Recentemente, tem havido notícias sobre a contestação de alguns operadores sobre taxas e tarifas a aplicar em alguns portos portugueses. Alguns ligados à operação portuária, propriamente dita, e outros ao transporte ferroviário de cargas associadas aos terminais portuários.
A argumentação despendida entre os intervenientes, é conhecida. As administrações portuárias advogando pela necessidade de repercutir e se ressarcirem dos gastos com os investimentos realizados, os outros achando injusto o procedimento que, para além de encarecer a fatura final, não se enquadra em critérios de equidade com outros modos de transporte, nomeadamente, o rodoviário.
A meu ver, no cerne da questão reside uma outra que se prende com uma decisão fundamental sobre o que se quer que sejam os portos portugueses. Passada a fase de “porto operador” para “porto senhorio”, feitas as concessões da maior parte dos serviços e dos desenvolvimentos posteriores no capítulo da informatização e digitalização da cadeia logística, importa ter uma visão clara sobre o papel dos portos ao serviço da sua região.
Afinal, o que se pretende? Um porto (melhor, uma administração portuária) focado no lucro, numa visão privada do negócio, ou um porto comprometido com a sua região, sendo um ativo estruturante que contribui para o desenvolvimento efetivo dessa região?
Tenho, bastas vezes, ao longo dos últimos vinte anos, pugnado por esta matéria. Sendo os portos um dos setores mais dinâmicos e geradores de riqueza, torna-se imperativo que, para além de alguma responsabilidade social que têm assumido, sendo e fazendo parte dos fatores de desenvolvimento, tenham um papel mais ativo, assumindo-se como verdadeiros motores desse desenvolvimento. Daí a necessidade de um novo conceito de governação.
Afinal, o que se pretende? Um porto (melhor, uma administração portuária) focado no lucro, numa visão privada do negócio, ou um porto comprometido com a sua região, sendo um ativo estruturante que contribui para o desenvolvimento efetivo dessa região?
A própria história se encarrega de nos trazer à memória o papel que os portos tiveram no desenvolvimento das grandes cidades e das regiões, sendo fatores de promoção de riqueza e possibilitando um desenvolvimento alargado pelo seu efeito difuso, beneficiando largas faixas da população, de múltiplas formas, não só lhe permitindo melhor rendimento como melhores condições de vida, desde a fruição de melhores infraestruturas de acessibilidade e transporte até ao surgimento de dinâmicas socioculturais por si apoiadas ou incentivadas. E assim sendo, é fácil entender que não podemos renegar a história, dando-lhe sequência e sentido nos tempos que correm.
A emergência dum novo modelo de governação, denominado Development Port, tem de responder a uma economia que funciona de maneira diferente e onde os portos, conciliando o saber acumulado e as suas potencialidades, possam constituir-se como integradores e polos dinamizadores de desenvolvimento das regiões onde se encontram inseridos. Um modelo que integre uma verdadeira responsabilidade social.
Uma mudança desta natureza levará, sem dúvida, a equacionar também a atual organização da gestão portuária. Uma maior integração e participação na região, leva à necessidade de, em idênticos moldes do que se passa em muitos portos europeus, o Conselho de Administração da Autoridade Portuária, para além dos membros executivos nomeados pelo Governo, ser alargado à participação de outras entidades e instituições regionais, embora numa forma não executiva, abrindo-se a possibilidade a que, entre outras, as Comunidades Intermunicipais e as Associações Empresariais possam indicar um seu representante.
Colocadas as coisas nesta perspetiva, decerto terá lugar uma nova abordagem sobre os investimentos portuários, aliviando-os de uma ótica estritamente empresarial, privada e lucrativa, tendo um maior peso a sua essência pública, com o foco mais nos efeitos polarizadores do desenvolvimento das suas regiões e menos no interesse de remunerar o acionista.
JOSÉ ANTÓNIO CONTRADANÇAS
Economista (ex-Administrador Portuário)