“Quando estamos nestas fases de transição, ou evoluímos ou corremos o risco de deixar de existir”
(Filipe Santos Costa, Presidente da AICEP em 27Jun 23)
A.P. Moller – Maersk (Maersk) and IBM today announced the decision to withdraw the TradeLens offerings and discontinue the platform.”
(do “site” da Maersk Press Release em 29Nov22)
DCSA-Digital Container Shipping Association
(Transforming the Container Shipping Industry;
The end of TradeLens’ platform doesn’t mean the end of their bold vision.)
(do “site” da DCSA em Dez2022)
“Amazon investe 91 milhões de euros em novo centro de IA generativa”
(de Karla Pequenino, título em jornal Público de 23Jun23)
1. Amazon – ou o Perfil de Um Novo Armador, em Perspetiva?
Karla Pequenino, colunista do jornal Público, assistiu à apresentação do centro de IA generativa da Amazon e, no seu oportuno artigo, dá-nos conta do que viu e ouviu. Refere que a exposição foi feita por Sri Elaprolu, o engenheiro que vai liderar o centro. Sri Elaprolu aproveitou e explicou o conceito: “enquanto a chamada ‘IA normal’ permite fazer previsões, otimizar produtos ou prever falhas em máquinas, a IA generativa permite criar conteúdo novo”.
Quase em simultâneo, em 21 de Junho passado, a Amazon Press Center sob o título “About Amazon” dava nota do seguinte:
“Amazon is guided by four principles:
- Customer obsession rather than competitor focus
- Passion for invention
- Commitment to operational excellence
- Long term thinking
Amazon strives to be Earth’s Most Costumer-Centric Company, Earth’s Best Employer, and Earth’s Safest Place to Work.”
Não se suscitando dúvida sobre o sucesso da E-Plataforma de Negócio no primeiro esforço, o mesmo já não se poderá dizer da glória nos outros dois! A contestação nos Estados Unidos sobre as suas políticas laborais é muito intensa, e quanto ao “Safest Place to WorK”, o perfil da empresa, fortemente empenhada no Algoritmo, não consente otimismo, não obstante a Amazon, numa década, a nível mundial, ter aumentado o número de colaboradores de 34 mil para 1 milhão.
Acrescente-se, relativamente aos Recursos Humanos, que no passado mês de Abril o SOC – Strategic Organizing Center, uma organização sindical, federação de quatro sindicatos americanos, deu conta que a “Amazon employs 36% of U.S. warehouse workers, yet is responsible for more than HALF of serious injuries in the industry. This isn’t rocket science; Amazon could fix its injury problem if it wanted to. Here’s a thread about what’s going on in their warehouses.”
No entanto, como exemplo do esforço da Amazon para ser “Earth’s Most Customer-Centric Company” – de que não se duvida sobre o sucesso – vale a pena reter algumas informações que Lauren Rosenblatt nos dá no seu artigo de 11 de Junho passado, no Seattle Times Amazon, sobre o Packaging Innovation Lab, em Sumner, no Estado de Washington, EUA:
“The Packaging Innovation Lab is one of Amazon’s efforts to reduce the considerable amount of pollution it generates”.
“It is part of a testing protocol that Amazon has set up to improve its packaging, aiming to reduce the amount of plastic, cardboard or other materials it uses to ship items. The ultimate goal, Mahler said, is to get rid of packaging altogether.”
“Amazon wants to stop putting a box in a box”
“Amazon says it delivers more than 10 million customer packages globally every day”
“Amazon had mastered the other two important parts of shipping – arriving on time and undamaged, … . So it could turn its attention to eliminating waste”.
Patrick Linder “the vice president of packaging and innovation” acrescentou: “If we aren’t doing those well [arriving on time and undamaged] and we´re not meeting customers’ expectations, then we never really get a chance to drive the sustainability piece”.
Pontualidade, Qualidade e Sustentabilidade, “um triplete” no percurso estratégico de sucesso, construído pela Amazon, passo a passo, focado na “Customer obsession rather than competitor focus”.
