Infelizmente, a balança da oferta e da procura no transporte marítimo não é como a da justiça, nem quem nela segura é cego.
As manifestações públicas de desagrado por parte de Carregadores e de Transitários sobre a atual situação dos níveis do custo do transporte marítimo de longa distância têm sido recorrentes, sendo compreensíveis, mas, usando um termo jurídico próprio para este caso, são improcedentes.
Quando se afirma que sem carga não há navios, mas que sem navios continua a haver carga, isso pode aplicar-se aos fluxos de carga intraeuropeus, visto que será possível fazer uma transferência modal dessas cargas para outros modos de transporte alternativos, nomeadamente o rodoviário ou o ferroviário.
No caso do tráfego de longa distância (deep sea), e para a maior parte das cargas, os navios são imprescindíveis, pois qualquer outro modo de transporte alternativo será incapaz de dar resposta ao volume de carga existente, para além do seu custo não dever ser inferior ao atual.
Como no tráfego intraeuropeu existem alternativas ao transporte marítimo, os aumentos de fretes marítimos e outros adicionais aos mesmos não se verificaram da mesma forma e com a mesma intensidade do que na longa distância, tendo-se mantido os seus níveis, verificando-se os naturais ajustes adicionais relacionados com as variações dos custos de combustível (BAF – Bunkers Adjustment Factor) e com o desequilíbrio do mercado, no que diz respeito a volumes de importações e exportações, levando à instauração de adicionais como o “EIS – Equipment Imbalance Surcharge ”, para cobrir os custos extra dos armadores em movimentar contentores vazios para os locais de maior procura. É o mercado da oferta e da procura a funcionar.
Foi no tráfego de longa distância que os aumentos se verificaram de forma mais significativa, onde, para além de aumentos dos fretes, também se verificaram o surgimento de vários adicionais aos mesmos para cobrir outros custos que, entretanto, surgiram.
Tudo isto está diretamente relacionado com o mercado e o seu funcionamento com base na procura (carga) e na oferta (navios e sua capacidade de transporte).
Embora sejam assuntos que todos os intervenientes, sejam Carregadores ou Transitários, conhecem muito bem (ou deveriam conhecer muito bem) não será de mais lembrar como os armadores calculam os fretes que oferecem aos seus clientes.
Em linha regular, o cálculo dos fretes tem como base dois tipos de custos. Os fixos e os variáveis.
Entre os fixos estão o custo diário do navio (afretamento ou custo de afretamento interno caso seja propriedade do armador), o custo com as despesas portuárias com o navio, os custos de combustível (que também tem uma componente variável), o custo com a frota de contentores, os custos com seguros e outros custos diversos que são fixos e que todos eles existem quer o navio esteja totalmente carregado ou apenas com metade da sua utilização. Ou seja, não dependem da quantidade de carga carregada.
Entre os custos variáveis estão principalmente os custos portuários com a carga, em todas as suas vertentes, os quais estão diretamente relacionados com a quantidade de carga a movimentar.
Quando um armador calcula o valor do frete a cobrar aos seus carregadores tem em consideração, num determinado momento do tempo, a duração da viagem, o custo do combustível durante essa viagem e todos os restantes custos envolvidos nesse momento do tempo, resultando num valor por slot de 20’ (espaço a bordo equivalente a um contentor de 20’ ou TEU). A este valor são depois acrescidos os valores variáveis de THC (Terminal Handling Charge), e outros custos variáveis na origem e destino.
Quando os mercados são desequilibrados, existindo mais importações do que exportações, ou vice-versa, os fretes do mercado mais forte são superiores, pois têm de cobrir as despesas de retorno dos contentores vazios e do próprio navio. Essa é a lógica.
Por vezes até se constata que os fretes no sentido contrário, por haver menos carga, ou seja, menos procura, chegam a atingir valores que apenas cobrem os custos de manuseamento dos contentores em porto (THC) e pouco mais, evitando assim que mais contentores sejam transportados vazios, permitindo ao armador, pelo menos, recuperar o custo do seu manuseamento nos portos de carga e descarga. Ou já ninguém se lembra de fretes a $500,00 de Portugal para a China? Enfim. Nada mais do que o mercado a funcionar. Na altura ninguém levantou a questão de os armadores estarem a oferecer fretes abaixo do seu custo? Como cobriam os custos variáveis estava tudo bem e beneficiava as nossas exportações, algo que parece nunca termos sabido aproveitar cabalmente, pois pelos vistos os nossos produtos exportados não se tornaram mais competitivos por causa disso.
São assim os ciclos do Shipping, sobejamente conhecidos por todos que estão nesta atividade. Ou só seria bom existirem ciclos negativos para os armadores onde perdessem sempre dinheiro e assim financiassem os carregadores e o seu sistema logístico?
Quando, ao longo do tempo, os custos que compõem os fretes sofrem alterações, tais como o tempo de estadia em porto para as operações de carga e descarga, significando congestionamento, o preço dos combustíveis que subiu, a frota de contentores que fica retida por mais tempo pelos carregadores/recebedores, o desequilíbrio do mercado que leva ao aumento do custo de transporte de contentores vazios para se posicionarem nos locais de maior procura ou o próprio aumento do custo de afretamento dos navios, dá origem a aumentos dos fretes e ao surgimento de vários tipos de adicionais aos mesmos para corrigir e compensar as alterações ocorridas no mercado ao longo do tempo.
