“Together We Can Decarbonize Ocean Shipping”
“To Unlocking Zero-Emission Ships”
[Cargo Owners for Zero Emission Vessels (coZEV)]
Fonte: coZEV ROADMAP to 2040
“Temos de nos concentrar no calor, a ameaça mais premente e provável para a nossa terra e a nossa existência”
(James Lovelock in Novaceno, o Advento da Era da Hiperinteligência)
“As bombas atómicas acumulam-se nas fábricas, os polícias rondam as cidades, as mentiras jorram dos altifalantes, mas a Terra continua a girar em torno do Sol…”
(George Orwell in Some Thoughts on the Common Toad/1946)
[(da Parte I)
Agora, na fase Green da Cadeia Logística, o concurso (RfP), com a assinatura dos Carregadores reunidos na Zemba, tem todas as condições para ser o facto “insignificante”, transformacional, que, agindo como alavanca de mudança, tornar-se-á, também, “the beginning of a revolution” em que o objectivo é
“To Unlocking Zero-Emission Ships”
E não fará menos do que o contentor fez ao longo da segunda metade do século XX:
a mudança do paradigma logístico.]
3. A Procura (a ZEMBA) e a Oferta (The Shipping Lines) na Indústria Marítima
“Percebeu-se finalmente que o calor extremo afecta as economias”, disse Eleni Myrivili, Alto Quadro das Nações Unidas, Diretora Global para o Calor [United Nations Human Settlements Programme’s Chief Heat Officer (CHO)], em entrevista a Andréia Azevedo Soares, publicada com este título, no Público de 21 de Janeiro último. Na mesma entrevista, Eleni Myrivili precisou, ainda, os termos em que afecta as economias referindo-se “a quebras na produtividade, a acidentes de trabalho e a perturbações na cadeia de valor”. Mas falou também das perturbações na navegabilidade dos rios.
Nem de propósito, em Dezembro último, a imprensa noticiava que a “Seca no Panamá causa problema mundial” (UOL/22Dez23) devido a défice de água nos lagos Gatún e Alhajuela no Canal do Panamá, o que naturalmente afecta a passagem dos navios.
A este propósito, Cristina Papaleo, em artigo de opinião para a publicação Deutsche Welle (DW), deu nota das palavras, muito preocupantes, de José Cervantes, gerente geral do escritório do Panamá da agência de transportes marítimos Agunsa S/A, proferidas nos seguintes termos: “se formou um gargalo impressionante. Tivemos mais de 200 embarcações enfileiradas, esperando sua vez de cruzar o Canal”.
Alexander von Humbolt, geógrafo, naturalista, filósofo e explorador, natural de Berlim, viveu quase 90 anos, entre 1769 e 1859, lutou durante décadas junto dos Povos Americanos, a Norte e a Sul, para os convencer a construir o Canal do Panamá, com o argumento de que seria, para o Comércio Mundial, uma importante via de navegação marítima a ligar o Atlântico e o Pacifico. Falava, então, o geógrafo! Entretanto, em paralelo, o naturalista vivia preocupado com a forma como os Seres Humanos estavam a interferir com o clima e alertava que isso teria consequências para as gerações vindouras.
Quis o destino que, em pouco mais de 200 anos, neste século XXI, a premonição do naturalista Humbolt se viesse a abater sobre a obra glorificada pelo geógrafo Humbolt! Devido às alterações do clima, o Canal do Panamá não tem água suficiente para sustentar a navegação marítima que o utiliza!
O combate à emissão de gases com efeito estufa na atmosfera é um imperativo! “However, regular market forces alone will not trigger this transition” (“site” da ZEMBA)
A ZEMBA ambiciona “Efficiently demonstrate climate leadership”, lê-se no seu site, não deixando dúvidas que se assume como a “Game Changer Leader” da Cadeia Logística Green, “the leadership of a visionary integrator”, missão que o seu “site” não esconde:
“Organized efforts by a group of ambitious first movers are needed now, combined with strong public policy support that will be mobilized in part by calls to action from leaders in the private sector.
“Despite growing efforts across the shipping value chain, the vitally important demand side has – until now – been mostly silent on the need for maritime decarbonization. Yet multinational cargo owners are the freight customers whose business underpins the work of carriers, freight forwarders, shipping fuel suppliers, and port operators”.
Os Membros da ZEMBA que suportam o concurso (RfP) constituem um grupo de empresas com um grande poder de influência na Supply Chain, são companhias maioritariamente relevantes da “Retail Industry”, Offline and Online Commerce, e, por isso, têm capacidade para influenciar (liderar) a mudança do paradigma logístico. Estão mencionadas no quadro abaixo.
