Introdução
“O Futuro Começa Agora” é um oportuníssimo título de um texto publicado no Semanário Expresso de 31 de Dezembro último, escrito por António Costa e Silva, Professor/Gestor, Consultor responsável pela “Visão Estratégica para o Plano de Recuperação Económica de Portugal 2020-2030”, onde o Autor reflete sobre o futuro e os sinais de esperança para o nosso País.
Na sua opinião, são cinco os sinais que podem e devem mobilizar os Portugueses para um desígnio coletivo em que, “combinando entusiasmo e conhecimento”, (palavras suas), Portugal lute por patamares de desenvolvimento sustentado, onde consigamos “fazer com que a esperança e a história rimem de novo”, na expressão do poeta irlandês Seamus Heaney que o Professor/Gestor cita no seu texto.
Dos cinco sinais, houve um, o terceiro, “das competências funcionais do País”, que chamou a minha atenção. António Costa e Silva, neste sinal, confronta-nos com uma realidade dupla da nossa vivência coletiva, a que sou sensível, uma realidade de extremos, em que, no desempenho e ao mesmo tempo, os Portugueses são capazes do melhor e do pior.
Por um lado, somos capazes da excelência, como mostra um estudo da Universidade de Harvard, citado no texto, em que Portugal, no período entre 2002 e 2017, esteve na vanguarda de novos produtos (12.ª economia mundial neste ranking), mas, por outro lado, no mesmo tempo, somos incapazes da excelência, como mostra o desenvolvimento do País em que “não podemos ignorar que de 2000 a 2020 o crescimento económico foi de 0,35% ao ano, o que é uma vergonha nacional”, como escreve, e bem, António Costa e Silva.
Temos, portanto, em simultâneo, o melhor e o pior do desempenho!
“Onde falhamos?” interroga-se o Autor e logo nos responde que o motor está a falhar “Nas competências institucionais, na continuidade e sabedoria das políticas públicas, na qualidade média da gestão das empresas, na pouca atenção ao marketing integrado dos produtos e à criação de marcas globais, na fraca atenção à internacionalização das cadeias de valor e à subida nessas cadeias.”
No caso dos Portos Portugueses do Continente, neste momento, é legítimo questionar se não será parte disto que está a acontecer com a Transição Digital, avaliada pela implementação da sua ferramenta chave, a JUL – Janela Única Logística, que está com significativos atrasos.
1 – A JUL – Janela Única Logística
Sob a coordenação da DGRM, há uma boa Equipe Técnica a trabalhar na implantação da Plataforma Digital (o melhor), mas, em simultâneo, há um modelo de Governance da JUL que se afigura desajustado, refletindo falhas de competência institucional (o pior).
Neste contexto, continuamos a advogar a criação de uma Direção Logística no Ministério de Pedro Nuno Santos, com a Equipe da DGRM, que assuma a Transição Digital Portuária.
Logo no início desta legislatura, mal se conheceu a estrutura orgânica do XXII Governo Constitucional, aplaudimos a integração dos transportes e dos portos numa única Tutela, as Infraestruturas e a Habitação, mas levantamos dúvidas sobre a permanência da JUL na DGRM, no âmbito do Ministério do Mar, pois seria sempre uma peça deslocada do xadrez da Logística, cuja iniciativa de jogo passava agora para outra Tutela, o Ministério das Infraestruturas e da Habitação, nas mãos de Pedro Nuno Santos.
A JUL é Logística, pura e dura, e assim, entende-se que a sua implementação na Cadeia Logística, nomeadamente, nos Portos Portugueses do Continente, por coerência de propósitos, dará melhores resultados inserida no Ministério que Tutela os Transportes e os Portos do que dá na solução orgânica atualmente existente, no Ministério do Mar.
Neste contexto, continuamos a advogar a criação de uma Direção Logística no Ministério de Pedro Nuno Santos, com a Equipe da DGRM, que assuma a Transição Digital Portuária.
