“An analyst thinks about what is not being said but what is obvious. An analyst works inside the silences”
(Robert D. Kaplan, politólogo, escritor e cronista)
“As palavras corretas nem sempre são agradáveis
As palavras agradáveis geralmente não são corretas”
(Lao Tsé, filósofo)
[da Parte I]
Depois de um longo período de 40 anos a construir o sucesso, é óbvio que o Porto de Leixões, hoje, atravessa um período difícil. É óbvio que é desagradável dizê-lo. ….. Com muito esforço e com muito empenho, no fim da segunda Década deste novo Século XXI, Leixões era um porto reconhecidamente muito eficiente e muito eficaz, que dava gosto promover. Quais foram os fatores do seu sucesso e porque não funcionam agora, é o que vale a pena examinar atentamente. Falarei disso na Parte II. “O presente não é um passado em potência, ele é o momento da escolha e da ação” Simone de Beauvoir |
Liderança, Cooperação e Descentralização, os fatores de Sucesso do Porto de Leixões!
Durante a evolução do “Grande Ciclo da Produtividade e do Valor” (Fases Industrial e Logística dos Portos) o Porto de Leixões (PL) foi bem sucedido porque fez bem aquilo que era essencial fazer bem, no sentido de ganhar vantagem competitiva na mudança que, a nível mundial, se estava a operar nos portos. Em tudo o que era preciso mexer, o PL, corajosamente, mexeu, com êxito! O núcleo deste sucesso esteve, desde logo, na sua capacidade em agregar uma equipa qualificada de Pessoas que lhe permitiram fazer-se à estrada da mudança, sem hesitação. Eram Homens e Mulheres bem informados sobre o negócio portuário! Eram Homens e Mulheres focados em transformar Leixões num porto moderno e reconhecido pelo Mapa Portuário Mundial!
Eram Homens e Mulheres com vontade de cooperar!
Conseguiram!
Estávamos nos Anos 80 do Século XX quando o processo começou e nunca mais parou até meados da 2.ª Década deste Século XXI, altura em que o PL entrou na banda dos 19 milhões de toneladas de carga movimentada para, a partir daí, navegar em velocidade de cruzeiro durante o quadriénio 2015/2019, marcado por um crescimento modesto de aproximadamente 800 mil toneladas (762) no período, ou seja, 190 mil tons /ano, em média, contra 266 mil tons/ano nos 25 anos anteriores. Porém, nos últimos três anos, 20/21/22, Leixões perdeu carga, em todos, por razões que procurei elencar na Parte I deste artigo.
A equipa qualificada de Pessoas, a que me referi, estava enquadrada por uma liderança forte, de lideranças igualmente fortes, numa grande coesão em torno dos objetivos a prosseguir e com o talento reconhecido para os alcançar. Além disso, numa “Regra de Ouro” preciosa, cooperavam entre si, quer a nível pessoal quer a nível institucional.
A Associação para a Gestão da Mão de Obra Portuária, a GPL, a Associação das Empresas de Estiva, a AOPDL, a Comunidade Portuária de Leixões, os Consórcios de Empresas de Estiva para preparar os Concursos às Concessões dos Terminais Portuários, a Subcontratação de Serviços entre Empresas de Estiva, foram algumas formas bem sucedidas de cooperação entre Pessoas e entre Instituições. Os Setores Público e Privado dialogavam abertamente e cooperavam porque o Porto de Leixões tinha uma Missão e uma Visão do negócio para a conseguir, e, ambas, eram consensuais entre Todos.
O Estado Português compreendeu uma e outra e plasmou-as na Lei!
No Preâmbulo do Decreto Lei 298/93 sobre o Regime da Operação Portuária pode ler-se:
“Por outro lado, no âmbito de uma economia aberta e fortemente concorrencial em que nos inserimos, não é admissível que as empresas e o País continuem a suportar as ineficiências e os sobrecustos portuários, que oneram as importações e limitam a capacidade competitiva das exportações nacionais.” (sublinhado do autor)
Para o Porto de Leixões (PL) foi fácil interpretar, rigorosamente e sem angústia, este desígnio do Legislador porque o DLei acolhia a ambição do próprio porto, em ser moderno. Como consequência, de dentro dos seus Stakeholders brotou um núcleo de empreendedores, que agregava a liderança, tomou o processo em mãos e com a sua energia galvanizou o PL inteiramente, do Setor Privado ao Setor Público.