Durante a COP 28, em 1 de Dezembro, a ZEMBA viu o seu grupo reforçado com a entrada de novos aderentes, subindo de 24 para “35 freight buyers working together to drive ambition and action toward ZE ocean transport.” (site da coZEV)
Aderiram à ZEMBA a Mondelez International, a Pledge, a Reckitt, a REI Cop, a Flexport, a Meta, a Nestlé, a Royal Coffee, a Standing CT e a Trek Bikes.
Estes Novos Mercadores do Séc. XXI, beneficiando da perspetiva que lhes dá “o balcão da Cadeia Logística” sobre a sensibilidade das Pessoas, captaram a sua apurada impressionabilidade para as consequências desastrosas dos fenómenos climáticos extremos, derivados das alterações climáticas, e transformaram isso numa oportunidade de negócio.
Entretanto, o World Economic Forum, na reunião deste mês de Janeiro, em Davos, colocou os “extreme weather events” como a segunda preocupação mundial entre dez que elencou para os próximos dois anos o que reforça o objectivo da ZEMBA “to eliminate the climate impact of maritime shipping” (Site da ZEMBA)
Estes Carregadores, ao oferecerem soluções de transporte marítimo em “ocean vessels powered by zero-emission fuels”, caminharam no sentido das expectativas dos Seres Humanos sobre o “efeito estufa” e a forma de o eliminar, mas, além disso, deram um sinal inequívoco à Cadeia Logística da urgência em proceder à descarbonização do Transporte Marítimo de uma maneira consistente com o Acordo de Paris “to pursue efforts to limit the temperature increase to 1.5ºC above pre-industrial levels;” (Site United Nations / Climate Change).
É, assim, evidente que, nesta fase Green da Shipping Industry, a Procura na Indústria Marítima está a assumir a iniciativa, definiu objectivos de forma assertiva e sem hesitações e marcou o seu território na Cadeia Logística: “Yet multinational cargo owners are the freight customers whose business underpins the work of carriers, freight forwarders, shipping fuel suppliers and port operators”.
Sublinha-se a palavra “underpins” (sustenta/suporta) por aquilo que ela revela de manifestação de força que os “multinational cargo owners” transmitiram à Cadeia Logística, intencionalmente ou não. Pelo menos é o seu ânimo: “a group of ambitious first movers are needed now”!
Por coincidência, também durante a COP28 e, também, em 1 de Dezembro, a Oferta manifestou-se sobre a descarbonização do transporte marítimo no sentido de acelerar o processo.
Não obstante “The 2023 IMO GHG Strategy, adopted unanimously by Member States in July”, um Grupo de cinco “leading global shipping lines”, – assim se autodesignaram a Maersk, a CMA CGM, a MSC, a Hapag Lloyd e a Wallenius – pela voz dos seus Chief Executive Officers (CEO) “have issued a joint declaration at COP 28 calling for an end date for fossil-only powered newbuilds and urging the International Maritime Organization (IMO), the global regulator, to create the regulatory conditions to accelerate the transition to green fuels.” (Press release da Maersk)
O primeiro de Dezembro de 2023 transformou-se num curioso registo das movimentações, simultâneas, da Procura e da Oferta da Indústria Marítima, tendo como pano de fundo as “emissões zero” de gases com efeito estufa, nos navios. No entanto, entre a Procura e a Oferta, quanto aos seus objectivos para descarbonizar o transporte marítimo, há diferenças de velocidade que não são despiciendas.
Enquanto os Membros da ZEMBA, no seu concurso de Setembro de 2023, apelaram a “ocean vessels powered by zero-emission fuels”, já, as “leading global shipping lines”, na sua declaração conjunta de 1 de Dezembro, apelaram, apenas, para “an end date for fossil-only powered newbuilds” muito embora pressionem a IMO “to accelerate the transition to green fuels”.
Isto permite concluir que
- para os Membros da ZEMBA e para as suas cargas, o concurso (RfP) marca o inicio do processo da total descarbonização da Indústria Marítima num horizonte de 2040,
- para as “leading global shipping lines” a sua declaração marca, apenas, um apelo para a aceleração do processo de calendarização da total descarbonização dos navios num horizonte de 2050.
Dez anos de calendário separam a Procura da Oferta, neste domínio!
Os Novos Mercadores do Século XXI integraram o Ambiente no seu eixo de desenvolvimento, ao lado da Pontualidade, e, deste modo, no quadro da Cadeia Logística, construíram um edifício cultural com dois pilares essenciais para a sua estratégia de negócio.
