Todos os portos são iguais, mas…
É um facto que a maioria dos portos da União Europeia são portos de pequena e média dimensão.
Também é um facto que em Portugal todos os portos são de pequena e média dimensão, à exceção de Sines, o único que movimenta mais de 20 milhões de toneladas.
No nosso sistema portuário nacional, são considerados portos secundários os portos de Viana do Castelo, Figueira da Foz, Faro e Portimão, não estando incluídos na RTE-T – Rede Transeuropeia de Transportes.
Não obstante, não deixam de ser portos que desempenham um papel fundamental na região onde estão inseridos, através do apoio e serviço que prestam à indústria local e ao hinterland que servem, alguns deles dispondo mesmo de excelentes ligações ferroviárias e rodoviárias, como é o caso do Porto da Figueira da Foz, sendo por isso muito importantes para o desenvolvimento da economia local, contribuindo assim para a economia nacional, através da geração de emprego e de valor acrescentado às cargas que por eles transitam.
Mas será que estes portos podem ter no futuro próximo um papel ainda mais importante do que aquele que têm?
A resposta é que sim.
Aliás, já o deveriam estar a ter, se não fosse o imobilismo político nacional nesta área e a falta de coragem política da Comissão Europeia, a qual perdura há mais de 30 anos, quando se previu que a União Europeia e a livre circulação de pessoas e bens iria trazer um aumento significativo dos fluxos de carga entre os países da União Europeia, e que esse aumento não poderia (traduza-se por “deveria” em “politiquês”) vir a ser realizado pelo modo rodoviário, aliás, como vários documentos estratégicos mencionam e que foram muito bem traduzidos para Português e incluídos em estratégias nacionais, as quais nunca foram cumpridas ou levadas a sério.
E para quem tenha dúvidas aqui ficam algumas referências:
Estratégia Nacional para o Mar 2013-2020 (de Abril de 2013)
“Por sua vez, a aposta, no contexto da Estratégia Europa 2020, no desenvolvimento da infraestrutura da rede de transportes da Europa, com base na inovação e abordando os desafios ambientais, climáticos e energéticos, através de sistemas de transportes não poluentes e de baixo nível de emissão de carbono, incentiva a transferência do tráfego de mercadorias intra-europeu com distâncias superiores a 300 km para os modos ferroviário, marítimo e fluvial, promovendo o transporte marítimo de curta distância e a dinamização das autoestradas do mar, potenciando o desenvolvimento do setor marítimo portuário.”
2013 a 2020 já passou e nada foi feito. Ou antes, o que foi feito foi mal feito.
As alterações das dimensões máximas do transporte por estrada vieram, por um lado, repor a legalidade, sem restrições, do transporte rodoviário de contentores de 45’, conferindo-lhe mais 15 cm no comprimento máximo estabelecido (16,5 m) – Diretiva (UE) 2015/719 do Parlamento Europeu e do Conselho de 29 de abril de 2015, a qual foi incorporada na legislação portuguesa através do Decreto Lei 132/2017 de 11 de Outubro de 2017. Mais de dois anos após a data da Diretiva, e mesmo assim, com uma diretiva traduzida em Português e bem traduzida, cometeu-se um erro na passagem para a redação da legislação nacional, o qual foi comunicado a todas as instancias possíveis e até hoje nunca foi corrigido. Pelo menos o anterior presidente da AMT ainda chegou a dizer “Tens razão. Temos de corrigir isso”, mas até hoje nada.
Mas o mais grave é que conferiram os 15 cm para os contentores de 45’, o que vinha a ser pedido desde 2006, e ao mesmo tempo aumentaram o comprimento máximo dos veículos de transporte rodoviário, dos 16,5 m para os 25,25 m, no caso dos veículos Euro-Modulares. São só mais 8,75 m, ou seja, 875 cm. O que é isso comparado com os imensos 15 cm dos contentores de 45’ que incomodavam e punham em risco a segurança rodoviária e por isso estavam proibidos de circular, se não tivessem os cantos frontais cortados?
E tudo pela redução das emissões de CO2. É difícil de entender quanto mais de compreender e aceitar.
E não nos ficamos por aqui.
O Livro Branco 2011-2050, no seu ponto 39. Tarifação e tributação inteligentes, Fase I (até 2016), mencionava claramente que o objetivo seria de
- Rever a tributação dos combustíveis para motores, identificando claramente a componente energia e a componente CO2.
- Introduzir progressivamente uma taxa de utilização das infra-estruturas para os veículos pesados, substituindo as taxas de utilização actuais por uma estrutura tarifária comum com componentes como a compensação do custo do desgaste, do ruído e da poluição local.
- Avaliar os sistemas vigentes de tarifação das infra-estruturas rodoviárias e a sua compatibilidade com os tratados da União Europeia.
- Elaborar orientações para a aplicação de taxas de internalização aos veículos rodoviários, que cubram os custos sociais do congestionamento, das emissões de CO2 – se não estiverem incluídos na tributação dos combustíveis –, da poluição local, do ruído e dos acidentes. Proporcionar incentivos aos Estados-Membros que iniciem projectos-piloto de aplicação de sistemas conformes com essas orientações.