A reorganização do Trabalho Portuário foi um pilar estruturante e teve a participação empenhada dos interessados: Empregados, Empregadores e o Estado.
A Liderança e a Cooperação foram essenciais para o sucesso! Igualmente essencial foi a descentralização efetiva do processo da tomada de decisão subjacente ao desenvolvimento da ação. No local, isto é, em Leixões, havia poder, de facto!
Todavia, 40 anos depois, alguma turbulência voltou a este porto, que dá sinais claros de não estar a conseguir gerir a mudança de Ciclo, entre o “Grande Ciclo da Produtividade e do Valor”, o anterior, e o “Grande Ciclo do Digital e do Ambiente” (Fases Smart e Green dos Portos), o seguinte, e, portanto, parece estar em dificuldade para encontrar a porta do caminho que o levará ao futuro, com a mesma vitalidade com que o trouxe do passado.
O crescimento modesto do movimento de carga a partir de 2015 era já um sinal da dificuldade em gerir a mudança entre os Ciclos.
“Gerir hoje significa agarrar a mudança com as mãos antes que esta nos agarre pelo pescoço. Gerir as mudanças é algo que precisa de ser feito eficazmente …”. ensina John Adair (académico inglês e teórico de liderança)
Hoje, em Leixões, receio que seja a mudança que está a gerir o porto e não o porto que está a gerir a mudança.
Em Leixões, hoje, não se identifica uma liderança forte e não se sente uma cooperação empenhada! Além disso, o processo de tomada de decisão em questões de fundo está doentiamente centralizado, quer no domínio público quer no domínio privado, fora do porto e distante.
Há fragilidades que urge ultrapassar porque é o grande porto do Norte que está ameaçado, que se converteu “de porto de abrigo natural ….. no final do século XIX, numa gigantesca estrutura portuária artificial. Num dos mais dinâmicos locais onde a Europa encontra e abraça o Atlântico.” (Joel Cleto, historiador, em Porto de Leixões, Edição da APDL/1998)
Por isso, para compreender a situação difícil do Porto de Leixões vale a pena “visitar o passado para conhecer o presente”, continuando a citar John Adair.
- O passado de 40 anos
Foi animado por um movimento contínuo de mudança que se pode captar e analisar em três períodos distintos, mas coesos, onde cada um estava focado numa especificidade do contexto, determinante para acelerar o movimento.
O primeiro foi Reflexivo sobre o Modelo de Gestão do Setor Portuário Nacional e ocorreu durante a Década de 80 do Século passado.
O segundo foi Legislativo e tornou possível o resultado da Reflexão anterior e decorreu durante a Década de 90.
O terceiro foi Executivo e encontra na Reorganização do Trabalho Portuário e nas Concessões as suas mais fortes expressões que vêm a materializar-se, plenamente, já no Século XXI.
A partir daqui, no Setor Portuário Nacional, o Trabalho, o Equipamento e o Capital ficaram alinhados sob a mesma Organização e, assim, estavam criadas “as condições necessárias à modernização da indústria portuária, diminuindo os seus custos, e à existência de empresas correctamente dimensionadas e dotadas dos recursos humanos e materiais que lhes permitam enfrentar com sucesso as exigências do futuro.”, conforme também estabelece, no seu Preâmbulo, o Decreto Lei 298/93.
O Porto de Leixões liderou o processo! A cooperação foi essencial! O Porto de Leixões acreditou-se como um porto capaz de empreender a mudança. Por isso, os restantes portos aderiram, e o processo transformou-se num processo nacional e, deste modo, a fase Legislativa acabou por refletir o comprometimento do Estado na mudança, a qual ajudou a impulsionar.
Leixões, no início dos Anos 80, talvez fosse o porto mais debilitado do Setor Portuário Nacional, ainda estava a curar as feridas de uma greve recente, de cerca de um mês e, além disso, o seu perfil físico não o favorecia apesar da economia à sua volta, nas regiões que serve, o acarinhar.
Estas circunstâncias difíceis mobilizaram os Stakeholders para a iniciativa de mudança.
Despertar para a Mudança
Disse na Parte I que há uma convicção natural que o caos contém o germen da mudança! Sendo verdade, é necessário encontrá-lo! É necessário despertar para isso! Foi o que aconteceu no Porto de Leixões, nos Anos 80, que despertou para a mudança, depois de uma crise severa e encontrou o germen que haveria de frutificar, com excelentes resultados!