Em coerência, e em relação à Shipping Industry, lê-se no “site” da Amazon,
“Once the ships reach their destination, sometimes they have to wait … Some Amazon products are then loaded onto Amazon-chartered ships. These ships are typically smaller and can skip the port delays in Southern California in favour of smaller ports like the Port of Houston and the Port of Everett in Washington state.”((Amazon / pipeline do Orolay Coat (marca própria))”
2. Os Novos Armadores e os Armadores Tradicionais
Patrick Linder foi frontal e sem hesitações: se não formos ao encontro das expectativas dos clientes (entenda-se das Pessoas enquanto Consumidores) na entrega pontual e nos produtos sem danos, as duas partes mais importantes da logística, não poderemos prestar atenção ao processo para eliminar o lixo! Nada mais assertivo!
Ora o Shipping, focado na economia de escala, focado na competição entre pares, não tem colocado a pontualidade no lugar que o Mercado exige. Os números falam por si: em 2022, em pontualidade, os mais reputados Armadores de contentores não ultrapassaram as marcas de 56,4% (Maersk), 52,7% (MSC) e 50,5% (CMA CGM) do total das respetivas escalas; portanto, “o podium dos armadores de contentores” foi pontual, apenas, em pouco mais de metade das escalas dos seus navios! Isto é um absurdo quando se vive uma época talhada pela velocidade, uma circunstância a que a nova tecnologia imanente ao Algoritmo não é totalmente alheia!
Em Março último, Martin Placek, em artigo para a Statista (world provider of market and consumer data) dava conta que a
“Container carriers’ reliability decreased between January 2020 and January 2023. While 68.5 percent of container ships arrived on time in July 2020, only 52.6 percent of container vessels arrived without any delay to their destination in January 2023. This rise in delays, caused predominantly by the COVID-19 pandemic, has led some major retailers to charter container fleets of their own. Companies such as Target, Walmart, Home Depot, and IKEA have all chartered container ships to ensure that goods manufactured overseas reach their stores on time.”
Discorda-se de Martin Placek quanto à importância que dá à Covid na quebra de pontualidade dos navios. Obviamente que a pandemia perturbou, mas não foi essencial. Se assim tivesse sido “os Novos Armadores” (permitam que assim chame aos “major retailers”, afretadores de navios) não teriam recorrido ao afretamento para garantia da pontualidade na execução das “purchising orders” recebidas. “Os Novos Armadores” sentiram-se na necessidade de ocupar o lugar da Oferta para garantir a Procura nos seus pressupostos. De resto, em Janeiro deste ano a Covid-19 já não era notícia, deixando, mesmo, de ser considerada uma emergência sanitária global, um pouco mais tarde, em Maio último, e nem por isso a pontualidade das Linhas Tradicionais melhorou, “only 52,6%”.
Em 2019, por conseguinte antes da Covid, segundo a “eeSea” de Copenhaga, a melhor linha pontual, a ZIM, não o era em 35% das escalas. A Maersk, à data o maior Armador em contentores, falhava a pontualidade em 42% das escalas, valor alinhado com os 44% de 2022.
Embora não seja citada por Martin Placek, a Amazon foi um dos Carregadores que recorreu a frota própria (afretada) de navios e a portos de pequena /média dimensão (PPM) para evitar o congestionamento das Grandes Linhas e dos Grandes Portos. Como se disse atrás, para contornar o congestionamento do porto de Los Angeles, sempre que necessário, substituiu-o por alternativas a norte, em Houston ou Everett, no Estado de Washington, não obstante a sua grande superfície de concentração de carga nos EUA seja Eastvale, precisamente, em Los Angeles.
Mas outros Carregadores, menos sonantes, focados igualmente na pontualidade, adotaram políticas de recurso ao afretamento de navios panamax ou, mesmo, sub-panamax para ligações oceânicas, que facilitassem o acesso a PPM, condição para ser pontual. Foi o caso de alguns Carregadores do Bangladesh que, para proteger as suas exportações de algodão para Itália e para a Península Ibérica (Barcelona), passaram a utilizar navios sub-panamax, afretados. Diga-se que Leixões foi convidado pelo porto de Chittagong para estabelecer um protocolo para o estudo de uma conexão entre os dois portos, mas sem sucesso, até agora, por dificuldade difusa do lado português. Esperemos que Leixões não tenha sido ultrapassado por Barcelona.
“Os Armadores Tradicionais” encerraram-se nas Economias de Escala, no Slow Steaming e nas Alianças (cost obsession), focaram-se na Oferta (neles próprios!) e fizeram do frete o “driver” do negócio. Afastaram-se da Procura (do Mercado!), percebendo tarde, pela mão dos Carregadores Digitais (com a Amazon à cabeça), que aquela tinha recuperado o eixo determinante das soluções logísticas.
