Sempre que surge um aumento significativo dos preços dos combustíveis espoleta-se de imediato uma contestação do setor dos transportes rodoviários de mercadorias, e não só, clamando por apoios do Estado para fazer face aos aumentos dos custos de operação que estão a ter, como se o Estado pudesse, com um toque sublimar de magia, resolver o problema.
O que o Estado poderá sempre fazer, tal como já o anunciou, é reduzir o ISP e o IVA dos combustíveis, se o deixarem, de forma a ganhar o mesmo valor por litro que ganhava antes dos aumentos, e não ser mais um fator de agravamento do preço, pois, como todos bem sabemos, quando atestamos os depósitos dos nossos veículos, cerca de 43% do que pagamos são impostos, algo que a fatura de cada fornecimento bem demonstra.
Mesmo com este tipo de medidas os custos do combustível serão sempre inevitavelmente mais altos, mas como qualquer outro aumento dos custos de produção terá de ser incorporado no valor do serviço ou do produto, como qualquer bom gestor sabe que tem de fazer.
É claro e evidente que, no final, lá nos aparecerá no valor de todos os produtos, porque nenhum deles se materializa nas prateleiras dos supermercados ou nas nossas casas. Nós, os consumidores finais, somos os que sempre suportam todos esses custos.
Qual será a alternativa?
Será que o Estado apoiando as empresas financeiramente conseguiria evitar esses aumentos de preços?
Temos já alguns exemplos, como em Espanha que deu mais de mil milhões de Euros ao transporte rodoviário, e a França que deu 400 milhões (fonte: T&N).
Os transportadores rodoviários já anteriormente passaram por este tipo de problemas e geriram bem a situação, criando sobretaxas de combustível indexadas aos preços do gasóleo, devendo agora proceder da mesma maneira…
Se há quem assim pensa revela esquecer que o Estado somos todos nós e que o dinheiro que o Estado usa não vem de uma máquina que produz notas a seu belo prazer, mas sim dos nossos impostos, os quais são geridos por um Governo, eleito democraticamente para o efeito, para que o faça utilizando esses recursos da melhor maneira possível.
Por isso, a questão resume-se em optar por pagarmos esse aumento de custos através dos impostos diretos ou através dos aumentos dos custos dos produtos, os quais, como estão sujeitos a IVA, vão ainda gerar mais impostos indiretos para o Estado.
Os transportadores rodoviários já anteriormente passaram por este tipo de problemas e geriram bem a situação, criando sobretaxas de combustível indexadas aos preços do gasóleo, devendo agora proceder da mesma maneira, pois seremos sempre todos nós, consumidores, a pagar o custo real dos serviços que nos são prestados, direta ou indiretamente.
Desde sempre que os transportadores marítimos usam essas sobretaxas (BAF – Bunkers Adjustment Factor) para fazer face às flutuações dos custos do combustível, que são uma parte substancial dos seus custos de operação e que chegaram a duplicar entre Dezembro de 2021 e Fevereiro de 2022.
Imaginem se cada vez que houvesse um aumento do preço dos combustíveis usados nos navios, o que acontece frequentemente e de forma significativa (ver mapa em baixo), os armadores parassem os mesmos e fizessem bloqueios nos portos para pressionarem serem apoiados financeiramente pelos seus estados de bandeira para fazer face a esses aumentos?
Nada disso acontece. Os armadores limitam-se a alterar o BAF e o custo total do transporte marítimo fica mais caro, sendo o cliente final a pagar esse aumento, pois o produto ou a matéria-prima transportada chegará certamente mais caro ao seu destino. Isso chama-se o mercado a funcionar e não existe nenhum truque de magia nem mágicos com boas intenções que consigam outra solução para o problema. Vamos ter de pagar. Direta ou indiretamente.