A semente germinou quando os Stakeholders (os Atores) tomaram consciência daquilo que o Mercado esperava do Porto de Leixões (PL), a eficiência e a eficácia das operações e, ainda, valor acrescentado pelo uso do porto, o que determinava que os velhos métodos e os antiquados processos tinham de acabar.
Neste novo contexto, estabeleceu-se no PL uma nova cultura portuária, assente na passagem de valor dos Stockholders para os Stakeholders. Estabeleceu-se uma nova política de “pricing”, substituindo o “cost plus” pela “tarifa”, e avançou-se com o investimento adequado à substantiva melhoria da produtividade da operação e ao acréscimo de valor à carga, no trânsito pelo porto.
A atitude “client oriented” foi encorajada e foram definidos padrões de serviço exigentes.
O Plano Estratégico e de Desenvolvimento do Porto de Leixões 2004/2015 (PEDPL4/15), lançado na 3.ª parte do percurso, peça essencial da mudança, foi a cúpula de fecho do edifício de reestruturação de Leixões, que vinha sendo construído.
O PEDPL4/15 refletiu uma nova proposta de valor para o porto, tendo subjacente o “Think Big” que leva, sempre, à Transformação dos Negócios.
O Plano foi uma peça sublime de liderança, de cooperação e de exercício de poder no porto. Liderado pela APDL agregou Empregados, Empregadores, Instituições Públicas e Privadas que cooperaram na sua construção e execução.
O Plano foi executado a 100%, preenchendo todas as áreas do PL que necessitavam de intervenção para que a mudança acontecesse e o porto pudesse operar em termos modernos, dentro do Ciclo da Produtividade e do Valor.
Isso aconteceu, de facto, com muito sucesso. O Plano foi ambicioso mas foi, além disso, arrojado! Não resisto a mencionar o investimento no eixo “Portaria Única / VILPL – Via Interna de Ligação ao Porto de Leixões”. Um investimento que foi para além da ambição que seria consentânea com o momento do Setor Portuário Nacional e estendeu-se até às fronteiras do arrojo, numa proeza técnica e cultural sem precedentes.
A Portaria veio a chamar-se Única porque juntou, “na mesma cabine” de acesso terrestre ao porto, as portarias do Terminal, da Alfândega e da Autoridade Portuária. As ferramentas digitais para o efeito desenvolveram-se “IN-DOOR”, recorrendo-se ao suporte de soluções “out-door” sempre que isso fosse mais conveniente, mas sem, contudo, abdicar, de forma intransigente, da Liderança “IN-DOOR”.
(Cabe aqui abrir um parêntesis para prestar uma sentida homenagem ao Eng. Marinho Dias, cujo saber e personalidade tornaram possível o êxito da Portaria Única, estrutura sofisticada de criação de valor para os Stakeholders. Infelizmente já não está entre os Vivos! Uma perda nacional!)
Retomando, tratou-se de uma revolução tecnológica no Setor Portuário Nacional mas também de uma revolução cultural na medida em que o trabalho na Portaria Única passou a ser assegurado pelos funcionários dos Concessionários, empresas privadas, a quem, tanto a Alfândega como a APDL, delegaram tarefas (suas) depois do conveniente treino e aprendizagem dos “porteiros”, lançando uma nova cultura portuária de cooperação entre o Setor Público e o Setor Privado.
A Portaria Única exprime a confiança do Porto de Leixões em si próprio, não só pela sua capacidade de liderar e cooperar no processo de mudança que era necessário empreender, mas também, pela sua capacidade de caminhar pelo próprio pé como consequência da descentralização efetiva que, então, se vivia nos portos e tão profícuos resultados deu.
A Liderança, A Cooperação e A Descentralização, foram os fatores de Sucesso do Porto de Leixões!
A inauguração da “Portaria Única/VILPL”, em 2008, teve a presença do Primeiro Ministro, Eng. José Sócrates, do Ministro das Obras Públicas, dos Transportes e das Comunicações, Eng Mário Lino, e da Secretária de Estado dos Transportes, Engª Ana Paula Vitorino, e mereceu do Chefe do Governo um rasgado elogio ao Porto de Leixões e ao Presidente da APDL, Dr. Ricardo Fonseca, que liderou a construção do PEDPL4/15 e o executou em grande medida.