Como consequência, na Indústria Marítima e, por reflexo, na Cadeia Logística em geral, há um quadro novo que se está a desenhar em que
the Shipping Industry evolui do Foco na Oferta para o Foco na Procura
podendo levar à substituição de Stakeholders, na liderança.
A dinâmica da Procura está em marcha, porventura acelerada, de que é um sinal o facto da visão transformacional na Cadeia Logística que a ZEMBA está a impulsionar já estar para além de si própria.
Por exemplo, a experiência do Grupo Lidl, outro grande distribuidor no mercado desde 1930, apesar de se desconhecer a sua ligação à ZEMBA, não deixa de seguir, do mesmo modo, aqueles dois pilares da estratégia de negócio: o Ambiente e a Pontualidade.
Neste contexto, não pode passar indiferente a reação do Grupo Lidl quer ao “encerramento” do Mar Vermelho devido à guerra no Médio Oriente, quer à extensão do EU ETS-Emission Trading System ao Transporte Marítimo “in all EU Member States”, a partir do passado dia 1 de Janeiro.
No primeiro caso, ordenou ao seu “Carrier Maritimo”, a Tailwind Shipping Lines, para afretar mais navios “to secure its shipments”, dada a maior distância a percorrer que a volta pela África impõe. No segundo caso, a Tailwind fez uma declaração de conformidade com o ETS que justificou pela necessidade de “…protecting the environment is a matter of great concern for us” (Site)
A Tailwind é uma Companhia de Navegação Marítima do Grupo Lidl com uma visão do negócio marítimo assente em três palavras: “Reliable, Simple and Together” (site). O seu perfil operacional está descrito no seu site da seguinte forma:
“two liner services from China and Bangladesh to Europe and back – quickly and reliably. This is why Tailwind focuses on routes with few port calls. By using smaller cargo ships that can transport up to 5 000 teu, the carrier can call at less busy ports near major trading hubs, which facilitates short turnaround times without delays. For Tailwind customers, this means short transit times for their goods.” (Site)
Desta transcrição, pela sua relevância, destacam-se quatro atributos, diferenciadores, da Tailwind que a caracterizam como uma solução dinâmica e intuitiva de transporte marítimo:
- Smaller cargo ships (5000/6000 teus com bandeira portuguesa)
- Call at less busy ports
- Short turnaround times without delays
- Short transit times for their customers
A ascensão destes “Novos Mercadores” do século XXI (a group of ambitious first movers) na Indústria Marítima, já tem reflexo na Cadeia Logística como sistema visto que está a torná-la menos estática e mais dinâmica, menos lógica e mais intuitiva, suportada por robustissimas plataformas digitais que minimizam o improviso.
Os PPC podem contribuir para alavancar a economia nacional, contribuir para a captação de empresas com uma importante vertente de comércio internacional e que necessitam do Transporte Marítimo para as aproximar dos Mercados, seja de abastecimento seja de colocação dos produtos acabados, mas, para isso, os PPC precisam de ser eficientes e eficazes e, além disso, precisam de ter um alinhamento perfeito com os valores que estão a marcar o presente no rumo do futuro: a cultura digital e a cultura ambiental.
No desenvolvimento do processo a informação é determinante, estrutura a autorregulação da Cadeia Logística na rotina e na adaptação, através da intervenção direta, e, ao mesmo tempo, fornece-lhe a base do conhecimento para a inovação, assente no pensamento intuitivo.
Os “Novos Mercadores” estão a cuidar da informação como nenhum outro Ator da Shipping Industry e isso dá-lhes uma vantagem não só para “Efficiently demonstrate climate leadership” mas também para assumirem o papel de “a visionary integrator” da Cadeia Logística.
Estes “Novos Mercadores”, como se disse na Parte I, já são referidos na Review of Maritime Transport de 2023 da UNCTAD, publicado em Outubro do ano passado, fazem parte do conjunto dos “new market entrants and operators … in logistics market, including in liner shipping”. A Review dá nota ainda, esclarecendo, que alguns não sobreviveram à realidade pós-pandemica (“small operators” identificados com as shipping lines) mas “others, more strategic in their approach, such as e-commerce platforms (e.g.,Amazon) … continue to operate”.
A UNCTAD informa também que a capacidade de transporte oferecida por estes “new market entrants and operators”, em todos os seu tráfegos, regionais e mundiais, cresceu em três anos, 2020/2023, de 5,5% para 16,8% da capacidade total disponível, a nível planetário, sendo que nas “deepsea routes” passou de 0,7% para 3,6%.