Digamos que estes são os “Novos Armadores”, são Carregadores focados na Procura e que fazem da Pontualidade o “driver” do seu negócio. Acresce, porém, que já não são só os Carregadores E-Commerce a interiorizar a cultura logística assente na Pontualidade. Como vimos, Carregadores offline (do Bangladesh, p.e.) também se juntaram “à nova onda da velha cultura”. A história está cheia de exemplos de relatos sobre soluções logísticas em que a pontualidade não foi respeitada! Quem compra quer os bens na hora!
Mas a mudança vem, igualmente, de dentro dos Armadores Tradicionais. A China United Lines (CULines) no seu “site” informa o seguinte:
“Entering mid-2022, CULines launched TP 2.0 version, signing a long-term agreement with LA TraPac terminal(Trans Pacific Container Service Corp.) in May and obtained dedicated berths. CULines also deployed seven 4250 TEU vessels to upgrade the TPC service (South China-West U.S.) to weekly basis with fixed departure dates, and obtained long-term agreement supports from the U.S. e-commerce giant Amazon. The welcome ceremony was held at LA TraPac on May 27th.”
Temos pois: a) um navio panamax no TPC service, b) um serviço semanal com data fixa de partida, c) o suporte da Amazon d) em Los Angeles f) com as operações em cais dedicado no TraPac Terminal em Wilmington!
Por último, refira-se que a entrada da Amazon na bacia de Londres fez-se por Swansea, um porto do País de Gales, um PPM, longe dos rankings dos grandes portos.
No “site da Amazon Jobs lê-se:
“Sobre Swansea
O que é bom saber
Não há dúvidas de que Swansea é um excelente local para se viver e trabalhar. Com os espetaculares oito quilómetros de extensão da orla de Swansea (perfeita para cavalgar e caminhar) …
Centro de logística da Amazon
Nosso centro de logística aqui é amplo, com 74 mil metros quadrados, o equivalente a 11 campos de futebol.”
Na Logística, a mudança de foco no sentido da Procura está a fazer o seu percurso!
“Os Armadores Tradicionais” encerraram-se nas Economias de Escala, no Slow Steaming e nas Alianças (cost obsession), focaram-se na Oferta (neles próprios!) e fizeram do frete o “driver” do negócio. Afastaram-se da Procura (do Mercado!), percebendo tarde, pela mão dos Carregadores Digitais (com a Amazon à cabeça), que aquela tinha recuperado o eixo determinante das soluções logísticas.
Os Novos Armadores perceberam, melhor, que o Consumidor é ávido de produtos “na hora e sem danos”.
As palavras do CEO da Maersk, Soren Skou, falam por si:
“Amazon is a threat if we don’t do a good job for them”, o que quer dizer: se a Maersk não for eficiente e não for eficaz, nos termos da Amazon.”
Ora, as “E-Platforms” e as suas Galáxias Digitais facilitaram e impulsionaram a mudança do foco da atividade logística (portos incluídos, naturalmente) da Oferta para a Procura ou da Escala para a Pontualidade.
Apontando ainda a Maersk, lê-se no seu Report “The Changing Shape of E-commerce Logistics” de 2020, que:
- Long-term, COVID-19 is likely to accelerate the growth of online sales and omnichannel solutions and retailers need to be prepared to integrate e-commerce logistics into their business strategies.
- The priority for retail supply chains in the future is likely to shift away from cost towards resilience, flexibility, and sustainability
(The Changing Shape of E-commerce Logistics / Maersk em 2020)
Sublinhe-se
[retail supply chains] from cost towards resilience, flexibility, and sustainability
É neste ponto, nO RETAIL, que está o fulcro de toda a cultura logística, o olho do furacão que produz a energia que alimenta a Cadeia Logística, um sistema dinâmico e autorregulado que os Atores procuram controlar.
Os Armadores Tradicionais fizeram-no através das “Economias de Escala”, nos últimos 40 anos, durante o Ciclo da Produtividade e do Valor dos Portos, deixando, no entanto, aos Transitários e aos Operadores Logísticos a organização (coordenação) dos canais logísticos.
Por outro lado, os “Novos Armadores” procurarão controlar a Cadeia Logística, mas focados na Pontualidade, utilizando, para o efeito, as ferramentas digitais que lhes permitem otimizar o desempenho, e arrastando consigo os portos num novo Ciclo Portuário do Digital e do Green.