O início das operações na Nova Portaria Única, num conceito de automatismo único no panorama nacional, arrancou de forma imaculada, sem incidentes de maior e tornou-se, ela própria, um “Case Study”.
- Um Sinal da Crise de Ajustamento
Infelizmente, agora, as coisas não estão a correr bem! É preciso dizê-lo, com a esperança que voltem a correr bem!
“As palavras corretas nem sempre são agradáveis …” (Lao Tsé, filósofo)
Por exemplo, surpreende o impacto severo na Portaria Única causado pela substituição do Sistema de Gestão de Informação do Terminal de Contentores, e as dificuldades no acesso terrestre ao Porto de Leixões que isso está a provocar, o que levou os camionistas à radicalização dos seus protestos, quando anunciaram uma paralisação nos “dias 22, 23 e 24 de Fevereiro” por “inoperacionalidade do Porto de Leixões”.
“Os operadores rodoviários que transportam contentores de/para o porto de Leixões vão parar três dias na próxima semana, apurou o TRANSPORTES & NEGÓCIOS.”
…..
derivado ao aumento da inoperacionalidade do Porto de Leixões desde o início do presente ano assim como em tempos anteriores
…..
Em causa estão as demoras na entrega e levantamento dos contentores em Leixões, que se agravaram recentemente com a implementação do sistema de gestão Navis4 no terminal de contentores da Yilport.”
(T&N em 17Fev23)
Há 15 anos, 2008, a Nova Portaria arrancou de forma irrepreensível, com soluções tecnológicas inovadoras e uma nova cultura de relacionamento Estado / Setor Privado, nos portos. Nesse dia, nada falhou, ou, se falhou, o problema foi resolvido no momento sem que alguém desse por isso. Assim, mal se compreende que, 15 anos depois, a natural operação de mudança de Sistema de Gestão do Terminal tenha conduzido a este cenário de indignação dos transportadores rodoviários.
Reconhece-se que o processo de migração entre sistemas é complexo, mas, nos dias que correm, tende a tornar-se rotineiro quando são cumpridos os protocolos estabelecidos para o efeito. Ai do Mundo – nos dias de hoje, inundado de tecnologia digital – que tivesse de se confrontar com perturbações desta índole sempre que tem de mudar de ferramentas tecnológicas!
Há 15 anos, na cerimónia de inauguração encontravam-se lá muitas Pessoas que ainda estão em atividade no PL, e Todos tiveram a oportunidade de celebrar o evento tranquilamente, sem atos de revolta de quem quer que fosse, porque não havia lugar a eles. No entanto, estava-se no domínio da inovação plena, um projeto singular, em que existe o risco de ocorrerem episódios perturbadores.
É bom que Todos se lembrem disto!
O que se passa, agora, “com uma rotina”?
Alguém certamente terá de fazer perguntas e alguém certamente terá de dar respostas sobre o que aconteceu (está a acontecer) no Terminal de Contentores.
Entretanto, ouvem-se críticas de Atores!
“Houve uma transição dos sistemas informáticos […] e isso tem provocado tempos de demora que não eram normais acontecerem na APDL [Administração dos Portos do Douro, Leixões e Viana do Castelo]”, disse António Nabo Martins, Presidente Executivo da APAT, à “Lusa”. “O que nós dizemos é que podemos aumentar o preço em 3 000 euros que não resolvemos a ineficiência existente”, insistiu. [T&N]
“Quem deve pagar pelos prejuízos, defendeu o representante dos transportadores, “é a TCL. Porque os problemas são recorrentes, e vêm de há muito, mas aumentaram com a transição para o novo sistema de gestão do terminal [a 16 de Janeiro]. Trata-se de um serviço público que não está a ser prestado como deve ser”. [T&N]
O futuro tem de ser melhor! As condições foram criadas para isso! Que não se degradem! “Trata-se de um serviço público …”. [T&N]
- Liderança, Cooperação, Descentralização, o triplo sucesso do Porto de Leixões, em Crise!
Ora, no Porto de Leixões, neste momento, há que reconhecer que a liderança não é evidente, a cooperação é quebradiça e a descentralização é inexistente.
Recuperar a descentralização da decisão é urgente! Só assim podem brotar as lideranças!