Pelo impulso de mudança que transpira destes “new market entrants and operators” não pode deixar de se sublinhar que
- Não sobreviveram “as shipping lines”
- Sobreviveram “as e-commerce platforms”
- Estas são “more strategic” !
Este é o quadro com que a Indústria Marítima vai ter de se confrontar, doravante! Aproximam-se tempos efervescentes para a “Shipping Industry”!
Nesta nova realidade, olhando para Portugal e sabendo-se que muitas das cargas movimentadas nos PPC são expedidas por Membros da ZEMBA, associação cuja Visão é, como se viu acima, “Together ZEMBA Members will:
Catalyze investments across the maritime sector,
o que podem oferecer os PPC? Estão preparados para o impacto?
4. Os Portos Portugueses do Continente (PPC) neste contexto
Nos PPC não se sente nem inquietação pela mudança dramática que este novo contexto indicia, nem frescura de pensamento que prenunciem políticas portuárias novas para os horizontes desafiantes que se adivinham.
Ainda recentemente vimos isto no Portugal Portuário, uma atitude de amolecimento, a propósito da extensão do EU ETS – Emissions Trading System ao Transporte Marítimo “in all EU Member States” a partir do dia primeiro deste ano, em que Portugal reclamou do calendário, em Bruxelas, solicitando o seu adiamento e fê-lo em documento assinado, em conjunto, com a Itália e a Grécia.
Não houve Visão do Mundo no pedido de adiamento do calendário!
O Tripleto argumentou em favor da sua causa, o seguinte:
- “a clear competitive disadvantage for European ports, particularly those in Europe which compete with many North African ports.
- a definite risk that the traffic rerouting policies that commercial operators adopt will paradoxically have the undesirable effect of increasing GHG emissions.”
(Anexo à nota 13928/23 do General Secretariat of the Council para as Delegações em 10Out23)
Qualquer destas justificações afigura-se frouxa, desconfortável, talvez até, pouco rigorosa, uma vez que nem o Norte de África dispõe de capacidade em infraestruturas portuárias para receber “do dia para a noite” a deslocação do tráfego dos portos do Sul da Europa que viesse a ocorrer por uma debandada geral (a três) dos navios contra o EU ETS, nem é provável que haja “traffic rerouting policies” por parte das Shipping Lines dado que uma rede de transporte tem rigidez suficiente, carece de agilidade, para um movimento deste tipo, no curto prazo, com sucesso.
É conveniente lembrar que os 35 Membros da ZEMBA formam uma constelação de empresas clientes dos PPC, em medida maior ou menor. Nestas circunstâncias, cabe perguntar se não teria sido mais avisado, para Portugal, promover, em Bruxelas, uma política marítima “Verde”, voltada para o futuro, em vez de promover preocupações pouco consistentes viradas para o passado.
Mais avisado teria sido pensar que, neste momento, a ZEMBA reúne “35 freight buyers working together to drive ambition and action toward zero emission ocean transport. … as part of the Green Shipping Challenge”, e, por estas circunstâncias, os seus Membros justificavam uma mensagem Green na sua direcção.
Por exemplo, a Swedwood, do grupo industrial da IKEA, utiliza o Porto de Leixões para o trânsito das suas cargas, e sendo a IKEA um Membro da ZEMBA, neste novo quadro, é provável que a Swedwood, tarde ou cedo, incentive, com mais pertinência, os seus prestadores de serviço, no sentido dos “zero-emission fuels”.
À medida que ocorram e se intensifiquem os fenómenos extremos causados pelas alterações climáticas associadas às emissões de gases com efeito estufa, o clube ZEMBA verá crescer os seus Aderentes. Hoje, nenhuma Marca de sucesso quer estar ligada a Canais Logísticos que prejudiquem a sua imagem de mercado, em termos ambientais e de sustentabilidade.
O EU ETS não é um Código político de circunstância, uma questão de um momento “de dissertação tertuliana”, permita-se a expressão; o EU ETS é um pilar da política europeia para o combate às consequências das alterações climáticas, a que Portugal está obrigado (e acolheu).
No site da UE pode ler-se que “The EU ETS is a cornerstone of the EU’s policy to combat climate change and its key tool for reducing greenhouse gas emissions cost-effectively. It is the world’s first major carbon market and remains the biggest one.”
Portugal não podia ter vacilado nesta questão do EU ETS!
Infelizmente, por aqui ouviram-se vozes alinhadas com a reclamação do Tripleto.
Porém, esta reclamação dos três Países, no caso português, torna-se ainda mais incompreensível porque é incongruente com a publicação acabada de ocorrer do Regulamento do Programa Navegação Ecológica pelo qual o Governo Português disponibiliza 50 milhões de euros do PRR com o objetivo de facilitar a descarbonização de dez navios de transporte de mercadorias e de passageiros. Uma notícia positiva, obviamente!
