“Digitalization is by its nature disruptive,
so the Transformation needs to be disruptive as well”
[Digital transformation of maritime logistics: Exploring trends in the liner shipping segment] (1)
“O contexto tem funções explicativas para favorecer a compreensão, não tem funções justificativas”
(artigo de opinião da ensaísta e historiadora Irene Flunser Pereira, no Jornal Público, em 2 Nov 23)
O Daily Service da Maersk (2011-2015)
(O Contexto Parte I)
“The industry today is constantly being disrupted by ever-changing consumer preferences and new technologies. Customers demand innovative products, which means producing a wider range of goods at higher volumes quickly. In developing markets, consumers are also spending more, which raises the call for an expanded supply chain.” (Maersk site / Jun 2023)
“In 2022 Statista reported that 41% of shoppers around the world want their order within 24 hours, while 24% expect to receive their goods in a mere two hours or less.” (Maersk site / Jun 2023)
1. O Daily Service, um Conceito: “absolute reliability, 100%”
Neste enquadramento do Mercado, desafiando a circunstância do Transporte Marítimo de Contentores (TMC) conviver mal com a pontualidade (aproximadamente um terço das escalas sofrem atraso) a Maersk, em 2011, numa atitude diferenciadora, notável, lançou o Daily Service (DS) entre a Ásia e a Europa oferecendo “absolute reliability, 100%”.
O “schedule delay” no TMC é um facto, os dados não desmentem, logo no quinquénio anterior ao lançamento do DS se constatava “according to the statistics provided by Drewry (2010), schedule delay in the container liner shipping industry averaged 32–54% from December 2005 to June 2010”(1). Doze anos depois, em 2023, continua a verificar-se o “schedule delay”; por exemplo, em Julho passado, depois da Covid-19, mais de um terço das escalas continuavam com atraso, 35,83%(2), um valor ligeiramente superior ao de Janeiro 2020, 31,5%(2).
Ao mesmo tempo, vivemos uma existência apressada que não se encaixa na “schedule unreliability”, mas, no seu contrário, na “schedule reliability”, convidando o Transporte Marítimo (TM) a confrontar-se com esta realidade!
Vivemos condicionados por calendários exigentes! Há datas para tudo, ou quase tudo, e, em especial, para comprar (o dia da Mãe, o dia do Pai, o dia de … a Black Friday, a Páscoa, o Natal, tudo aceleradores da Cadeia Logística). É o paradigma das Sociedades Modernas que olham para o rigor do Planeamento e para a dinâmica do Mercado como caminhos para a sua prosperidade!
“With more and more ways to buy, customers have high expectations when it comes to their retail experiences. In 2022 Statista reported that 41% of shoppers around the world want their order within 24 hours, while 24% expect to receive their goods in a mere two hours or less.” (Maersk site / Jun 2023)(3)
Nestas condições, o TM não pode continuar a ser “schedule unreliable” sob o risco de se afundar. O DS parecia ser a solução!
Porém, não obstante a virtude, o DS terminou em 2015, durou 4 anos, um período efémero que surpreendeu, porque o DS parecia ter consubstanciado, tudo, o que faria deste serviço uma solução de sucesso do Transporte Marítimo de Contentores (TMC), em longa distância:
- absolute reliability, 100%
- increased its share of the very competitive Asia-Europe trade from 21% to 25% six months after the launch of the new service (Leach, 2012).
(A. Zhang, Zhichao Zheng, C. Teo, “Schedule Reliability in Liner Shipping Timetable Design: A Convex Programming Approach”, publicado, em 2020, na Social Science Research Network)
No entanto, esta aposta da Maersk falhou, mas nem por isso deve deixar de ser avaliada como um “case study” sobre o qual vale a pena refletir, pois pode ajudar a Indústria Marítima (IM) a repensar o seu futuro, além de que é provável que o conceito não esteja definitivamente encerrado e, no tempo, lá mais para a frente, noutro contexto, com a Maersk ou com qualquer outro Armador, possa surgir alavancado, desta vez, no novo ambiente tecnológico subjacente ao Algoritmo, os Ecossistemas Digitais (ED).