Porém, convém dizê-lo, descentralizar não é a transferência para a periferia do manual da gestão de procedimentos estabelecidos pelo centro, mas, bem pelo contrário, é dar liberdade a cada porto para descobrir o sentido do negócio que mais se lhe adequa, para desabrochar a sua capacidade para o acompanhar e, por último, para libertar a sua competência na execução.
Descentralizar é consentir, não só, a flexibilidade de ajustamento “last minute” do processo, mas também, a abordagem sistemática da inovação dos métodos e dos processos.
O Porto de Leixões que, no 1.º Grande Ciclo da Produtividade e do Valor, foi gerido desta forma descentralizada, em que as decisões que refletiam os interesses públicos e privados emanavam localmente numa coabitação de razoável sucesso, hoje, parece titubear ao definir o rumo do futuro, porque o seu futuro está subalternizado ao futuro de outras andanças, por vezes, distantes.
O Poder emanado das Instituições Públicas e Privadas que operam na linha de cais transferiu-se de Leixões, deixando pouca réstia de autonomia.
No Setor Público o Governo domina, e no Setor privado os interesses relevantes que pontificam não são residentes locais.
Aqui está o embrião da crise nas três vertentes que enunciei!
É provável que, neste contexto, o Porto de Leixões não esteja sozinho no panorama portuário do continente. Nos Portos Portugueses do Continente, as lideranças sólidas, a cooperação frutuosa entre os Atores e a descentralização das decisões não são uma evidência (já foram!) e, talvez por isso, a presença de Portugal no movimento das mercadorias na Península Ibérica tem vindo a deteriorar-se em benefício da Espanha, conforme se pode ver pelo Relatório de Outubro 22 da AMT, o último publicado à data deste artigo.

Apesar desta evidência, há ventos que continuam a soprar para o centro, persistindo em arrastar a periferia, na sua voracidade!
A Substituição de Gerações
É uma grande oportunidade para a mudança! O Novo Grande Ciclo impõe exigências tecnológicas para as quais as gerações mais novas estão melhor preparadas do que as mais velhas.
No entanto, cada geração, no seu tempo, pelo seu próprio pé, tem de definir quais são os seus interesses no porto e assumi-los estrategicamente, não se limitando à vivência entusiástica do “dia a dia”.
Por isso, convém esclarecer que, ao apontar-se o Porto de Leixões como um “case study” do primeiro Grande Ciclo, não está a pretender-se a reprodução de gerações, numa simplificadora clonagem do passado para o futuro.
Pelo contrário, pretende-se deixar uma mensagem às novas gerações de Stakeholders que a mudança é possível e no momento atual do Porto de Leixões, numa fase interciclos, é necessária, “antes que… nos agarre pelo pescoço” (John Adair); mas só acontecerá se tomarem o processo “em mãos”.
Só assim os líderes podem despontar, a cooperação frutificar e a descentralização acontecer.
De resto, o sucesso da geração do “Grande Ciclo da Produtividade e do Valor” não garante, por si só, um sucesso idêntico no Grande Ciclo do Digital e do Ambiente”! As competências exigidas num ciclo são diferentes das competências exigidas no outro!
Mas há uma carta básica de princípios para o sucesso, comum a todas as gerações, que têm de ser garantidas:
- a liderança, a cooperação e a tomada de decisão estratégica no local,
- o “sacrifício” pelo serviço de Interesse Público que um porto representa,
- o respeito pela orientação política da estratégia do Governo para o Setor Portuário, isto é, a Missão que o Estado lhe atribuí, mas em que reserva para os portos a Visão, ou seja, como vai cada porto assegurar o objetivo (a Missão).
- a salvaguarda da remuneração dos investidores, públicos e privados, (por estar relacionado, veja-se o excelente artigo de opinião de Francisco Alves Dias, “Responder a controvérsias na gestão do setor empresarial do Estado”, publicado neste jornal em 21Fev23)
- a salvaguarda da sustentabilidade económica e social
- o primado da Lei.
Isto construiu-se, em Leixões, ao longo dos últimos 40 anos! As Novas Gerações dos Stakeholders têm de se questionar sobre a razão ou razões porque o Porto de Leixões, hoje, parece titubear ao definir o rumo do futuro. A geração anterior foi deixando o porto e a geração seguinte está a demorar a afirmar-se, o que, por um lado, se compreende, no contexto da centralização, mas, por outro, não se pode justificar. A mudança tem incomodidades, mas têm de ser assumidas!