VLSFO – Very Low Sulphur Fuel Oil
Fonte: Ship&Bunker
Talvez seja uma boa altura para o novo Governo pensar em investir mais em Investigação e Desenvolvimento, já que vamos ter uma das nossas grandes investigadoras à frente do Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, aproveitando a oportunidade para desenvolver outras fontes de energia que não sejam com base nos combustíveis fósseis e cujo preço seja não só inferior, mas também mais estável. Nisso é que os nossos impostos, ou pelo menos parte deles, seriam muito bem empregues.
Quanto a não termos nenhum Ministério ou Secretaria de Estado, diretamente responsável pelos transportes e logística, não constitui qualquer espanto ou novidade, traduzindo-se simplesmente num “realismo fantástico”, pois há muito que tal se vem a sentir, pelos vários sinais que se têm vindo a verificar e que são tantos que seria extenuante estar a enumerá-los.
Para além disso, nunca se esqueçam da velha máxima “o facto de não haver uma política (para uma determinada área) é em si uma política”.
Agora só teremos de ficar a aguardar “O Despertar dos Mágicos”.
[i] “O Despertar dos Mágicos” é um livro escrito em 1960 por Louis Pauwels e Jacques Bergier, segundo os autores uma introdução ao realismo fantástico.
JOÃO SOARES
Simplesmente excelente. João, um grande abraço
Muito honestamente gostava que me informasse onde neste pais se abastece combustível com uma carga de impostos inferior a 60% pois também lá quero ir abastecer. Quando opinamos sobre uma matéria será bom sermos abrangentes não podendo ficar “agarrados” a um interesse setorial esquecendo (distorcendo ) a realidade global do Pais, pois cidadãos somos todos! Quanto ao Estado não é o que poderá fazer, mas sim o que já devia ter feiro! É escandaloso o aumento da receita fiscal como resultado do aumento dos preços de combustível, portanto dá “jeito” ao Estado não fazer, escondendo-se debaixo da capa na UE! Que tal fazer como a Polónia já fez?
A pedido, aqui ficam os valores que serviram de base ao artigo em que se menciona “cerca de 43% do que pagamos são impostos”, dizendo respeito a abastecimentos realizados na Galp entre 23 e 25 de Março.
No abastecimento de 29 de Março, realizado numa bomba da Auchan, nota-se uma descida do ISP de €0,479/Lt para €0,309/Lt passando o impacto dos impostos (IVA + ISP) de 43% para 34%, mas este valor não era ainda do meu conhecimento na altura da elaboração do artigo.
De salientar ainda que quando se fala de transporte rodoviário de mercadorias o IVA é dedutivel pelas empresas, sendo o consumidor final a pagar o mesmo como parte do custo do transporte que esteja incluído no preço final dos produtos que todos adquirimos.
Agradeço a sua atenção em relação à minha observação que volto a dizer continua a não a invalidar o pois não me refiro ao transporte de mercadorias ou de passageiros mas sim ao particular cujo volume de tráfego supera nas cidades os valores pré pandemia. Aliás está mais que demonstrado o forte arrecadar de receitas fiscais pelo governo com a inflação. Por outro lado, a sua resposta vem num momento em que o IVoucher já está sob investigação e a baixa do ISP não se está a refletir no valor do preço bomba o que significa que mesmo que haja um ajustamento da margem a receita fiscal está sempre garantida pelo IVA e em prejuízo do consumidor.
Compreendo igualmente a sua posição em relação aos seus interesses no sector que defende. Legitimo! mas inadequado para o combate político oportunista às receitas fiscais deste governo. Se assim não for explique porque continuamos a ter diferença em relação e Espanha e maioria dos países europeus. Por fim gostava que respondesse à minha observação sobre a Polónia!
Grande abraço, caro amigo João Soares.
Muitos parabéns pelo texto! Bem fundamentado, muito bem escrito e com todo o sentido de oportunidade!
É o “mercado” a funcionar, mesmo com as sempre inevitáveis e lamentáveis “distorções”!
Continue!. Abraço
Monteiro da Rocha