Será chegado o momento de começar a falar sobre tarifas?
O tema das tarifas recíprocas norte-americanas saiu do ciclo noticioso e do ritmo de opiniões e debates atropelados sobre o fim do comércio internacional e respectivo fim do mundo. Poderá ser, então, agora a altura para começar a falar delas e do que podem significar.
Tarifas são impostos sobre bens importados e, tal como qualquer encargo aduaneiro, sujeitos ao princípio do tratamento da nação mais favorável (NMF), ou seja, o princípio previsto nos tratados da Organização Mundial de Comércio de que se um país membro concede uma vantagem comercial a outro membro, essa mesma vantagem deve ser automaticamente garantida a todos os outros estados membros da OMC. Trata-se de um princípio de não discriminação no comércio internacional.
Adicionalmente, os membros da OMC podem, embora a isso não sejam obrigados, determinar valores máximos tarifários a aplicar.
Naturalmente, a política actual norte-americana em nada cumpre com os seus compromissos assumidos ao abrigo da OMC, pese os Estados Unidos da América serem parte da OMC.
Por outro lado, não sendo economista, vi-me obrigado a recorrer aos livros de economia em casa para compreender melhor o que se pode ganhar com tarifas. Para o efeito, recorri ao livro “Principles of Economics”, de Ruffin e Gregory. Concretamente, página 350 e seguintes. Em resumo, o ganho em tarifas pelo governo jamais é compensado pelo aumento de receita fiscal e custo para os consumidores. Seguindo Ruffin e Gregory (e certamente outros) e resumindo o
capítulo, tarifas são más para o comércio. Já que a ideia parece ir de encontro ao entendimento geral do tema e, em especial, à visão de Wall Street, aceitei as conclusões de que as tarifas são más para o comércio e para a economia.
Mesmo tarifas sobre produtos vão acabar por perturbar o comércio internacional de serviços, como o transporte aéreo, tanto pela via do aumento do preço do equipamento como pela quebra de poder de compra resultante do encarecimento de produtos pela resultante espiral inflacionária que pode não ser acompanhada de crescimento económico.
Sigamos, então, em frente. A questão seguinte é:
Sendo as tarifas más e uma violação dos acordos da OMC, por que haveria um país de aprovar a criação de tarifas, para mais de forma tão desproporcionada?
Primeiro, cada Estado tem um conjunto de preferências que inquinam a sua avaliação de custos e benefícios. Um governo pode considerar que as preocupações políticas domésticas e as respectivas políticas distributivas justificam o dano económico causado pelas tarifas.
Esta parece ser uma boa hipótese. Uma mistura de uma política de nostalgia (trazer a indústria de regresso aos Estados Unidos), com uma tentativa de gestão de um preocupante défice e uma tentativa de impedir a ultrapassagem pela China como principal potência económica mundial são argumentos condizentes com a política internacional norte-americana.
Sendo as tarifas más e uma violação dos acordos da OMC, por que haveria um país de aprovar a criação de tarifas, para mais de forma tão desproporcionada?
…o porquê pode ser uma combinação de vários elementos. Uma política de nostalgia, um combate à dívida pública, uma tentativa de impedir a ultrapassagem pela China ou, porque não?, uma irresponsabilidade.
Por outro lado, quando a economia de um país é suficientemente relevante na importação de um determinado bem, a decisão de aplicação de uma tarifa na importação pode baixar o preço desse bem. Isto resulta porque a quebra de procura do bem tarifado pode reduzir o valor total de procura do bem no mercado mundial, com o consequente aumento de disponibilidade desse bem o que, por sua vez, conduz à descida do preço. Em resultado, os termos de troca dos
países importadores melhoram, pois conseguem aumentar a sua aquisição total de bens por um valor inferior, causando uma externalidade negativa nos estados exportadores, os quais precisam de exportar mais para poder financiar as suas importações em resultado da pioria dos seus termos de troca.
Na medida em que as tarifas recíprocas variam entre Estados sob critérios mal justificados, nada nos garante que determinadas tarifas não visam, precisamente, melhorar os termos de troca entre os Estados Unidos da América e determinados Estados e em determinadas indústrias. Os termos de troca podem ser um elemento justificativo para as tarifas colocadas em relação a produtos importados a partir da China.