A. Zhang, Zhichao Zheng, C. Teo, citados atrás, talvez porque acreditem que o DS não está morto, pelo menos no seu conceito, inspiraram-se nele para nos propor à reflexão o seu interessante texto “Schedule Reliability in Liner Shipping Timetable Design: A Convex Programming Approach”, publicado, em 2020, na Social Science Research Network, ilustrativo da importância económica e cultural dos temas “the schedule unreliability” e “the schedule reliability”.
A IM, operando num Mercado exigente sobre a Pontualidade, vai ter de repensar o seu futuro porque não pode continuar a oferecer “the schedule unreliability”.
A IM vai ter de fazer uma análise profunda do seu Ecossistema, pelo menos em duas vertentes, uma física e outra virtual:
A (vertente física) – Desde logo, avaliar a capacidade mais adequada dos navios em serviço, nomeadamente no corredor Ásia-Europa, onde o DS falhou, ponderando,
i) entre continuar a oferecer ao Mercado unidades com a capacidade de transporte na franja dos 24 000 teus, os ULCV – Ultra Large Container Vessels, uma oferta baseada no conceito de economias de escala, nem sempre conseguidas, mas com taxas de “the schedule unreliability” insustentáveis no mundo moderno.
ii) e, pelo contrário, passar a oferecer-nos navios com capacidade de transporte inferior (por exemplo, os Pós Panamax na banda dos 5 000 / 14000 teus), abrindo o leque de portos utilizáveis, e, por este facto, criando condições para garantir taxas de pontualidade “absolute reliability, 100%”.
Na realidade, pode dizer-se que a questão é saber se, para o efeito, a IM vai, ou não, continuar “a escalada da escala” da dimensão dos navios verificada na última década, entre os Maersk Triple-E, navios de 18 000 teus, e os MSC Irina, Loreto e Michel Cappellini, navios de 24 346 Teus, um incremento forte capacidade dos navios em 33%, isto, num período relativamente curto.
Para uma apreciação correta da economia dos ULCV, as economias de escala esperadas destes navios, no seaside, têm de ser confrontadas com as deseconomias provocadas no landside para, então, se avaliar o efeito líquido final da escala na Cadeia Logística, na sua dimensão “porta a porta”, se há, de facto, economias ou, antes, deseconomias de escala em toda a extensão do pipeline logístico e se o saldo é positivo ou negativo, aferindo, deste modo, o mérito do conceito e da sua aplicação aos ULCV.
A este propósito vale a pena visitar o artigo de Jitendra Bhonsle para a publicação Marine Insight:
“Port operators have faced challenges in handling these vessels, due to higher volumes discharged and loaded, resulting in increased dwell times and lower average productivity levels.
Further, studies conducted by various maritime agencies have found the existence of diminishing returns of scale, with lower economies of scale as vessel size increases.
Thus, given the operational challenges that they pose as well as the commercial risks, it seems unlikely that vessel sizes will get any bigger. We will see an increase in the number of mega vessels over the next 2 to 3 years but thereafter it is uncertain whether carriers will continue to invest in increasingly bigger vessels.(4)
Na mesma linha, questionando os ULCV, aponta um estudo da OCDE (OCDE/ITF 2015) que conclui que “the most flexible and profitable vessels – in terms of their accessibility to ports and markets to be served – are in the range of 5500 and 6500 TEUS.
Também Enrico Musso e Anna Sciomachen, em trabalho de 2019 para a Maritime Economics & Logistics Review, escreveram:
“To many, it becomes increasingly clear that the grow in containership sizes is dictated above all by economies of scale at sea, with disregard to operational matters and diseconomies in ports (Tran and Haasis 2015, Haralambides 2019)”.(5)
B (vertente virtual) – Mas, a IM tem, ainda, de ponderar (de se interrogar), sobre o seu Ecossistema Digital, a sua conformidade com o Mundo contemporâneo das redes de comunicação e de informação, cada vez mais abertas e menos personalizadas.
