Steven Van Loo, da CLdN RoRo, Lisa Westerhuis, da Samskip, Carlos Vasconcelos, da Medway, e Daniel Pereira, da Jomatir Logistics, com a moderação de Nabo Martins (APAT), fecharam a PORTO MARITIME WEEK a falar de intermodalidade.
A responsável da Samskip para os tráfegos na Península Ibérica disse que “o futuro do transporte terá de ser multimodal, porque permite não só reduzir custos como também a pegada ambiental”. Lisa Westerhuis salientou que apesar de realizarem cerca de 50 operações marítimas, elas são sempre combinadas com o transporte ferroviário, fluvial e rodoviário.
A escolha por fornecer serviços multimodais foi explicada por Lisa Westerhuis pelo facto de não só ser mais barato e mais seguro, como permitir uma maior flexibilidade e eficiência dos serviços (a Samskip possui uma grande quantidade de contentores no mercado), ajudando a reduzir as emissões.
Na apresentação da CLdN RoRo, Steven Van Loo disse que “o nosso core está centrado no transporte de contentores, reefers, veículos automóveis, trailers e camiões. Ligamos 11 portos em quatro regiões europeias, nomeadamente no Norte da Europa, Reino Unido e Irlanda, Escandinávia e Península Ibérica, através da nossa presença no porto de Leixões e em Santander. Os nossos principais hubs localizam-se em Zeerbrugge, na Bélgica, e em Roterdão, na Holanda”.
A companhia tem ainda ligações ferroviárias, a partir de Zeerbrugge para Novara (Itália), Bettembourg (Luxemburgo) e Nancy (França) e a partir de Roterdão para Kutno (Polónia), Duisburgo/Manheim (Alemanha) e Brescia/Verona (Itália).
O responsável revelou que a CLdN está a expandir a sua frota com navios mais amigos do ambiente, tendo em funcionamento seis navios movidos a LNG e outros dois em construção. Por outro lado, está a desenvolver novas rotas e a aumentar a rotação e frequência das suas escalas nos maiores portos.
“Todos temos o objectivo de reduzir a nossa pegada carbónica e o short sea é uma alternativa sustentável ao transporte rodoviário. Por exemplo, um navio ro-ro pode tirar das congestionadas estradas europeias mais de 500 camiões. Ao realizarmos essa transferência modal, da estrada para as “auto-estradas do mar”, conseguimos reduzir substancialmente o nível de emissões para a atmosfera. O short sea pode contribuir muito mais para atingirmos as metas ambientais que foram estabelecidas, porque é um transporte fiável, com capacidade suficiente, e deve ser um link na cadeia multimodal”, adiantou Steven Van Loo.
Já Carlos Vasconcelos, administrador da Medway, disse que “temos de ter uma logística mais sustentável e isso só é possível se retirarmos camiões da estrada e transferirmos a carga para o comboio. Na nossa perspectiva, transferir a carga da rodovia para a ferrovia não se fará com subsídios para o caminho de ferro ou qualquer outro meio de transporte. Não faz sentido subsidiar o que quer que seja na actividade económica, porque o subsídio é sempre pernicioso e só cria uma situação de vício e dependência, não permitindo à concorrência manifestar-se a 100%. Por outro lado, existe discriminação entre modos de transporte. A rodovia não paga na exacta proporção os custos e externalidades que gera. Se adoptássemos na Europa uma política de igualdade, taxando, por exemplo, as emissões da CO2 efectivamente produzidas, não tenho dúvidas que a ferrovia e o transporte marítimo seriam muito mais competitivos”.
No entanto, Carlos Vasconcelos sublinhou não querer, com estas declarações, combater o modo rodoviário mas antes “encontrar formas de cooperação. Se essas medidas forem adoptadas, as empresas rodoviárias irão transformar-se em operadores logísticos e em vez de comprarem camiões irão comprar caixas móveis. Acredito que da mesma forma que os contentores revolucionaram a cadeia de transporte, as caixas móveis vão fazer o mesmo neste século. Para transferirmos as cargas da rodovia para a ferrovia não precisamos de colocar os camiões em cima dos comboios, porque cada galera pesa toneladas e estamos a onerar o custo do transporte. O que faz sentido é termos caixas móveis que possam ser utilizadas na ferrovia e depois na rodovia, no “last mile”.
A Medway tem vindo a fazer essa aposta e já tem um/dois comboios semanais com destino a Espanha a transportar caixas móveis, cisternas e contentores e espera aumentar este volume a partir de janeiro do próximo ano. “Há ainda coisas a fazer, como criar vias que permitam ter comboios de 750 metros, electrificar a rede ferroviária na sua totalidade, eliminar algumas pendentes. Com estas “facilidades” a ferrovia não precisa de mais nada para ser competitiva”, concluiu.
Daniel Pereira, da Jomatir Logistics, empresa transitária que tem feito uma forte aposta na intermodalidade, disse na sua apresentação que “andamos há muitos anos a falar deste tema e na verdade pouco mudou. Mas há uma coisa que temos de perceber: a carga encontra sempre o seu caminho. E cabe-nos a nós, os actores da logística, levantar os constrangimentos que são encontrados nesse caminho”.