Como não é esta a realidade, o modelo atual de Governance gera uma dúvida incómoda: até que ponto a sua circunstância gera como resultado o arrastamento dos calendários de execução da JUL para além do razoável, podendo apontar-se, em coerência de raciocínio, como um exemplo vivo da simbiose entre o melhor (a arquitetura da plataforma e os recursos humanos afetos) e o pior (a competência institucional).
Certo é que os significativos atrasos da sua implementação, ainda na mesma linha de pensamento, deixam o desconforto de se sentir que estamos a falhar na Transição Digital nos Portos Portugueses do Continente!
Em 13 de Dezembro de 2017, já lá vão mais de três anos, no Auditório da DGRM, em Lisboa, houve uma reunião com a participação de todos os Atores relevantes na Cadeia Logística para apresentar o projeto da JUL – Janela Única Logística.
Nesse dia, ficou dado o tiro de partida para a maratona digital que se iria correr, a implementação faseada da JUL nos Portos Portugueses, e, ao mesmo tempo, num entusiasmo forte, era anunciado o ano de 2018 para concluir o Projeto, isto é, para percorrer os 48,195 km de comprimento do percurso, usando a maratona física como metáfora.
De igual modo, nesta reunião, foi definida a ambição para o Projeto, uma ambição generosa, como convém quando queremos competir no Mapa Mundial de Portos. Assim, explicitando a abrangência esperada para a JUL, ficou escrito na Ata da reunião, sob o titulo “Descrição da Medida”, o seguinte:
“Implementar a Janela Única Logística que, como evolução e extensão natural da Janela Única Portuária, alargará a gestão dos fluxos de informação a toda a cadeia logística, simplificando e desmaterializando procedimentos, a todos os meios de transporte terrestres e na ligação aos portos secos nacionais e espanhóis até Madrid.”
Porém, chegados a Janeiro de 2021, um pouco mais de três anos depois da partida e dois anos depois da chegada anunciada, 31 de Dezembro de 2018, a implementação da JUL continua a fazer-se de forma lenta, se não mesmo de forma muito lenta.
2 – A JUL no Porto de Leixões
No caso do Porto de Leixões é incompreensível o atraso, uma vez que está escrito, logo no 1.º ponto da referida Ata, sob o título “Resumo da Reunião”, “que o projeto irá melhorar e implementar em todos os portos o modelo da integração com a ferrovia que já está a ser testado no Porto de Sines e o modelo de integração com a rodovia que está a ser testado no Porto de Leixões”.
Sines e Leixões seriam, portanto, os dois primeiros Pilotos da implementação da JUL, foi, então, anunciado!
Todavia, a JUL, nos seus propósitos, como se viu acima, vai muito para além disto e Leixões tem, neste domínio, ambição forte e competências técnicas de excelência para a assumir.
… apesar destes recursos continuarem por Leixões, aflora-se-nos um sentimento de grande incompreensão o facto da implementação da JUL estar substantivamente atrasada neste porto, não obstante os três anos decorridos após ter sido anunciada.
Contudo, se, em Leixões, a integração com a rodovia ainda não está feita, apesar de anunciada na partida há um pouco mais de três anos, cabe perguntar quando é que, neste porto,
- se fará a extensão da JUL à cadeia logística multimodal,
- teremos um programa extensivo de sensorização no porto,
- teremos acesso a bases de dados abertas,
só para citar alguns exemplos das expectativas que vão por aqui, para já não falar na Automação e na Robótica ou na aplicação de conceitos de Internet of All ou de Physical Internet, hoje tanto em voga.
A APDL tem um objetivo muito forte, de amplitude logística, para o Porto de Leixões, ligá-lo com os Portos Secos, o que se aplaude com entusiasmo, mas isto obriga a uma perseverança equivalente no domínio digital, igualmente forte, avançando, sem hesitação, com o conceito “Extended Gateway”, à velocidade que a Cadeia Logística moderna impõe e que Leixões necessita, mas que a JUL não está a acompanhar.
De há duas décadas para cá e até há poucos anos, as competências de Leixões, neste novo ambiente tecnológico, fizeram deste porto uma vanguarda. Lembramo-nos bem do Piloto aqui ensaiado, há talvez uma década, de uma Plataforma Digital MarketPlace numa altura em que, neste campo, estava disseminada muita iliteracia.
