Em 16 de Novembro de 2017, o Conselho de Ministros aprovou uma resolução denominada “Estratégia para o Aumento da Competitividade da Rede de Portos Comerciais do Continente, Horizonte 2026”, centrada num conjunto de certezas que a então Ministra do Mar considerava absolutas: a utilização do gás natural liquefeito (GNL) na propulsão dos navios é “a forma de reduzir as emissões de CO”, Portugal deve afirmar-se como “um hub de gás natural liquefeito do Atlântico”, um dos principais objetivos estratégicos era “transformar o sistema portuário português numa «área de serviço» para abastecimento de navios a GNL”.
Quem duvidou da Estratégia foi acusado de querer contrariar a excelente Visão que a CE mostrava sobre o assunto e, em particular, de não querer aproveitar os fundos que iriam chover sobre os portos nacionais. Felizmente, o Governo não fez nada para atingir os objetivos estratégicos e o Estado evitou investimentos vultuosos.
Hoje, ninguém duvida que o gás natural é um combustível fóssil, não é neutro do ponto de vista das emissões de carbono (embora permita reduzi-las), provoca emissões de metano (na combustão e nas operações de carga e descarga de GNL) e a sua utilização na propulsão generalizada de navios obriga à instalação de infraestruturas dispendiosas em terra.
Entretanto, a estratégia da CE foi ajustada e o gás natural passou a ser considerado para o shipping como apenas uma “energia de transição”.
Entre os armadores, enquanto a CMA CGM segue um plano de investimento em navios porta-contentores com propulsão a GNL, a Maersk decidiu passar ao lado dessa solução de transição, conter os investimentos em novos navios e apostar no desenvolvimento de soluções tecnológicas que permitam instalar nos navios sistemas de propulsão neutros em emissões de carbono. A Maersk considera que existe um enorme risco de encomendar navios mega porta-contentores na presente conjuntura (alguns navios têm vida útil superior a 25 anos).
Hoje, ninguém duvida que o gás natural é um combustível fóssil, não é neutro do ponto de vista das emissões de carbono (embora permita reduzi-las), provoca emissões de metano (na combustão e nas operações de carga e descarga de GNL) e a sua utilização na propulsão generalizada de navios obriga à instalação de infraestruturas dispendiosas em terra.
Para atingir os atuais objetivos da IMO (Organização Marítima Internacional), que são resultado da avaliação feita pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas, é necessário que em 2030 já estejam em produção navios com sistemas de propulsão neutros em emissões de carbono.
De acordo com as avaliações mais recentes[i], os “front runners” para os combustíveis a utilizar nos navios do futuro são a amónia, o hidrogénio, os biocombustíveis, o metanol e o nuclear. Mas a neutralidade em emissões de carbono e a capacidade para deslocar navios que podem atingir mais de 400.000t de porte bruto são difíceis de compatibilizar.
A solução a encontrar não pode depender de uma redução significativa da capacidade de carga do navio (pela necessidade de armazenar grandes quantidades de combustível), não pode ser tóxica para a vida marinha, não pode trazer perigos para a segurança do navio (por exemplo, explosão ou evidente exposição a ataques terroristas) e, por último, não pode ter um custo de produção e abastecimento demasiado elevado.
Claro que para navios de reduzido peso bruto e a operar em menores distâncias as soluções elétricas ou hibridas estão mais perto de ser aplicáveis. Embora só empresas sem limitações financeiras e como uma enorme capacidade técnica, como a portuguesa Transtejo, se atrevam a encomendar de uma só vez dez navios (seria motivo de riso se não estivessem em risco 80 milhões de Euros do dinheiro dos contribuintes).
Preparem-se os armadores nacionais para passar a utilizar a propulsão a hidrogénio no transporte para as Regiões Autónomas
No final de 2020, o Governo aprovou a Estratégia Nacional para o Hidrogénio (EN-H2), assente na produção de hidrogénio verde. No documento refere-se que “ao nível do transporte marítimo, em particular no transporte doméstico de passageiros e mercadorias, existe potencial para o hidrogénio surgir como opção para a descarbonização” e ainda que “pese embora a tecnologia não esteja ainda tão evoluída, existe já um movimento da indústria para apresentar soluções com base no hidrogénio que podem no curto e médio prazo constituir uma solução para o transporte em vias navegáveis”.
Objetivo da Estratégia definida pelo Governo: “cumprir até 2030 3% a 5% de hidrogénio verde no consumo de energia do transporte marítimo doméstico”.
Preparem-se os armadores nacionais para passar a utilizar a propulsão a hidrogénio no transporte para as Regiões Autónomas (ainda bem que não investiram em navios com propulsão a GNL; na realidade não existe aquisição de novas construções de navios para o transporte de carga para as Regiões Autónomas há mais de 20 anos…).
Em 2021, o Governo irá proporcionar-nos uma nova Estratégia Portuária, onde a Visão será – “Portugal – área de serviço no Atlântico para abastecimento de navios em hidrogénio verde”?
Temos de pensar melhor!
[i] “What’s the Green Fuel of the Future for Shipping”, em The Washington Post, 23 dezembro 2020.
FERNANDO GRILO
Economista de Transporte Marítimo