A definição de um plano em torno da transição global para a green economy deve ser uma prioridade governamental, definindo-se uma política de fiscalidade verde, concreta e direcionada a todos os agentes económicos
A transição global para a green economy constitui um dos mais relevantes assuntos da atualidade. O debate e a definição de um plano de ação em torno deste desafio devem ser uma prioridade governamental, definindo-se uma política de fiscalidade verde, concreta e direcionada a todos os agentes económicos. O papel da fiscalidade verde não pode ser relativizado, sendo, indiscutivelmente, um meio para se alcançar uma solução integrada que vá ao encontro das metas definidas, a nível nacional e europeu, no âmbito da transição energética. No entanto, a conjuntura política mundial atual aliada à crise pandémica, face à iminência da crise económica à escala global, são entraves inevitáveis a tal desiderato.
A temática da fiscalidade verde não constitui uma novidade, mas tem atualidade que merece reflexão. Desde logo, em 2014, com o propósito de ajustar a política fiscal ao compromisso do crescimento verde, teve lugar a Reforma da Fiscalidade Verde, no âmbito da qual, e no que toca ao setor energético em particular, foram implementadas várias medidas como mecanismo de modelação de comportamentos mais sustentáveis através, designadamente, da taxa de carbono e do agravamento do ISV em função das emissões de CO2.
Por seu turno, foram, igualmente, adotadas medidas de incentivo à mobilidade elétrica através da aquisição de viaturas elétricas, híbridos plug-in, GPL e GNV, através do aumento dos montantes de depreciações aceites como gasto fiscal e pela ausência ou redução substancial das taxas de tributação autónoma relativamente aos custos inerentes a este tipo de veículos (em sede de IRC) e, bem assim, pela dedução do IVA na sua aquisição.
Do mesmo modo, também no plano da União Europeia, vêm, há muito, sendo envidados esforços no sentido da implementação do processo de descarbonização e de transição energética, tendo sido apresentados vários programas nesta matéria, nomeadamente, o pacote Energia Clima 2030, Mobilidade Limpa e Energia Limpa para todos os Europeus.
Neste contexto, Portugal procedeu à elaboração do Plano Nacional Integrado de Energia e Clima (PNEC) onde se encontram definidos os planos de ação nacional rumo à neutralidade carbónica para a próxima década. Sucede, porém, que, Portugal não procedeu, ainda, à transposição para o ordenamento jurídico nacional da Diretiva das Energias Renováveis (aprovada em 2018) que, por certo, iria potenciar a harmonização de soluções adotadas entre os Estados-Membros no cumprimento da meta de redução carbónica.
Apesar do mérito das soluções propostas a nível nacional e europeu, certo é que, como já vem assinalando a Associação Portuguesa de Energias Renováveis (APREN), o atual quadro fiscal português não permite, na prática, uma concretização do processo de neutralidade carbónica que se pretende alcançar, pelo menos junto das empresas, dado não consagrar incentivos suficientemente capazes de fazer face àquilo que são os desafios energéticos constantes do PNEC.
…a implementação do processo de descarbonização e de transição energética e as politicas fiscais subjacentes carecem, em face da atual conjuntura e da sua imprevisibilidade no tempo, de ser reajustados…
Além disso, do relatório que acompanhada a proposta do Orçamento de Estado para 2022, não parece resultar um conjunto de medidas inovadoras que permitam levar a efeito um tão ambicioso projeto e, concomitantemente, fazer face às acrescidas dificuldades que se fazem sentir, nomeadamente no contexto económico e social, decorrentes da crise pandémica ainda vigente e do recente conflito de guerra na Ucrânia. Com efeito, deste relatório a tónica parece continuar a incidir sobre uma política de fiscalidade verde que permita uma aposta nas energias renováveis e mobilidade limpa através, em grande medida, do abandono dos combustíveis fósseis.
No entanto, pese embora se pretenda modelar comportamentos neste sentido, nomeadamente, através do aumento da carga tributária sobre o uso dos combustíveis fósseis, certo é que a atual conjuntura não se afigura favorável a tal pretensão, considerando que os índices de crescimento da atividade económica foram, novamente, agravados por força das sanções impostas pela União Europeia à Rússia, no contexto do conflito de guerra que se vive na Ucrânia, o que agravou a inflação a nível mundial, dado o aumento do custo dos combustíveis, do transporte de bens e da subida de preços.
Acresce que, se uma das prioridades do programa de crescimento verde se materializa na mobilidade elétrica, existem outras medidas de fiscalidade verde que poderão ser incrementadas, para além das já enunciadas acima e do próprio aumento da carga tributária sobre os combustíveis fósseis. Por exemplo, considerando o recente estudo elaborado pela Deloitte e pela APREN, poder-se-á atribuir às empresas e particulares deduções em sede de IRC e IRS, justamente, para incentivar a aquisição de veículos elétricos.
Mais: não fazendo operar um aumento de tributação sobre os combustíveis fosseis, evitar-se-á, ainda, o esmagamento das atividades económicas mais dependentes deste tipo de energias, pelo menos, enquanto a atual conjuntura persistir.
Ante o exposto, resulta evidente que a implementação do processo de descarbonização e de transição energética e as politicas fiscais subjacentes carecem, em face da atual conjuntura e da sua imprevisibilidade no tempo, de ser reajustados pelos Estados-Membros em concertação conjunta, com particular cautela no que se refere à imediata sobre tributação dos combustíveis fósseis, impondo-se considerar outras alternativas que, embora não conduzam ao mesmo resultado, favoreçam a transição energética que parece, inevitável e infelizmente, adiada.
LUÍSA CAMPOS FERREIRA
Sócia da JPAB – José Pedro Aguiar-Branco Advogados
Coordenadora da Área Fiscal
Muito Bom. Parabéns Drª Luisa.