Neste contexto, apesar destes recursos continuarem por Leixões, aflora-se-nos um sentimento de grande incompreensão o facto da implementação da JUL estar substantivamente atrasada neste porto, não obstante os três anos decorridos após ter sido anunciada.
Entretanto, quase todos os portos portugueses têm publicitado a implementação da JUL! Mas não é essa preocupação mediática que nos move no Porto de Leixões!
A JUL, saindo do estrito âmbito do porto em complemento da JUP, penetrando no corredor multimodal, num processo em permanente evolução, integrador de todos os fluxos de informação gerados pela cadeia logística, num Universo amplo cujo limite é o destino final da carga, pela sua natureza permite a qualquer porto anunciar a sua entrada em atividade, em qualquer momento da corrida, seja quando estão percorridos meros 300 m da maratona, ou, então, alguns 3000 m, tudo dependendo da ansiedade publicitária de cada porto.
Neste Tema, o Porto de Leixões, na sua estratégia de comunicação, tem optado por uma atitude discreta, evitando anúncios exaltantes de arranque do Projeto, mesmo quando é a Ata primordial a fazê-lo.
Concorda-se com esta posição!
A postura de prudência do Porto de Leixões, nesta matéria, não se deixando impressionar pelas iniciativas mediáticas de outros portos, é de sublinhar, já que, pior que os atrasos da implementação da JUL, serão os danos causados ao porto por infundadas expectativas positivas criadas junto dos Atores Logísticos, que não estão parados no capítulo da Transição Digital.
Todavia, a prudência não pode afastar-nos da exigência!
Se Portugal pretende intervir no desenho de novas geografias logísticas (deve!) e “fazer com que a esperança e a história rimem de novo”, na expressão do poeta irlandês Seamus Heaney, acima citado, tem de colocar, de forma efetiva, a JUL no topo das prioridades da Governance Portuária.
O Porto de Leixões, no que lhe concerne, exige-o, permita-se a força da palavra, uma vez que está localizado na linha de fronteira entre as Regiões Norte e Centro de Portugal, as duas regiões do País com mais baixo rendimento per capita (Ano 2018: RN/€11 829, RC/€12 652, PT/€13 348), e, como consequência, tem responsabilidades para com elas, uma vez que serve como uma poderosa ferramenta de alavancagem do desenvolvimento de ambas e que bem necessitam.
Mas o Porto de Leixões só pode continuar a servir as duas Regiões, com consistência, se estiver em concordância com as exigências da logística moderna, isto é, se fizer uma Transição Digital no tempo certo que, infelizmente, já não é de agora, mas de ontem.
Nestas circunstâncias, em Leixões, a Transição Digital transforma-se numa necessidade de sobrevivência do porto, onde a capacitação técnica não falta, mas a Governance Centralizada da JUL, em Lisboa, parece vacilar.
Mas quem não vacila são os Atores da Cadeia Logística! Avançam com a construção das suas Plataformas Digitais na firme convicção que redefinirão, a seu favor, as relações de poder no Negócio Logístico.
3 – A JUL, a Tradelens, a ALICE e os Portos Portugueses do Continente
Vale a pena visitar os “sites” das Plataformas Digitais Tradelens e ALICE para captar os seus objetivos e as suas dimensões!
A primeira, a Tradelens, de iniciativa conjunta da IBM e da Maersk, agrega, hoje, Atores relevantes da Cadeia Logística como companhias 3PLs, Transportadores Terrestres, Portos e Terminais, Armadores, Alfândegas, constituindo “an interconnected ecosystem of supply chain partners to accessing a supply chain and logistics network with data coverage of over half of global container shipping volume” (transcrição do “site”).
Os mais relevantes Ocean Carriers, que utilizam os Portos Portugueses, fazem parte deste ecossistema!
… a sua [da JUL] marcha lenta de implementação pode estar a determinar os Portos Portugueses do Continente num sentido inverso, deixando-os à mercê da Tradelens e da ALICE, dos seus proprietários, que não hesitam seguir os seus calendários, impondo os seus padrões, em potencial risco geoestratégico para Portugal.