O ED tem de estar focado no cliente, tem de ser absolutamente colaborativo, envolver todos os Atores, mesmo os concorrentes, gravitar numa escala de negócio de grande espectro (aqui, sim, a escala!), centrada no cliente, oferecendo-lhe soluções logísticas múltiplas, muito para além do vulgar serviço ao cliente ou do marketing direcionado, e para o qual (ED) os dados são o seu motor determinante.
Neste contexto, os dados resultantes da recolha de informações associadas aos processos, às transações e, por excelência, aos clientes (o excedente comportamental de Shoshana Zuboff tratado na sua obra “A Era do Capitalismo de Vigilância) são peças chave, decisivas dos Ecossistemas Digitais.
Cabe pois perguntar se o DS (o conceito absolute reliability, 100%), estava suportado por um Ecossistema Digital suficientemente robusto e aberto, de grande espectro e, apesar disso, colapsou, ou, então, ao contrário, se assentava apenas em soluções digitais tradicionais, centradas nos processos e na operação.
Infelizmente, o DS parece não ter beneficiado de uma plataforma de serviços de computação diferente daquela em que os demais serviços da Maersk se integravam, apesar da solução de negócio, inovadora, que representava.
De facto, a primeira plataforma de grande envergadura patrocinada pela Maersk, em parceria com a IBM, a TradeLens, apareceu, só, em 2018, para ser desativada um pouco mais à frente, sendo, no entanto, o seu espaço ocupado, com o mesmo espírito, pela DCSA – Digital Container Shipping Association, que surgiu em 2019, oito anos depois do início do DS, e com o objetivo de “help the container sector to become digital natives”.(1) [The end of TradeLens’ platform doesn’t mean the end of their bold vision. (DCSA site)].
Neste sentido, lê-se no “site” da própria DCSA que “At DCSA, we envisage a digitally interconnected container shipping industry in which customers have a choice of seamless, easy-to-use services that provide the flexibility to meet their business and sustainability goals.”
Contudo, alguns autores chamam à atenção que “the maritime logistics industry … can hardly be characterized as a forerunner in digitalization”.¹
Nestas circunstâncias, terá sido o Daily Service um projecto fora do seu tempo, um projeto prematuro, lançado numa altura em que a Transformação Digital na Indústria Marítima seria, ainda, incipiente (Conservative Digital) para acolher este Serviço e o conceito que lhe estava associado?
Voltar-se-á a este assunto na Parte II – O Daily Service e a Transformação Digital, a publicar em breve.
No entanto, antecipando argumentos, diga-se, desde já, que, no Mundo Novo dos Ecossistemas Digitais, há “Novos Armadores!” a despontar, que emanam deles (ED), nativos digitais, são os Carregadores do E-Commerce que desenvolveram Galáxias Digitais de larga amplitude e colocaram a Pontualidade no foco do negócio.
A título de ilustração dos ED, refira-se que o Ecossistema da Amazon é constituído por 43 “Subsidiaries Amazon” focadas no cliente, num amplo cabaz de múltipla oferta. A Amazon é um exemplo de quem se assume como um Novo Transportador Marítimo, centrado na “schedule reliability”, porque é o seu “core business”, sem recusar, contudo, o Transportador Marítimo Tradicional, mas nos seus Padrões de Serviço (da Amazon).
Tudo isto exige, obviamente, um profundo debate na “Shipping Industry” que terá de evoluir rapidamente do seu tradicional estado de espírito conservador para uma atitude mental muito dinâmica e aberta, que lhe permita a adaptação rápida à performance do Mercado, em evolução constante e acelerada.
Há uma Nova Cultura Emergente ditada por novos pressupostos onde desponta a questão fascinante da deslocação do conceito de economia de escala do contexto físico, que conduziu aos ULCV, para o contexto virtual, que conduzirá (já conduziu nos Nativos Digitais!) às Plataformas Digitais e aos respectivos Ecossistemas Digitais.
