Se pensarmos que um paradigma é o conjunto dos termos ou elementos que podem ocorrer na mesma estrutura, nada faz mais sentido do que o que vamos tentar apresentar; ou seja, se olharmos para a estrutura da rede ferroviária nacional atual, tudo isto faz mesmo muito sentido, e talvez devêssemos adicionar mais I’s, o do investimento e o da inclusão, e no final tudo se interliga.
Hoje há pessoas que falam de ferrovia sem nunca terem notado que a mesma existia em Portuga há pelo menos 160 anos.
Depois temos pessoas que dizem: há os que dizem, deixa dizer – se falam deixem que falem – se julgam deixem que julguem. Claro que todos temos direito à opinião, mas o fundamental é que todos saibamos até onde isto nos pode levar, sabendo e acreditando que todas as opiniões são válidas, pertinentes e até plausíveis de contestação. No final, temos de ser capazes de escolher o melhor para o País e não apenas para alguns.
O Ministro Pedro Nuno Santos reconhece que ainda hoje não há um Plano Ferroviário Nacional: “Não temos este plano, é uma falha, um dos muitos problemas, e queremos resolvê-lo. É um instrumento que permite planear de forma mais integrada a rede ferroviária que queremos ter“. E ainda: “Após vários anos os sucessivos Governos desistiram de investir na ferrovia. E a ferrovia é dos melhores meios de transporte ao dispor das populações”, disse, referindo que, “… infelizmente, o país achou que era o meio de transporte do passado”, mas queria alargar o hinterland de Portugal, queria ser mais sustentável ambientalmente e queria cumprir as metas do Livro Branco da UE. Ora isto só seria possível se tivéssemos sido coerentes, entre o pensamento e a ação e entre o ter dinheiro e não ter. Aparentemente vamos ter dinheiro para fazer isto, mas será que apenas precisamos de ser corajosos, ou teremos de ser aventureiros? Pois, julgo que o maior problema é voltarmos a ser aventureiros em vez de corajosos.
Apenas corajosos porquê? Porque não devemos responder assertivamente a tudo o que nos é exigido em nome de uma politica populista, mas corajosos em encetar apenas as medidas estratégicas, que vão levar tempo a concretizar e que por isso mesmo vão obrigar a mais inclusão e integração de pensamentos e de cedências.
Estarão seguramente lembrados do Portugal Logístico de 2006? Contemplava 8 plataformas logísticas, num ápice passámos a 16 e o resultado é o que ainda hoje está à vista. Aparentemente estamos a caminhar no mesmo sentido: o Governo anuncia uma obra (apenas de modernização, o que já é muito) e logo se levantam vozes a dizer que também querem ligações ferroviárias, ou seja, agora tudo se quer ligar por via ferroviária, quando nas últimas 3 décadas ninguém queria ouvir falar de comboios e apenas e só de estradas. Houve até regiões que se apressaram a levantar linhas e a inutilizar estações para construir estradas e rotundas. Apetece perguntar: que ligação ferroviária tem o aeroporto de Beja e que ligações foram construídas para os portos de Lisboa e Leixões? Pois é! Percebo que seja difícil ler ou ouvir, mas viver esta realidade foi muito mais complicado.
o Governo anuncia uma obra (apenas de modernização, o que já é muito) e logo se levantam vozes a dizer que também querem ligações ferroviárias, ou seja, agora tudo se quer ligar por via ferroviária, quando nas últimas 3 décadas ninguém queria ouvir falar de comboios e apenas e só de estradas.
Em determinado momento da nossa vida coletiva, até se identificaram de forma resumida as conexões do paradigma, e notem que os problemas já não eram poucos.
Já eram muitos e complicados e já aqui se tinham identificado os 3 I’s. Senão vejamos:
Quando falamos de Infraestruturas, falamos das Portuárias, Aeroportuárias, Rodoviárias, Ferroviárias e as Plataformas Logísticas – Portos Secos. Nestas continuamos com problemas, nomeadamente a eletrificação de vários troços, em particular a quebra do mito do “Muro Espanhol”, em definir o papel das mercadorias na futura (?) rede ferroviária portuguesa e a sua conectividade com a rede europeia e redefinir acessibilidades portuárias e aos grandes centros de produção/consumo.
Na Interoperabilidade, que visa garantir a capacidade de permitir a circulação segura e sem interrupção de circulações, cumprindo os níveis de desempenho exigidos, ou seja, condições regulamentares, técnicas e operacionais para satisfazer os requisitos essenciais e específicos que são transversais a todos os subsistemas, nomeadamente Fiabilidade, Disponibilidade, Manutenção e Segurança (RAMS); Proteção do Ambiente e Compatibilidade Técnica, e até a língua a falar. Acabar com o falso “mito “dos enlaces fronteiriços, uniformizar a rede ibérica de transporte ferroviário de mercadorias (regulamentação; procedimentos,…) e ainda definir um plano integrado (c/Espanha) no transporte de mercadorias.
O mais grave é que atualmente constata-se que na Rede Ferroviária Europeia, nos 27 Estados Membros existem:
- 23 Sistemas de Sinalização;
- 17 Sistemas de Rádio;
- 8 Tipos de pantógrafos;
- 5 Sistemas de tração;
- 3 Bitolas;
- Diferentes Sistemas de Segurança e Diferentes Gabarits:
- Um comboio que faça o trajeto de Paris (FR) – Bruxelas (BE) – Colónia (DE) – Amesterdão (NL) tem de estar equipado com 7 tipos diferentes de controlo, ainda que a BITOLA seja a mesma.
O que temos é de perceber muito bem o que realmente queremos. Compatibilizar a bitola ibérica com ligações em bitola UIC? Uma nova “rede” em bitola UIC que se conecta com a ibérica? onde e como? com que material? ou calcorrearmos mais uma nova aventura?
Na Intermodalidade realça-se a necessidade de potenciar eficazmente o hinterland ibérico, assumir a necessidade da vocação estratégica do transporte ferroviário de mercadorias, definir uma estratégia além Pirinéus e incrementar rapidamente as soluções Rodo-Ferroviárias sustentadas numa boa rede de Portos Secos que devem funcionar como pontos, ou nós, de agregação de fluxos de mercadorias, que permitem aproveitar as economias de escala associadas aos meios de transporte e reforçar a conectividade internacional.
Sabemos hoje que só uma boa interligação dos 3 I’s, permitirá mais coesão, através do reforço da conectividade dos territórios e da atividade económica, valorizando o capital natural, de mais competitividade e inovação, com a melhoria das condições estruturais do território nacional, conectividade transfronteiriça e de sustentabilidade, através da descarbonização da economia e da transição energética.
O que temos é de perceber muito bem o que realmente queremos. Compatibilizar a bitola ibérica com ligações em bitola UIC? Uma nova “rede” em bitola UIC que se conecta com a ibérica? onde e como? com que material? ou calcorrearmos mais uma nova aventura?
Que fique claro que os “atalhos” raramente promovem a transformação necessária para sustentar o objetivo desejado e é por isso que normalmente uma boa solução é uma combinação inteligente de técnicas que serão uma excelente “ferramenta” para que num momento, um país possa decidir pelo mais eficaz, quer em termos económicos, quer estratégicos. Como diz o “povo”. quem se mete por atalhos, mete-se em trabalhos.
ANTÓNIO NABO MARTINS
Especialista em ferrovia