Algumas perguntas incómodas têm de ser formuladas
Em Leixões, como é que se vai recuperar o nível da tonelagem de carga movimentada em 2019, cerca de 20 milhões de tons, e em que tempo?
e recuperar a liderança no Porto de Leixões?
e recuperar a decisão estratégica neste porto?
Quais os Atores do porto em melhores condições de o fazer? Novos, Velhos …?
Que novos compromissos com o futuro devem ser pedidos aos Atores do porto, mesmo àqueles que se revelaram de forma positiva no “Ciclo da Produtividade e do Valor”?
O Quadro Legal do Setor Portuário, trabalhado e aprovado na 2ª etapa do “Ciclo da Produtividade e do Valor”, (mesmo com os ajustamento pontuais no percurso) ainda é sustentável no “Ciclo do Digital e do Ambiente”?
A centralização do País na Capital é um tema transversal a toda a Sociedade Portuguesa do Continente. No entanto, nos portos, transformou-se num fator de bloqueio ao seu desenvolvimento a partir de 2017
E os Contratos de Concessão? Ainda têm força reguladora no Novo Ciclo? Por exemplo, no Digital, até onde vão as obrigações do Concessionário, isto é, ficam apenas pelo suporte aos processos interorganizacionais existentes, ou devem expandir-se até à emergência de novos caminhos de fazer negócio (novos processos interorganizacionais)? E a propriedade do software no fim das Concessões, é do Estado ou fica na posse do Concessionário?
E a APDL como empresa pública, 100% do Estado, com este estatuto estará em condições de garantir, no Novo Ciclo, o papel relevante que teve no anterior? A perda de carga e a inflação elevada, sem repercussão total para o Mercado, anunciam necessidades de capitalização que o Acionista Público não estará em condições de satisfazer, tanto mais que, sem uma explicação convincente, o PRR não abrangeu os Portos Portugueses, para desilusão dos Atores. Assim, o recurso a capitais privados, sem prejuízo do desinvestimento em atividades “non core”, é um cenário que convém discutir e decidir rapidamente. Nestas circunstâncias, afigura-se que vale a pena analisar um modelo de Parceria Pública e Privada para a gestão do Porto de Leixões.
- Pontos Fortes do Porto de Leixões para a Mudança
- A Localização central do porto na geografia das duas Regiões do País (Norte e Centro) com maior potencial exportador e importador de bens.
- A Localização do porto no núcleo Multimodal da AMP, onde se encontra a totalidade das soluções de transporte (aéreo, marítimo, rodoviário e ferroviário), o que, pela sua proximidade e pela sua conexão por autoestrada, é único nos PPC.
- A Comunidade Portuária de Leixões e o seu leque de Associados que, na vertente privada, representam uma significativa parcela da produção de bens (cargas) em Portugal e, na vertente pública, representam, não só os facilitadores do trânsito das cargas pelo porto, mas também a promoção de Portugal no estrangeiro e a captação de investimento como é o caso do seu Associado, a AICEP. Mas a Comunidade Portuária, entre os seus Associados, tem ainda uma vertente socio profissional representada pelo Sindicato dos Trabalhadores Portuários o que proporciona um diálogo permanente e frutuoso sobre o ambiente laboral. No País é, porventura, uma das Comunidades mais bem apetrechadas para apoiar o seu porto.
No Novo Ciclo em que estamos a entrar, em que a partilha de soluções digitais é substantiva, só uma Instituíção como a Comunidade Portuária pode assegurar a eficácia do diálogo transversal, entre os diferentes Atores, que este ciclo impõe, em benefício do porto.
O Estado deve privilegiar as Comunidades Portuárias no seu diálogo com os portos, sem as confederar, e envolvê-las nos objectivos e nos resultados dos seus portos. Não encontrará melhores Instituições para ajudar a ultrapassar os obstáculos que a evolução comporta, no quadro das ambições de cada porto.
O Plano Estratégico, onde o Digital e o Ambiente deverão ter lugar de destaque, é o espaço de expressão da Visão do porto para o seu desenvolvimento e, por isso, deve ser discutido com as Comunidades Portuárias, sem prejuízo de outros debates.
- A APDL
ü Pelas condições do momento, a renovação do Conselho de Administração com a chegada do novo Presidente, em substituição do anterior, Nuno Araújo, (que, por razões pessoais, não aceitou renovar o mandato), é uma oportunidade para o progresso, pelo “sangue novo” que sempre se transporta em tais circunstâncias.
