O futuro dos navios da marinha de comércio foi o tema principal do primeiro painel do terceiro dia da PORTO MARITIME WEEK, do TRANSPORTES & NEGÓCIOS.
Numa sessão moderada por Rui Raposo, presidente da Associação de Armadores da Marinha de Comércio, foram oradores Pedro Frazão, do Grupo Sousa, António Oliveira, da S&C (Grupo ETE), Hugo Bastos, da Mystic Cruises, e Marco Costa, da West Sea.
As questões ambientais estão a exercer uma pressão enorme no sector do transporte marítimo. As directivas, regulamentos e decisões levadas a cabo pela IMO e pela União Europeia no sentido de tornar o shipping mais limpo e amigo do ambiente são uma constante nos últimos anos e podem vir a agravar-se, com o objectivo de fazer cumprir as metas estabelecidas para a descarbonização do sector, nomeadamente chegar a 2050 com emissões zero. Por outro lado, a falta de alternativas, ao nível dos “novos” combustíveis, está a preocupar toda a comunidade marítima, levando a incertezas sobre qual será o futuro do sector.
Para Pedro Frazão, do Grupo Sousa, “não sabemos qual a resposta sobre o que temos de fazer ou o que vai acontecer. A questão é saber como é que vai mudar. E para isso não temos resposta. Esta é uma actividade centrada nos navios e estes emitem emissões poluentes não só para a atmosfera como também para o meio marinho. É facto que nas últimas décadas o sector tem sido premiado com um conjunto de normas progressivamente mais exigentes com o objectivo de tornar este modo de transporte menos poluente. A última reunião do Comité de Ambiente da IMO adoptou outras normas relativas aos índices de eficiência energética dos navios existentes, para navios de construções futuras e uns determinados indicadores das taxas de emissão de carbono. A União Europeia lançou muito recentemente o “FIT for 55”, [n.r – conjunto de propostas legislativas que visa assegurar que a União Europeia cumpre a meta de redução de 55% das emissões líquidas de gases com efeito de estufa até 2030, face ao ano de 1990], um pack que tem 13 medidas legislativas, das quais seis aplicam-se directa ou indirectamente ao shipping. Significa que temos de olhar com muito cuidado para estas normas e fazer uma avaliação sobre o impacto que estas medidas terão no sector”.
Segundo o administrador do armador madeirense, “há largos anos que o shipping está imerso num enorme processo de transição energética e ambiental e a questão é saber como a indústria vai implementar um sistema e um programa de fitness para colocar os navios em condições de dar resposta aos requisitos progressivamente mais exigentes em termos ambientais. Este é o grande desafio que temos entre mãos. Além disso, também sabemos que existe um risco latente sobre os investimentos que venham a ser tomados”. Por outro lado, lembrou Pedro Frazão, “em Novembro terá lugar a conferência do clima, o COP26, e eu anteciparia que vão ter de ser tomadas decisões porque muito vai ter de mudar. E o mais importante é saber como se vai casar o nível de aspiração ambiental da IMO com o da União Europeia, quando sabemos que a UE tenciona alargar ao shipping e à indústria aeronáutica as taxas de emissões, privilegiando o princípio do poluidor-pagador. Como é que isso vai ajudar a caminharmos para zero carbono em 2050? Confesso que não vejo uma correlação para além da penalização que nos leve nesse caminho”.
De acordo com Pedro Frazão, “o que está por resolver é uma questão tecnológica e de disponibilidade dos novos combustíveis. Estamos numa situação muito difícil que é de incerteza regulatória e não existem soluções para fazer face à urgência em descarbonizar ao ritmo e metas definidas. Não temos dúvidas que o sector marítimo e o shipping vão ter de estar do lado da solução, mas como vamos cumprir as metas ambientais com a tecnologia de que hoje dispomos e a que está em preparação para os próximos anos?“.
António Oliveira, do Grupo ETE, concordou com o seu colega de painel e adiantou que “até 2020 todos estivemos muito focados na questão das emissões de enxofre, quando na verdade todos os armadores já sabiam que o grande desafio eram as emissões de CO2. E percebemos que todos os players do sector vão ter de se unir para cumprir metas e pensando na frota nacional e mundial, há toda uma incerteza que existe à volta dos combustíveis do futuro. Estamos naquele ponto em que não sabemos o que vai aparecer primeiro, se o combustível ou a infr-aestrutura”. O diretor de operações da S&C realçou que no Grupo ETE, “temos vindo a procurar soluções que satisfaçam as necessidades dos clientes e que essas sejam inovadoras e integradas num conceito que respeita estes regulamentos europeus e internacionais e que limitam o futuro da frota existente. Há dados que nos mostram que uma propulsão elétrica em curtas distâncias é eficiente. Já em distâncias maiores temos sempre o handicap do armazenamento de energia, e aí podem existir outras soluções. O LNG que nos parecia e continua a ser um dos combustíveis de transição pode ser uma solução. Será um mix de soluções que vai dar capacidade aos armadores de cumprirem as metas que serão impostas. Penso que a curto médio prazo esta será a melhor solução porque o LNG tem a capacidade de podermos reduzir as emissões de CO2 em 30%”.
