O Mar Vermelho, palco de inúmeras interações históricas e comerciais, emerge como uma peça central no tabuleiro geopolítico global. Em particular, o controle do Canal de Suez, uma artéria crucial que une o Mar Vermelho ao Mediterrâneo, estabelece um palco onde interesses regionais e globais convergem e se entrelaçam. Neste artigo procuraremos dar uma perspetiva crítica sobre as dinâmicas complexas que circundam essa região e seus impactos nas relações internacionais.
Enquadramento histórico
Desde a antiguidade, o Mar Vermelho serviu como uma via de comércio vital, ligando o Oriente Médio, África e Ásia. O Canal de Suez, inaugurado em 1869, transformou-se em um ponto estratégico determinante, encurtando as rotas marítimas e redefinindo o panorama comercial global. No entanto, sua importância transcende o aspeto económico, influenciando diretamente as narrativas geopolíticas.
O Egito, ao controlar o Canal desde sua nacionalização em 1956, consolidou uma posição de poder e influência. Essa jurisdição lhe confere não apenas controle logístico, mas também uma ferramenta diplomática de peso, permitindo a Cairo exercer pressão e influenciar as dinâmicas regionais e internacionais. Verificam-se, no entanto, alguns desafios.
Dinâmicas Regionais e Globais
A região do Mar Vermelho é um terreno fértil para rivalidades e disputas entre atores regionais. As tensões entre Arábia Saudita e o Irão, por exemplo, encontram uma dimensão naval nesse cenário.
Ambos os países têm investido em infraestruturas militares ao longo das costas do Mar Vermelho, buscando estabelecer bases navais estratégicas que refletem suas ambições geopolíticas na região.
A competição pelo controle e influência no Mar Vermelho não é exclusiva de atores regionais. Potências globais, como Estados Unidos, China e Rússia, acompanham atentamente as dinâmicas da região, buscando proteger seus interesses económicos e estratégicos.
Rotas Marítimas
As rotas marítimas que passam pelo Canal de Suez são vitais para o comércio internacional e qualquer interrupção pode ter implicações significativas na economia global.
O recente bloqueio do Canal de Suez, em março de 2021, quando o navio “Ever Given” encalhou, obstruindo a passagem no canal, destacou a vulnerabilidade dessa rota e a necessidade de medidas para evitar futuros contratempos. Esse mesmo incidente também reacendeu discussões sobre a possibilidade de diversificar rotas e investir em infraestrutura alternativa para reduzir a dependência exclusiva do Canal de Suez.
Nas últimas semanas vimos a crescente tensão no Iémen, onde os rebeldes Houtis fizeram mais de 70 ataques contra navios no canal de Suez. Algumas das maiores empresas de carga e petróleo (como a Maersk, a Evergreen e a petrolífera BP por exemplo), viram-se obrigadas a suspender a navegação pelo canal de Suez, o que poderá criar uma oscilação na cadeia de suplementos mundial.
Os Estados Unidos e outros países ocidentais estão em negociações com líderes do Oriente Médio para tentar conter a ameaça dos Houtis, mas sem resultados práticos até o momento.
A deslocação dos navios da Rota associada ao Canal do Suez para a Rota do Cabo aumenta a relevância e traz importantes desafios para a Costa Ocidental Africana e, por inerência, para os principais portos de Angola.
O setor de logística, que já viveu um momento de crise durante a pandemia, com a escassez de contentores, mão-de-obra portuária e congestionamento portuário, que determinaram a disrupção das cadeias de abastecimento globais, com enormes atrasos na entrega de mercadorias e peças e dificuldade em assegurar os modelos “just-in-time” (níveis de inventário muito reduzidos), vê-se agora, novamente, afetado pela necessidade de aumentar os “transit times” da entrega das mercadorias, em função do aumento da distância decorrente da substituição do canal do Suez pela Rota do Cabo.
Sugestões e Recomendações
Dentro dessa complexidade de fatores, propomos uma série de recomendações para uma melhor interação entre os diversos atores e consequente integração de diferentes interesses:
- Apelamos a uma maior cooperação entre os países da região do Mar Vermelho para abordar desafios comuns. Isso pode incluir acordos de segurança, compartilhamento de inteligência e exercícios conjuntos para fortalecer a estabilidade na área;
- Sugerimos que os países envolvidos invistam em tecnologia avançada para melhorar a segurança marítima. Isso pode envolver a implementação de sistemas de vigilância modernos, tecnologia de comunicação eficiente e o uso de inovações como a inteligência artificial para monitoramento e prevenção de ameaças; estabilidade na área;
- Encorajamos os países da região a se envolverem ativamente em iniciativas internacionais voltadas para a segurança marítima. Isso pode incluir a colaboração com organizações como a ONU, a IMO (Organização Marítima Internacional) e outras entidades que promovem padrões e regulamentações para segurança e prevenção de pirataria;
- Recomendamos a exploração de alternativas e rotas adicionais para reduzir a dependência exclusiva do Canal de Suez. Isso pode incluir o desenvolvimento de infraestrutura adicional, que ofereça opções em caso de bloqueios temporários ou interrupções;
- Necessidade de evidenciar esforços de cooperação regional, com base nas proximidades diplomáticas entre os principais atores da região.
Em síntese, o Mar Vermelho e o Canal de Suez permanecem como elementos-chave no panorama geopolítico mundial. E essas dinâmicas complexas entre atores regionais e globais, aliadas à importância estratégica da região para o comércio internacional, tornam imperativa uma análise contínua e a busca por soluções colaborativas que garantam a estabilidade e a segurança dessa via vital para o progresso global.
Implicações sobre o sistema Marítimo-Portuário Angolano
Para um bom gestor portuário, uma ameaça é sempre uma potencial oportunidade de negócio.
A deslocação dos navios da Rota associada ao Canal do Suez para a Rota do Cabo aumenta a relevância e traz importantes desafios para a Costa Ocidental Africana e, por inerência, para os principais portos de Angola.
Desde simples operações de “bunkering” dos navios, abastecimento do “hinterland” terreste dos países “encravados” (sem ligação ao mar), até complexos sistemas de “hub&spoke” (baldeação de carga), múltiplos desafios se afiguram ao Sistema Marítimo-Portuário Angolano. Essas atividades, tradicionalmente desenvolvidas nos portos “hub” do Mediterrâneo, serão transferidas para novos portos ao longo da Rota do Cabo.
Angola, estará, certamente, à altura de dar resposta à difícil realidade geopolítica em que nos encontramos.
Consultor Marítimo e Portuário
Agência Marítima Nacional de Angola