ü Pelos Departamentos de Sistemas de Informação, de Desenvolvimento e Sustentabilidade e de Inovação e Modernidade, essenciais para o desenvolvimento do porto no “Novo Grande Ciclo do Digital e do Ambiente”.
ü Pelo Centro de Formação, único no panorama portuário nacional, um departamento essencial, neste momento, quando se trata da mudança de culturas, como é o caso com o Novo Ciclo, em que é necessário transmitir (divulgar) novos conceitos e novos valores.
ü Por ser uma referência no Setor Portuário Nacional mas que necessita de recuperar a autonomia que o estatuto de Empresa Pública lhe confere, que já teve, e não perdê-la em contextos centralizadores e obsoletos, do tipo daquilo que foi tentado, sem sucesso, com a Holding dos Portos.
- O Legado positivo vindo do Ciclo da Produtividade e do Valor na data de 2019
2019 foi o ano de maior volume de carga movimentada, em Leixões, a poucas toneladas acima de 2017, o melhor ano dos PPC.
- A Marca forte que é o Porto de Leixões.
Pela sua história, sempre marcada pela presença, no porto, dos Mercadores ou na modernidade dos termos, dos Carregadores, e dos seus Agentes, os fautores das cargas.
- Uma Ambição para os Portos Portugueses do Continente
Durante a discussão pública do documento que viria a transformar-se no PRR, a Comunidade Portuária de Leixões dirigiu-se, em carta aberta, ao coordenador da equipa, o Prof. António Costa e Silva, hoje o Sr. Ministro da Economia e do Mar, onde se chamava a atenção para a realidade portuária de Portugal e da Espanha no contexto Ibérico, desfavorável ao nosso País.
Com a preocupação de contrariar esta realidade a carta terminava apontando
[Uma Ambição para os Portos Portugueses do Continente
Assim, o primeiro grande desafio que os Portugueses deveriam assumir para os Nossos Portos, era ganhar quota na Logística da Península Ibérica, subindo a movimentação das cargas nos PPC para, pelo menos, 20% a partir dos seu atuais 15% e, ao mesmo tempo, liderar (Ser o Primeiro!) na Logística da Frente Atlântica, passando a sua participação de 45,5% para, pelo menos, 51% da movimentação das cargas nesta Frente.
Isto significa um esforço do País para elevar a nossa bitola atual de 86M de toneladas de carga movimentada para, pelo menos, 120M e, em simultâneo, acompanhar o possível crescimento dos Portos Espanhóis. É bom referir que o anterior Governo anunciou, em 2017, a sua Estratégia para o Aumento da Competitividade Portuária e fixou, no Documento, como meta para os Portos Portugueses o aumento, em 88%, da carga movimentada naquela data o que significa um objetivo, para 2030, de cerca de 170 Milhões de toneladas.]
Em 2022. a nossa quota na Ibéria vai agravar-se, descendo abaixo dos 15% de 2019. Segundo José António Contradanças, economista e ex-administrador portuário), em artigo de opinião no T&N, “os portos portugueses, ao contrário das boas notícias veiculadas, e ainda que não se consigam recolher dados definitivos, registaram menos carga movimentada no ano de 2022 em relação ao ano transato (cerca de -4%), enquanto os portos espanhóis registaram um crescimento de cerca de 5%”.
Apesar desta adversidade os Portos Portugueses do Continente têm de ter Ambição, ter um Desígnio para o Setor, e, além disso, ter a ousadia para o concretizar!
A centralização do País na Capital é um tema transversal a toda a Sociedade Portuguesa do Continente. No entanto, nos portos, transformou-se num fator de bloqueio ao seu desenvolvimento a partir de 2017 como, de resto, o quadro acima, mostra.
É necessário reverter a centralização com urgência, nunca é de mais dizê-lo!
O Porto de Leixões tem de recuperar a liderança, a cooperação e a tomada de decisão local para responder pela sua parcela, nesta ambição
Clarice Lispector ensina-nos que
“Coragem e covardia são um jogo que se joga a cada instante”.
JAIME H. VIEIRA DOS SANTOS
Economista, ex-Gestor de Terminais Portuários
Obrigado pelo Brilhante artigo e analise ao dr. Jaime Vieira dos Santos