“Precisamos de levar as mercadorias aos clientes e sabemos todos que o camião é a forma mais simples e directa de o fazer. Mas temos hoje mais opções, como é caso das caixas móveis ou dos contentores, e temos os portos secos que ajudam a consolidar essas cargas. E um comboio apenas pode levar a carga que é transportada por 28 camiões”.
Intermodalidade mal aproveitada
Antes, João Soares, consultor e fundador da Logimaris, analisou a evolução da intermodalidade e dos fluxos de carga ao nível das trocas comerciais de importação/exportação entre Portugal e o resto da Europa.
Os gráficos apresentados – relativos a 2018 e 2019, os mais recentes disponíveis – mostraram que muito pouca coisa mudou ao nível das trocas comerciais entre Portugal e os seus parceiros principais. De acordo com João Soares, “Espanha continua a ser o nosso principal parceiro, mas em 2019 as trocas comerciais decresceram 1,9%, apesar de ainda representarem 53,9% do total. As trocas comerciais com França também decresceram um pouco e vimos algum aumento no Reino Unido, Alemanha e Bélgica, apesar de serem valores pequenos. Por outro lado, quando vemos estes volumes em termos de valor das mercadorias, reparamos que Espanha apenas representa 37,1% do valor das nossas trocas comerciais e isso deve-se àquilo que se chama a resistência económica ao transporte. As mercadorias importadas e exportadas de e para Espanha têm um valor médio inferior ao das trocas comerciais com os outros países, nomeadamente com a França e a Alemanha. Nas trocas europeias por modos de transporte vemos que o transporte rodoviário continua a ser dominante (63%), embora em 2019 se tenha verificado um pequeno aumento da importância relativa do transporte marítimo (+2,9%)”.
Segundo João Soares, a grande novidade é que o transporte ferroviário registou um crescimento brutal de um ano para o outro, tendo aumentado 37,9%., apesar de só representar 1,4% no total das trocas comerciais por modo de transporte.
“Quando analisamos a componente do transporte ferroviário, vemos que o grande aumento surgiu nas trocas comerciais com Espanha, com um acréscimo de 194 mil toneladas de mercadorias movimentadas. É de louvar porque estamos a assistir a alguma transferência modal da rodovia para a ferrovia. Esperemos que assim continue. Mas creio que os dados de 2020 vão ser ainda mais interessantes”, disse João Soares.
O consultor revelou ainda que a transferência modal do transporte unimodal rodoviário para a solução intermodal com base no transporte marítimo contentorizado para o norte da Europa está finalmente a verificar-se, embora lentamente. Pela primeira vez, o transporte marítimo de carga contentorizada para a Alemanha, Holanda e Bélgica ultrapassou o transporte rodoviário. A má notícia, é que na relação com o Reino Unido, as trocas por modo marítimo diminuíram e o transporte rodoviário subiu.
No entanto, e apesar de algumas situações positivas, João Soares lembrou que “há quase 20 anos já se alertava para o facto de ser necessário reduzir a importância do transporte rodoviário na cadeia de transporte europeu, mas nada disso aconteceu, tal como mostram os números. O aumento das trocas comerciais foi absorvido pelo transporte rodoviário e não pelo transporte marítimo”.
João Soares disse ainda que existem algumas más notícias a caminho que vão impactar no sector do transporte marítimo: “Aquilo que estamos a ver no “deep sea” relativamente ao aumento de fretes, vamos vê-lo brevemente no short sea, porque os navios de 1100 TEU, que custavam cerca de 6 mil dólares por dia no ano passado, custam agora mais de 40 mil dólares. Estamos a falar de aumentos de 500% a 600%. Preparem-se porque este impacto vai chegar ao short sea e irá reflectir-se na transferência modal. Estes aumentos não serão temporários e poderão durar vários anos, devido às negociações dos contratos de fretamento estarem a ser realizados por 48 a 60 meses”.
Sobre as taxas de carbono que serão implementadas em todos os modos de transporte, directamente ligadas ao consumo dos combustíveis fósseis, ou a utilização de soluções alternativas não poluentes mas mais claras, João Soares disse que essas taxas irão reflectir-se nos preços globais de cada solução de transporte e serão sempre suportados pelo cliente final. Neste sentido, a taxa de carbono é uma solução que poderá não resultar numa redução efectiva das emissões de CO2, ao nível que se pretende, mas resultará sempre num aumento dos custos de transporte.
Para João Soares, “a solução de redução efectiva das emissões de CO2 passaria pela coragem política, da qual existe um défice evidente ao nível europeu, de uma tomada firme de posição, tomando medidas para a proibição de transportes internacionais unimodais rodoviários, excepto quando não exista uma solução intermodal alternativa. Isso reduziria de imediato as emissões de CO2 a nível europeu em mais de 30%”.