verão reduzidos os movimentos de carga e descarga nos portos, afetando os respetivos negócios;
O que podem fazer os portos para prevenir os efeitos das alterações climáticas? O que podem fazer os portos para precaver o desastre climático?
– Redução do gás natural, uma vez que apesar de emitir menos CO2, continua a emitir, não sendo solução para combater o desastre climático a longo prazo, exceto se estiver associado a tecnologia de retenção de CO2 e se for reduzida a libertação inevitável de metano nos processos de transporte e armazenagem, que tem um efeito de estufa muitas vezes superior ao CO2. Em especial, não parece ser a solução de futuro como combustível para navios;
– Aumento da movimentação de cargas ligadas aos novos mercados da energia – como sejam os painéis solares e as componentes das eólicas, o movimento de materiais para a produção de baterias (ex. lítio), a movimentação de hidrogénio verde produzido a partir de energia solar (a tecnologia atual ainda é ineficiente na armazenagem para o transporte, mas está em desenvolvimento), materiais para a captura de carbono,
– Alteração do movimento de cargas ligadas ao mercado do carbono – As taxas de carbono continuam a ser gradualmente aplicadas a todos os setores. A produção europeia de cimento, aço e plásticos, entre outras, já paga taxas de carbono que afetam a competitividade das exportações e das importações destes produtos, com efeitos no movimento dos portos.
A movimentação de novos materiais ligados à produção de cimento, aço e plástico com menor libertação de carbono pode trazer novos negócios para os portos.
Mas as futuras taxas de carbono a aplicar sobre as mercadorias importadas terão impacto sobre a origem, o tipo e quantidades de mercadorias a movimentar nos portos, uma vez que as mercadorias de origens mais distantes serão mais penalizadas.
– Redução da movimentação de carne de vaca, que possui importante consequência na libertação de gases de efeito de estufa, devendo passar a ser substituída por carne sintetizada. E alteração na produção e transporte de fertilizantes produzidos com libertação de gases de efeito de estufa.
– Aumento da movimentação de biocombustíveis avançados produzidos a partir de plantas que não comemos e eletrocombustíveis neutros em termos carbónicos, produzidos com carbono capturado e hidrogénio verde resultante da energia solar, podendo ser utilizados por veículos, aviões e navios com os motores atuais;
Os efeitos operacionais e necessidades de intervenção podem ser:
– Abandono de cais e terminais de produtos que deixam de ser movimentados e terão de ser convertidos para cargas que passam a ser movimentadas;
– Construção de novos terminais para movimentar as novas cargas;
– Necessidade de maiores terraplenos junto aos portos para a instalação de unidade de hidrogénio, lítio, eólicas, biocombustíveis, entre outras;
– Necessidade de alterar a altura dos cais para fazer face à subida do nível das águas do mar.
– Plano de resiliência contra eventos como grandes tempestades e variações significativas de temperatura no verão.
Mas como podem os portos contribuir ainda mais para evitar o desastre climático?
- Adaptando de forma eficiente as infraestruturas e os serviços para receber ou enviar os novos tipos de carga e unidades industriais associadas às novas tecnologias da energia, dos combustíveis, da produção de aço, cimento e plásticos e à produção agrícola;
- Ter infraestruturas para fornecer os navios com os novos combustíveis, sejam gás natural (temporariamente), amónia, hidrogénio, sejam biocombustíveis avançados e eletrocombustíveis, ou eletricidade na escala do navio ou para a viagem (no futuro);
- Penalizando as escalas de navios que não sejam neutras em termos carbónicos;
- Preparando os portos para resistirem à subida das águas e ao possível aumento da dimensão das tempestades e das temperaturas;
- Convertendo toda operação e processos do próprio porto para a neutralidade carbónica, entre outras:
- Eletrificar todas as máquinas, veículos e gruas;
- Eletrificar as linhas de caminho-de-ferro;
- Incentivar a utilização do caminho-de-ferro com taxas verdes negativas;
- Incentivar os camiões que utilizem combustíveis alternativos;
- Sensibilizar a comunidade portuária para a ação;
- Implantar centros de produção solar e eólica que tornem o porto autónomo.
Fonte: Bill Gates, Como evitar o desastre climático, 2021
VÍTOR CALDEIRINHA