Mas dele fazem parte, também, os Portos de Bilbau, de Algeciras, de Valência e de Barcelona.
Fazem, igualmente parte do ecossistema a Yilport (Holding) e a PSA, os Concessionários dos nossos principais Terminais Portuários de Contentores.
A segunda, a ALICE – Aliance for Logistics Innovation through Collaboration in Europe, da iniciativa da própria União Europeia, “is set-up to develop a comprehensive strategy for research, innovation and market deployment of logistics and supply chain management innovation in Europe” … “Estimates put the share of the logistics industry in the gross domestic product of Europe at close to 14%” (transcrição do “site”) .
Os Portos de Algeciras, de Valência e de Barcelona também são membros desta Plataforma Europeia.
Estes três portos, em contentores, têm liderado as portas marítimas de acesso á Península Ibérica, onde os Portos Portugueses do Continente, legitimamente, querem ter uma oportunidade.
Todavia, a legitimidade conquista-se! Não é uma dádiva de eloquentes narrativas!
As Plataformas Digitais,
- JUL, de iniciativa do Estado Português,
- Tradelens, de iniciativa da IBM/Maersk, e
- ALICE, de iniciativa da União Europeia,
são três pilares que, pela sua envolvente, determinarão a Transição Digital nos Portos Portugueses do Continente.
A JUL já está a fazê-lo como Plataforma Estatal que é, como lhe compete, mas a sua marcha lenta de implementação pode estar a determinar os Portos Portugueses do Continente num sentido inverso, deixando-os à mercê da Tradelens e da ALICE, dos seus proprietários, que não hesitam seguir os seus calendários, impondo os seus padrões, em potencial risco geoestratégico para Portugal.
No momento em que o Estado Português assumiu e, porventura bem, a construção de uma Plataforma Digital para os Portos Portugueses, tem de estar consciente que assumiu, ao mesmo tempo, o compromisso da sua implementação em calendários de eficiência e de eficácia que nos voltem a conciliar com o tempo e torne possível “fazer com que a esperança e a história rimem de novo”, mencionando mais uma vez o poeta irlandês Seamus Heaney.
4 – Concluindo
Em jeito de apontamento final, naquilo que concerne aos Portos Portugueses do Continente, e para que, em Portugal, “a esperança e a história rimem de novo”, é necessário abrir caminho à disseminação de uma cultura de desenvolvimento que favoreça a implementação adequada da JUL, pelo que, do texto de António Costa e Silva, retiro três frases que devem suscitar a nossa reflexão:
- “Vamos ter uma economia mais digital e sustentável”.
- “(Dispensamos) fraca atenção à internacionalização das cadeias de valor e à subida nessas cadeias”
- “O País precisa de descentralizar as decisões e descentralizar o crescimento”.
Tomando a liberdade de adaptar aos Portos Portugueses do Continente a frase com que o Autor intitulou o seu texto, que serviu de referência, direi que nos PPC O FUTURO COMEÇOU ONTEM!
JAIME H. VIEIRA DOS SANTOS
Presidente da Direcção
Comunidade Portuária de Leixões
Concordamos em absoluto com as observações aqui espelhadas, aliás como tem dado conta deste problema em variadíssimas intervenções.
Relativamente à questão da Logística ser encarada como transversal a vários organismos governamentais, tem referido muitas vezes a necessidade de se encontrar forma de Portugal ter uma Secretaria de Estado da Logística, ou em alternativa uma Direção Geral da Logística que deveria depender do Ministério das Infraestruturas.
A direção do Porto de Leixões ou outra direção de qualquer porto nacional não pode lutar e bem para expansão dos seus terminais, como está acontecer neste momento tendo sido bloqueada na Assembleia da República, e deixar para trás a componente digital na logística. Aliás devo dizer que ambos investimentos têm que andar “de mãos dadas” ou Leixões cai para a 2a divisão a nível nacional e para a 3a divisão a nível Ibérico na concorrência com a Galiza/ Espanha