Para além de tudo isto, as variações do próprio mercado em si, definido pela sua procura (carga) e pela sua oferta (navios e sua capacidade de transporte) também ditam aumentos dos fretes que permitem aos armadores recuperarem das perdas de outros anos menos favoráveis. São assim os ciclos do Shipping, sobejamente conhecidos por todos que estão nesta atividade. Ou só seria bom existirem ciclos negativos para os armadores onde perdessem sempre dinheiro e assim financiassem os carregadores e o seu sistema logístico?
O que se está agora a passar não é mais do que um ciclo favorável aos armadores, infelizmente em conjunto com um aumento de custos generalizados que os mesmos também enfrentam.
Por exemplo, os contentores, unidades de carga indispensáveis para esta atividade, sofreram um aumento de custo de produção de quase 90% em menos de um ano e a sua produção está limitada e totalmente tomada para o primeiro semestre deste ano.
Simultaneamente, os valores do fretamento diário de navios porta contentores têm sofrido um aumento elevado devido à procura, tratando-se de um mercado livre de oferta e procura que sempre existiu e sempre funcionou desta forma, como o gráfico New ConTex – Container Ship Time Charter Assessment Index, da Verbadn Hamburger und Bremer Schiffsmakler e V. o demonstra, onde se notam aumentos de 50% a 90% no espaço de um ano.
Este tipo de atividade e mercado é assim que funciona, com altos e baixos, e agora vivemos um alto, agravado por vários outros fatores, que é raro acontecerem ao mesmo tempo, como sejam o elevado custo dos contentores e a falta de disponibilidade deste tipo de equipamento, para além de vários outros, como congestionamentos em vários portos.
Não será de mais lembrar que as Alianças de armadores atualmente existentes, as quais estão perfeitamente legais e autorizadas por todas as autoridades de concorrência a nível Mundial, foram criadas sobretudo para otimizar o aproveitamento de espaços dos ULCV (Ultra Large Container Vessel) e, assim, melhorar as frequências de saída oferecidas por cada armador que faz parte de uma Aliança, estando garantida a liberdade e independência de negociação de fretes, não existindo uma concertação dos mesmos.
Sem estas alianças a situação de disponibilidade de contentores para o transporte assim como o mercado estariam muito piores do que estão atualmente.
Lembro que, há alguns anos, numa situação semelhante de falta de contentores no mercado, a então secretária geral de uma conhecida associação Europeia de Carregadores sugeria que os armadores fizessem uma “pool” de contentores para poderem usar os contentores uns dos outros e melhorar a sua utilização e assim dar melhor resposta à procura que existia.
Não temos uma marinha mercante musculada o suficiente para apoiar a nossa economia em situações desta natureza e quando a tivemos muitos carregadores nacionais davam preferência a navios estrangeiros por serem mais baratos.
Os armadores resolveram esse problema através das Alianças, com os bons resultados para o mercado que temos de reconhecer.
A liberalização dos mercados e da economia no geral resultam em situações desta natureza, em ciclos económicos consequência das situações de mercado da oferta e da procura, as quais quando resultam em custos mais baixos satisfazem quem os utiliza, mas quando resultam em situações de custos mais altos dão origem a reclamações e exigência de alterações e intervenções governamentais.
Não temos uma marinha mercante musculada o suficiente para apoiar a nossa economia em situações desta natureza e quando a tivemos muitos carregadores nacionais davam preferência a navios estrangeiros por serem mais baratos. Quando deixaram de o ser e tentaram voltar aos navios portugueses, estes já lá não estavam, pois o mercado tinha ditado o seu fim e não tinha havido a visão necessária para compreender os ciclos do shipping e a necessidade de restruturação e capitalização da nossa marinha mercante.
Já então os carregadores recorreram ao Governo, recomendando-se a leitura da Resolução do Conselho de Ministros nº 4/85 de 22 de Janeiro de 1985, sendo Primeiro Ministro o Dr. Mário Soares, a qual deu origem à criação dos dois armadores que substituíram as falidas empresas de navegação existentes na altura, onde no preâmbulo refere como objetivos:
A estabilização do mercado de frete marítimo, mediante contratos plurianuais de transporte capazes de colocar armadores e carregadores a coberto de flutuações acentuadas na procura e oferta de fretes e das respetivas taxas, e constitua uma base de suporte aos investimentos em frota própria.
O apoio financeiro a armadores nacionais, através de linhas de crédito e de financiamentos, capazes de contribuir decisivamente para a renovação da nossa frota com recurso a estaleiros nacionais, em condições semelhantes às obtidas em estaleiros estrangeiros, cuja fonte de receita preferencial terá a sua sede na revisão e atualização das taxas de imposições marítimas gerais e não exclusivamente no Orçamento de Estado.
Porém, os carregadores continuaram a não dar preferência aos armadores/navios nacionais e nada mudou.
O mercado funciona, e bem, livre e liberal, com as suas vantagens e desvantagens e há que saber viver, ou melhor, sobreviver com ambas.
Não é correta a referência da existência de uma guerra entre Carregadores e Armadores, visto não serem sequer concorrentes numa atividade para entrar numa guerra comercial, nem são inimigos.
São, sim, parceiros de negócio, dependendo a sua sobrevivência de ambos.
Talvez fosse bom pensarem melhor nisso e melhorar a comunicação e o diálogo.
JOÃO SOARES