Quem trabalha no, ou com o Shipping sabe muito bem que esta atividade tem ciclos, estando estes diretamente relacionados com a economia Mundial, ou seja, com o comércio e a intensidade dos fluxos de mercadorias entre as diferentes regiões do globo.
Por esse motivo, esta atividade apresenta como uma das suas características ser extremamente sensível aos ciclos económicos, devido sobretudo à rigidez da oferta (capacidade de carga), pois trata-se de uma atividade de capital intensivo e de avultados investimentos nos seus meios de produção (os navios), tendo estes um período de vida relativamente longo (entre 20 e 30 anos) e quando se investe não é com o objetivo de servir o mercado no curto prazo mas sim no médio e longo prazo, sendo por isso difícil a sua adaptação rápida a alterações súbitas de mercado, as quais podem ser representadas por excessos de oferta (capacidade de carga) e a decréscimos ou aumentos súbitos de procura (volumes de carga).
Por isso, vemos situações em que quando existe um aumento da oferta da capacidade de carga sem existir uma procura que o justifique, surge um decréscimo nas taxas de frete, resultando habitualmente em “guerras de fretes” para obtenção de quotas de mercado, mesmo que isso signifique prejuízos para as empresas armadoras.
Por outro lado, existem situações em que a procura se reduz significativamente, levando os armadores a ter de diminuir a sua oferta de capacidade de transporte, através de redução da velocidade dos seus navios (slow steaming), ou mesmo da paragem dos seus navios (lay-up), tentando assim reduzir os seus custos, procurando desta forma manter as condições de mercado (nível de fretes), minimizando as suas perdas.
Quando os fretes estavam baixos e a causar avultados prejuízos nas empresas armadoras, ninguém falava sobre o assunto ou se mostrava preocupado com o que poderia acontecer ao mercado e à atividade no futuro.
Quando estas situações se prolongam no tempo, podem levar à falência de empresas (ex. Hanjin, entre outras) ou a colocá-las em graves dificuldades financeiras, sendo necessários vários anos com resultados positivos para recuperarem de um ciclo negativo.
Quando o ciclo se inverte, aumentando a procura, e sendo a capacidade de transporte disponível insuficiente, é natural que os fretes aumentem, permitindo nesse novo ciclo que as empresas possam recuperar dos seus resultados negativos.
Não se compreende o porquê de tanta reclamação quando isto acontece.
Quando os fretes estavam baixos e a causar avultados prejuízos nas empresas armadoras, ninguém falava sobre o assunto ou se mostrava preocupado com o que poderia acontecer ao mercado e à atividade no futuro.
Tudo isto não é mais do que o mercado a funcionar e não existe outra solução do que transmitir esses custos ao longo da cadeia de abastecimento, acabando por ser o consumidor final a pagar, como aliás sempre acontece.
Na realidade, e na maior parte dos casos, estas variações de fretes não têm um impacto significativo no valor dos produtos, dependendo certamente da sua resistência económica ao transporte.
Este tipo de questões traz sempre à lembrança antigas discussões e análises sobre o impacto de variações do custo do transporte marítimo nos produtos e no índice de preços ao consumidor, tendo-se sempre chegado à conclusão de que esse impacto era mínimo.
Aliás, isso verificava-se, e era de fácil análise e conclusão, sempre que existiam “guerras de fretes” entre armadores que operavam num determinado mercado.
Quando os fretes baixavam a mínimos históricos os produtos mantinham os seus preços junto dos consumidores, mas quando os fretes aumentavam serviam de desculpa e razão para aumentar o valor desses mesmos produtos no mercado.
A situação atual do mercado internacional de transporte de contentores surge na sequência de um período em que a economia Mundial quase parou devido à pandemia, seguindo-se uma retoma que somou os produtos que se encontravam armazenados nas origens com o que está a ser produzido, resultando num aumento significativo da procura, relativamente à qual, mesmo colocando ao serviço os navios que estavam parados em lay-up, os armadores não conseguiram dar resposta, levando a uma escassez da oferta e a um natural aumento dos fretes.
É, novamente, o mercado a funcionar.
Simultaneamente, verificou-se uma falta de disponibilidade de equipamento novo (contentores), resultante da redução da sua produção nas fábricas na China, onde, concertadamente, apenas estão a trabalhar um turno por dia e durante seis dias por semana, resultando numa redução da oferta deste tipo de equipamento, tendo como consequência o aumento do seu preço a níveis que não seriam de esperar e que em conjunto com o aumento da procura (carga) resultou naquilo que se pode chamar uma “tempestade perfeita”, como não existe memória.
Mesmo assim, se formos analisar os resultados das empresas armadoras dos últimos 10 anos, é provável que, apesar desta recuperação do mercado, não consigam recuperar dos resultados negativos dos anos anteriores, como o demonstra o Gráfico 1, da Harrison Consulting, com o Índice de Proveitos das Linhas de Contentores no terceiro trimestre, entre 2010 e 2020, o qual revela que são mais os períodos negativos do que os positivos, estando atualmente ainda abaixo dos níveis de há 10 anos.

No Gráfico 2, também da Harrison Consulting, é possível ter a noção de que os resultados negativos, obtidos ao longo dos últimos 10 anos, pelas principais Linhas Regulares de Contentores, estão ainda longe de ser recuperados. Basta fazer as contas.

Não há nada de errado em as empresas ganharem dinheiro. O que pode parecer errado é empresas perderem dinheiro durante anos e anos consecutivos e mesmo assim persistirem e teimarem em continuar a sua atividade, agravando cada vez mais os seus resultados negativos e certamente as suas dívidas a terceiros.
Quando esse dinheiro é de privados e é de sua responsabilidade e risco, cabe-lhes decidir se devem persistir e tomar a decisão de aguardar por um novo e positivo ciclo, a fim de recuperar as perdas do passado, ou simplesmente desistir e encerrar ou vender a empresa.
Por vezes surgem apoios estatais onde o dinheiro que impede a falência das empresas é proveniente de fundos públicos, reforçando o capital social da empresa, havendo como exemplo o apoio do Governo Sul Coreano à HMM (Hyundai Merchant Marine), do Governo de Israel à ZIM ou os rumores do apoio do Governo Francês à CMA-CGM, justificando-se os mesmos pelo interesse económico e estratégico que essas empresas possam ter para o país.
Não há nada de errado em as empresas ganharem dinheiro. O que pode parecer errado é empresas perderem dinheiro durante anos e anos consecutivos e mesmo assim persistirem e teimarem em continuar a sua atividade, agravando cada vez mais os seus resultados negativos e certamente as suas dívidas a terceiros.
É assim o negócio do Shipping.
Com ciclos e com exigências intensivas de capital para poder manter a operação nos maus momentos, esperando recuperar nos bons momentos. Quem não o conhece não deve nele entrar, pois como dizia um experiente armador Grego a um inexperiente investidor que queria iniciar-se neste negócio, sobre o qual pouco ou nada conhecia, “Se quer fazer uma pequena fortuna no Shipping é começar com uma grande fortuna”.
Por parte do mercado (procura) não pode haver desconhecimento de que o negócio é assim.
Sempre foi e sempre será. Resta apenas saber gerir as situações da melhor forma possível e seguir em frente.
JOÃO SOARES