Em forma de conclusão, refira-se que a experiência do DS deve ser visitada, nos seus propósitos, no seu mérito desafiador do “status” e, particularmente, nos factores do seu insucesso, por ser capaz de fornecer caminhos para a Transformação Digital Disruptiva que a IM necessita de fazer.
A análise daquilo que se passou com o DS justifica-se, ainda, neste novo contexto digital, apesar dos oito anos que decorreram desde o fecho do serviço, pois a realidade atual parece ir ao seu encontro, há um Mercado da Distribuição Novo que não recusa assumir-se como “Carrier”, apoiado no Algoritmo, no ED, reinventando-se nos seus processos e no seu modelo de negócio, e que faz da Pontualidade “um driver”, ou seja, a “absolute reliability, 100%”, o desígnio do “Daily Service”.
“Time is Money”, lá diz o aforismo!
E há a pressão dos “Shoppers” (insiste-se)
In 2022 Statista reported that 41% of shoppers around the world want their order within 24 hours, while 24% expect to receive their goods in a mere two hours or less.” (Maersk site / Jun 2023)(3)
e há ainda
“Despite the benefits promised by DT (Digital Transformation), the shipping industry is reluctant to adopt new digital technologies and increase innovation (Sanchez-Gonzalez et al., 2019), when compared with the media, telecommunication, banking or retail industries.”(1)
Portanto, apesar do insucesso, o Daily Service deve ser tratado como “um case study”.
Na Parte II a publicar será abordado o Daily Service e a Transformação Digital.
Post-Scriptum – A Digitalização em Portugal
De acordo com o Digital Economy and Society Index (DESI) 2022, um indicador da evolução da Digitalização nos países da UE, no que diz respeito ao fator de desempenho de cada membro, nos últimos cinco anos, Portugal ficou pelo grupo do fundo, dos países “underperforming”, enquanto a Espanha, que disputa connosco o Espaço Logístico da Ibéria, está no grupo de cima, dos países “overperforming”.
A Indústria Marítima Nacional não pode acomodar-se a este quadro bafiento!
1.1. Informação de contextualização
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- The global e-commerce market in the consumer goods industry is valued at $355 billion in 2022” (7)
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- “A Alibaba com a quota de 24%, a Amazon com 13% e a JD.com com 10% ocupam o podium dos “leading e-retailers worldwide in 2021, based on GMV-Gross Merchandise Volume”(8)
- “In 2022, retail e-commerce sales(goods and services) were estimated to exceed 5.7 trillion U.S. dollars worldwide, and this figure is expected to reach new heights in the coming years, about 8.1 trillion dollars by 2026.”(9)
1.2. Referências
1)Digital transformation of maritime logistics: Exploring trends in the liner shipping segment por Zeeshan Raza, Johan Woxennius, Ceren Altuntas Vural, Mikael Lind in Computers in Industry / 2023
2)Average monthly schedule reliability of main container carriers from January 2020 to July 2023 / Statista 2023
3)Digitalisation of the retail supply chain for better customer experience (13June2023 / Victoria Campbell Communications Manager / Maersk site)
4)Evolution and Upsizing of Container Vessels By Jitendra Bhonsle / February 11, 2022 Maritime Law
5)Impact of megaships on the performance of port container terminals By Enrico Musso, Anna Sciomachen in Maritime Economics & Logistics 2019
6)Schedule Reliability in Liner Shipping Timetable Desidn: A Convex Programming Approach (A.Zhang, Zhichzo Zheng, C.Teo / Social Science Research Network 2020)
7)E-Commerce in Consumer goods by Global Data
8)E-Commerce market share of leading e-retailers worldwide in 2021, based on GMV/STATISTA 2023
9)Global Retail E-Commerce sales 2014-2026 (Published by Stephanie Chevalier Sept 2022 / STATISTA 2023)
JAIME H. VIEIRA DOS SANTOS
Ex-Gestor de Terminais Portuários