- Prosseguir a internalização dos custos externos em todos os modos de transporte, aplicando princípios comuns, mas tendo em atenção as especificidades de cada modo.
Os portos de pequena dimensão possuem maior agilidade e facilidade de adaptação às necessidades dos seus clientes (…), podendo estabelecer acordos de cooperação com outros portos semelhantes noutras regiões da Europa, a fim de facilitarem o estabelecimento de serviços de short sea entre eles e atrair novos serviços intermodais alternativos ao modo rodoviário.
Absolutamente nada foi feito até 2016.
Os modos de transporte marítimo e ferroviário têm de pagar na integra as infraestruturas (portuárias e ferroviárias, respetivamente) que utilizam, enquanto o modo rodoviário continua a usar as infraestruturas rodoviárias sem pagar a sua utilização, exceto quando circula em autoestradas taxadas.
O mesmo Livro Branco, o qual só acaba o seu período de vigência em 2050, refere na Fase II (2016 a 2020) deste número 39 – Tarifação e tributação inteligentes:
- Dando continuidade à Fase I, avançar no sentido da internalização obrigatória e completa dos custos externos (acrescentando à compensação obrigatória dos custos de desgaste os custos associados ao ruído, à poluição local e ao congestionamento) no transporte rodoviário e ferroviário. Internalizar os custos da poluição local e do ruído nos portos e aeroportos, assim como os da poluição atmosférica no mar, e estudar a possibilidade da internalização obrigatória dos custos em todas as vias navegáveis interiores do território da UE. Estudar medidas de mercado que permitam reduzir mais as emissões de gases com efeito de estufa.
Lembro-vos que já estamos em 2021, e tudo continua na mesma, nada tendo sido feito.
Aliás, o que ultimamente tem sido mais falado são as emissões de CO2 que os navios emitem, parecendo que os restantes modos de transporte, principalmente o modo rodoviário, já não emitem CO2 e esse problema está resolvido.
Enfim. Um lapso ou um adiar de uma decisão que deve ter resultado do estado de pandemia que temos vivido, ou talvez um efeito secundário da mesma, que deu origem a uma amnésia coletiva de um certo setor político, ou de “hipocrisite” aguda quando se trata de tomar decisões que serão inevitáveis, embora desagradáveis para alguns setores, mas que só pecam por tardias.
Mas onde é que os portos de pequena dimensão podem ser parte da solução, e não parte do problema?
Os portos de pequena dimensão possuem maior agilidade e facilidade de adaptação às necessidades dos seus clientes (leia-se, armadores e carregadores/recebedores), podendo estabelecer acordos de cooperação com outros portos semelhantes noutras regiões da Europa, a fim de facilitarem o estabelecimento de serviços de short sea entre eles e atrair novos serviços intermodais alternativos ao modo rodoviário.
Esta ideia não é nova, já tendo sido explorada pelo projeto C2C – Connect to Compete (Programa Interreg – Jan 2007- Dez 2011) há mais de 10 anos.
O objetivo é encontrar as vantagens competitivas dos portos pequenos que se possam complementar e dar origem a alianças estratégicas com o mesmo objetivo. Novos serviços e soluções intermodais com base no transporte marítimo de curta distância, com a simplificação dos procedimentos e a facilitação dos fluxos de cargas, fazendo do porto um desejável local de passagem e não um local de paragem das mercadorias.
Para que resulte, será imprescindível a existência de uma estratégia nacional para os portos, a qual seja o pilar do desenvolvimento de estratégias individuais para cada porto, que esteja em consonância com a primeira e que sobretudo sejam cumpridas do princípio ao fim e não fiquem apenas no papel, como é costume, assumindo claramente que independentemente da sua dimensão todos os portos são infraestruturas importantes para a economia nacional.
As necessidades de investimento para os projetos dos pequenos portos, os quais são habitualmente preteridos em relação aos portos principais, podem ser obtidos se for seguida a recomendação da Autoridade da Concorrência, quando realizou a sua análise sobre Concorrência Portuária, em Julho de 2015, na qual sugeriu…
“Deverão prever-se mecanismos que restrinjam ou comprometam o Estado a não impor às administrações portuárias a distribuição (excessiva) de dividendos, por forma a não comprometer a sustentabilidade económico-financeira e capacidade de investimento dos portos e/ou a não obrigar a uma oneração excessiva dos utilizadores dos portos”
Aliás, em tempos foi sugerida a criação de um fundo de investimento com os dividendos dos portos, para voltar a investir esse valor nos mesmos, devendo ser dada prioridade aos portos que mais necessitem desse financiamento por terem mais dificuldade de acesso aos mesmos em virtude de terem uma menor movimentação de carga, e por isso menos receitas, de forma a acabar com o sentimento, que é real, de que … há portos mais iguais do que outros.
JOÃO SOARES