Mesmo assim, salientou António Oliveira, “com todas estas regras e incertezas corremos o risco de hoje investirmos num navio que em 2030 já não estará adequado ao mercado. O mercado vai acelerar a tecnologia e já sabemos que as tecnologias do hidrogénio e do amoníaco estão a ser exploradas como combustíveis limpos. Com todas as limitações e regras existentes e que estão a ser preparadas, penso que estamos a caminhar para limitar a utilização dos navios existentes”
Hugo Bastos, director da Mystic Cruise, disse que “há uma forte pressão sobre estas questões do ambiente e na semana passada fomos surpreendidos com uma má notícia. Parece que agora também se fazem ratings para os navios e percebi que a nossa frota tinha sido metida num rating em que estamos na zona mais negra possível. Quem faz este rating nem teve a preocupação de saber que temos navios tecnologicamente evoluídos que cumprem e vão mais além do que está definido pela legislação”.
Falando sobre a frota da Mystic Cruise, Hugo Bastos avançou que “quando comecei a trabalhar na questão dos navios eléctricos, para frotas de rio, apercebi-me que o preço das baterias andava à volta dos 13 milhões de euros. Se pensarmos que um navio-hotel tem um custo de cerca de 12 milhões… Hoje em dia, as mesmas baterias já têm um preço de 3 a 4 milhões de euros. Portanto, a tecnologia evoluiu e o preço baixou. Em 2013 lançámos um projecto que já nos permite ter um posto para ligar os navios quando estes estão atracados, permitindo desligar os geradores. E em V.N. Gaia, temos a possibilidade de ter seis navios nessa condição”. No entanto, Hugo Bastos disse que falta ainda fazer muita coisa ao nível das infraestruturas de terra.
Já Marco Costa, da West Sea, de Viana do Castelo, abordou o tema da arquitectura naval e do melhoramento dos navios, mostrando que “é possível fazer mais e melhor neste aspecto. Mas temos de partir para outras tecnologias para cumprir com todos os requisitos ambientais. Há vários gabinetes e projectistas a trabalhar no melhoramento dos cascos, e provavelmente a última grande melhoria conhecida foi na pintura dos navios, com os silicones”.
“A evolução da construção naval vai continuar e é provável que siga o caminho da própria indústria automóvel, com baterias aplicáveis em curtos trajectos, talvez tenhamos kits de velas, e o LNG é uma solução que está pensada há mais de 20 anos e, sem dúvida, o hidrogénio possa vir a ser o futuro”, avançou Marco Costa.
Ainda a este propósito, o administrador da West Sea disse que ainda é cedo para se saber se a utilização dos chamados “novos” combustíveis levará à remodelação da construção do perfil dos navios, porque ainda faltam dar muitos passos nesse sentido, nomeadamente na questão do hidrogénio.
A propósito dos combustíveis, Hugo Bastos partilhou com a audiência que através da utilização do HVO (óleo vegetal hidrotratado), os navios da Mystic Cruise conseguiram reduzir as emissões em cerca de 80%, em relação ao diesel normal. Em relação ao hidrogénio, “estamos a trabalhar nesse sentido porque acreditamos que será o combustível do futuro”, disse.
Sobre o GNL, Pedro Frazão, disse que “não há dúvidas que o hidrogénio, o metanol e o amoníaco são o futuro, mas acredito que a aposta no gás natural tem vantagens neste momento. Pode ser um combustível de transição mas há três factos que contribuem para um possível sucesso de sobrevivência do gás natural. Em primeiro lugar, a tecnologia do gás natural está madura e já deu provas. Em segundo, as infra-estruturas e procedimentos que existem estão perfeitamente consolidados. Mas, mais importante, é que esta tecnologia de origem fóssil tem uns “irmãos” mais amigos do ambiente, que é o LGB, gás de origem biológica, e ainda existe o gás de origem sintética. E estas novas tecnologias podem perfeitamente utilizar as mesmas infra-estruturas e cadeias de abastecimento do LNG”.
António Oliveira, do Grupo ETE, também referiu que “as imposições regulamentares são para amanhã e essa situação não nos vai permitir amadurecer estas tecnologias (…) Os armadores vão ser forçados a tomar medidas mais radicais e que vão ter impacto no modelo actual de fornecimento de bens (…) ao mesmo tempo estamos a tomar medidas e a apostar na inovação para cumprir os requisitos mínimos exigidos pelas restrições impostas”.
“Mais do que perguntar sobre quais são os navios do futuro, importa questionar qual é o futuro dos navios”, desabafou Pedro Frazão, acrescentando que o Grupo Sousa há muito que já concluiu que o chamado “retrofit” dos navios mais antigos é quase impossível de fazer, não se sabendo se actualmente é melhor ter navios mais velhos ou mais novos. “Quando construímos um navio para 25 ou 30 anos, fazemos as contas ao investimento, às amortizações, etc.. Explora-se os navios com a melhor taxa de ocupação possível para depois podermos rentabilizar os meios. Só que agora temos em pano de fundo estes requisitos ambientais e não temos a tecnologia. Portanto, há um desfasamento temporal entre o ciclo de vida operacional dos navios e o ciclo ambiental”, sublinhou.