O filósofo Gilles Lipovetsky teoriza muito bem, na sua vasta obra, a ansiedade do consumidor, aquilo a que chamo a energia intuitiva acumulada no RETAIL e que emana ao longo de toda a Cadeia Logística. Gilles Lipovetsky designa por hiperconsumo o resultado da ansiedade do consumidor o que permite perceber como este conceito marca a cadeia logística, de que os Carregadores Digitais, os Novos Armadores, (mas não só!) se aperceberam.
O gigantismo dos navios (economias de escala) bloqueou-os nos poucos portos que utilizam! Ultrapassou-se o ponto de equilíbrio entre o input e o output! Além do mais, a concentração de carga contentorizada em alguns portos, os Hub, tem como consequência que “uma constipação” num dos Top-20 portos mundiais pode transformar-se “numa pneumonia” na economia mundial, permitam-me as metáforas!
Isto acontece porque os portos pequenos e médios (PPM), em primeira decisão, foram excluídos das Redes Marítimas de Serviço como consequência das escolhas condicionadas pelas “Economias de Escala”. Foram estes PPM que os “Novos Carregadores” começaram a descobrir para recuperar a Pontualidade como uma opção privilegiada do seu negócio, evitando “a pneumonia” ou, tão só, “a constipação” recorrendo, mais uma vez, às metáforas.
Isto é uma oportunidade para os PPC, desde que se integrem no ambiente digital que “os Novos Armadores” suscitam.
Em 15 de Fevereiro passado, no site da DCSA, lia-se que a “Digital Container Shipping Association (DCSA) today announces its nine ocean carrier members commit to 100% adoption of an electronic bill of lading (eBL) based on DCSA standards by 2030.”
É um objetivo generoso mas um quadro de 7 anos para a sua execução convive mal com a velocidade de desenvolvimento das ferramentas tecnológicas por parte dos Carregadores Digitais, de que os investimentos da Amazon, tanto no Centro para a IA generativa como no Packaging Innovation Lab, são uma prova; ambos vão revolucionar drásticamente a Cadeia Logística.
3. Notas soltas, mas a propósito:
1) Dados sobre a pontualidade dos navios nos últimos três anos:
(fonte: Statista 2023)
2) In 2020, about 1.85 billion metric tons of cargo were shipped globally, up from some 0.1 billion metric tons in 1980. Naturally, the global container fleet has grown in size as well. Between 1980 and 2020, the deadweight tonnage of container ships has grown from about 11 million metric tons to roughly 275 million metric tons. (by Martin Placek, May 4, 2022 in Statista)
Em 40 anos a capacidade de transporte dos navios de contentores multiplicou-se 25 vezes! Do navio de 3000 Teus em 1980 chegou-se ao navio de 24 000 Teus em 2021!
3) The touted economies of scale were not missed by competitors, which rapidly moved to order their own vessels, to avoid letting Maersk run away with its advantage. (Evolution and Upsizing of Container Vessels By Jitendra BhonsleFebruary 11, 2022Maritime Law)
O foco na Oferta! Competitor Focus! Not Customer Focus!
4) The pressure to lift utilisation levels and reluctance to lose market share to competitors have compelled carriers to engage in debilitating price wars, dragging rates further down, resulting in wafer-thin margins. (Evolution and Upsizing of Container Vessels By Jitendra BhonsleFebruary 11, 2022Maritime Law)
O foco na Oferta! Competitor Focus! Not Customer Focus! (repete-se!)
5) The higher capacity [mega vessels] means a lesser number of vessels, which has translated into lower calls. These factors impact the connectivity of a country/ port and hamper their competitiveness in international trade, thus directly impacting the EXIM community and consumers. (Evolution and Upsizing of Container Vessels By Jitendra BhonsleFebruary 11, 2022Maritime Law)
O foco na Oferta! Competitor Focus! Not Customer Focus! (nunca é de mais repetir!)
6) Zim Integrated Shipping was the most punctual carrier in 2019 with 65% of its services arriving on time, a full 7% ahead of second placed Evergreen who were closely followed by Maersk on 58%. (Janeiro 2020 by eeSea based in Copenhagen)
JAIME H. VIEIRA DOS SANTOS
Ex-Gestor de Terminais Portuários