Terceiro, a imposição de tarifas é uma ferramenta escolhida entre outras alternativas. A imposição de quotas é uma prática difundida entre vários países do mundo que, ao determinar quotas de importação, quando não proibições de importação de determinados produtos, estão a aplicar medidas equivalentes de protecção. Ao menos no caso das tarifas não se criam situações de monopólio interno que incentivem uma produção doméstica ineficiente. Ao lado de
quotas, temos também os subsídios à produção, ou não produção de bens, que nos recordam a famosa PAC europeia, ou a aprovação de mecanismos de certificação artificiais que permitam impedir a importação de bens originários de países terceiros, criando situações de
limitação à concorrência semelhantes ao sistema de quotas.
Na aviação (porque convém também falar de aviação comercial), são conhecidas as criações de requisitos de certificação em determinadas peças, equipamentos que impedem a importação de bens fornecidos por fabricantes fora do espaço EASA ou, em termos semelhantes, barreiras ao reconhecimento de certificação técnica de profissionais oriundos de jurisdições terceiras. Todas estas práticas são, com maior ou menor vigor, combatidas pela OMC, porém, subsistem em várias economias de forma mais ou menos clara. Veja-se, para o efeito, o artigo XI do Acordo GATT sobre práticas de restrição quantitativas, ou o artigo XVI
referente a subsídios.
De facto, o porquê pode ser uma combinação de vários elementos. Uma política de nostalgia, um combate à dívida pública, uma tentativa de impedir a ultrapassagem pela China ou, porque não?, uma irresponsabilidade.
Por outro lado, aliado ao enquadramento da decisão política, é importante considerar a capacidade de implementação de uma política. Como várias vezes defendi neste espaço, a dependência de trajetória de uma decisão política tem sempre de ser contabilizada. Ou seja, existe uma diferença assinalável entre a intenção de implementação de uma política radical em relação ao quadro existente e o que é efectivamente aplicado. Da mesma forma que as políticas liberais de Thatcher e Nixon não foram implementadas no grau pretendido, também a presente administração norte-americana começou a vacilar na implementação da nova política tarifária.
Recorde-se que, após a sua apresentação, o executivo norte-americano disse publicamente que não alteraria a política aprovada, para de imediato aprovar uma pausa de 90 dias com exclusão da China. Posteriormente, estas tarifas foram descritas como condicionadas pela existência, ou não, de acordos de comércio, acordos esses que seriam assinados nos ditos 90 dias de pausa, o que é altamente improvável à presente data. Some-se agora o que poderá ser o efeito político de prateleiras vazias. Entre a aprovação das medidas e o fim dos stocks de produtos disponíveis, decorre sempre um lapso de tempo muitas vezes não
contabilizado numa sociedade que troca informação em horas. Se, por um lado, os dados da economia norte-americana demonstram um aumento das aquisições em aproveitamento da pausa de tarifas, trata-se do adiar de um problema e não da sua solução. Igualmente o mercado bolsista norte-americano começa a marcar passo à medida que o termo da pausa aprovada se aproxima e as nuvens de recessão se adensam.
Ora, neste quadro de implementação, é impossível olhar para qualquer previsão com credibilidade. Não sei, como ninguém sabe, indicar o que acontecerá no futuro. Adivinhar a tarifa aplicada a um determinado produto daqui a seis meses é da mesma futurologia que adivinhar taxas de juros a dez anos.
O que, contudo, deve ser incluído nas previsões de evolução de qualquer indústria, incluindo a indústria de transporte aéreo, é o regresso do isolacionismo norte-americano oposto ao que tem sido o ritmo da política económica internacional após a segunda guerra mundial.
O que igualmente parece inevitável, é um novo paradigma norte-americano. Com a criação de medidas limitativas ao comércio livre, os Estados Unidos da América aproximam a sua política económica das infelizes políticas de outros estados onde o mercado é determinado por um conjunto de oligarcas económicos. Com uma regulamentação complexa e elevada vem a ineficiência e a corrupção. Vêm as isenções e regime preferenciais, sejam baseados em
países, indústrias ou produtos. Vêm decisões económicas baseadas em relações e donativos de campanhas, com um aumento da desigualdade entre concorrentes e a penalização dos que defendem visões políticas diferentes.
Infelizmente, como Portugueses, conhecemos demasiadamente bem o perigo da promiscuidade entre relações de negócios e política, como também conhecemos o dano que oligarquias informais causam no desenvolvimento da economia de um país. Conhecemos suficientemente bem o afastamento, de forma clara ou marginal, da lei quando esta parece inconveniente. Quando assim é na principal economia do mundo, será impossível não nos preocuparmos com as mudanças profundas do quadro internacional.
O resto é o sabor do momento.
FRANCISCO ALVES DIAS
Advogado Especializado em Direito Aéreo e Espacial