Mas a incoerência de Portugal com as “zero emissions” surgiu também no Transporte Rodoviário. No passado dia 24 de Janeiro, o jornal Público em título assinado por Teresa Silveira destacava: “Transporte de mercadorias e construção excluídos da descarbonização” ; “não são elegíveis para receber apoio do PRR” lê-se no preâmbulo da notícia.
Teresa Silveira no artigo informa que o IAPMEI chumbou as candidaturas que lhe foram presentes pela ANTRAM – Associação Nacional de Transportadores Públicos Rodoviários de Mercadorias, argumentando “que as verbas para os roteiros para a descarbonização são destinadas à indústria e que o setor sendo de serviços foi excluído.”
Teresa Silveira, no seu trabalho, não podia ter sido mais oportuna ao mostrar a falta de Mundovisão que por aí anda no que à Cadeia Logística concerne.
As coisas não condizem nem combinam!
O PRR aplica-se ao Transporte Marítimo como se viu mas, do ponto de vista do IAPMEI, não se estende ao Transporte Rodoviário, porque este transporte é um serviço e, como tal, não é enquadrável no PRR. É caso para perguntar onde está a diferença conceptual entre os dois transportes, enquanto serviços, que justifique aplicar o PRR a um e não ao outro?
O Transporte Marítimo e o Transporte Rodoviário pertencem ao setor de serviços embora com uma base técnica o que os aproxima mais do que os afasta dos processos industriais. Não são serviços de base administrativa, “tout court”, como o IAPMEI, em que a descarbonização, para além do quadro de valores (a cultura) não se coloca, a não ser, eventualmente, no caso das viaturas de serviço dos seus colaboradores.
Quer o Transporte Marítimo quer o Transporte Rodoviário, enquanto Setor dos Transportes, são um complemento direto do processo industrial na aproximação da Indústria ao Mercado, e, por isso, seguindo uma linha integradora de toda a Cadeia Logística até ao destino final das cargas, os Transportes não podem prescindir de alinhar a descarbonização das suas unidades com a Indústria e acompanhar o seu esforço nesta matéria.
O IAPMEI, ao decidir como decidiu, infelizmente, deu sinal de uma visão “de silo” da Cadeia Logística o que esbarra com o objetivo dos Membros da ZEMBA “to eliminate the climate impact of maritime shipping… catalyze investments across the maritime sector,”. Sublinha-se “across the maritime sector,” o que naturalmente envolve, também, o Transporte Rodoviário como meio de ligação dos portos com o Hinterland.
Convém não esquecer que o IAPMEI é a Agência para a Competitividade e Inovação!
Contudo, a Transição Energética tornou-se um desígnio nacional, pelo menos na oratória. Nenhum político português foge ao tema e se for governante não hesita em colocá-la no seu programa.
Assim se fecharam a Refinaria de Matosinhos e as Centrais Elétricas a Carvão do Pego e de Sines, dando-se um passo forte no sentido de eliminar o uso dos combustíveis fósseis e, portanto, reduzir as emissões de gases com efeito estufa.
Como consequência, os Portos de Leixões e de Sines perderam carga, mas um desígnio nacional é um desígnio nacional, implica o esforço de Toda a Sociedade por um “bem maior”, neste caso, a redução das emissões de gases com efeito estufa.
Ora no EU ETS a atitude de Portugal foi contraditória, como se viu, contradição que se estendeu aos diferentes tratamentos dados ao Transporte Marítimo e ao Transporte Rodoviário no que concerne ao acesso ao PRR para a descarbonização das unidades de transporte.
Nem o respeito tanto pelas faturas sociais associadas ao fecho da Refinaria e das Centrais Elétricas como pelos portos que perderam carga, conseguiu impôr a coerência das políticas públicas para a ação climática, o que deixa a suspeita que Portugal, para além das proclamações, para além de uma ou outra medida avulsa, não está preparado para a Transição Energética como modus vivendi.
Um primeiro sinal disso foi a contestação ao aumento do IUC para as viaturas velhas, um processo transformado em arma política de arremesso, sem o menor respeito por aquilo que parecia ser um desígnio nacional para Transição Energética.
Outro sinal, bem mais intenso, é o atraso na implementação da Lei de Bases do Clima, em vigor há dois anos e que explica, certamente, a incoerência da ação climática do Governo Português relativamente aos transportes.
Nada disto ajuda a apresentar Portugal e os PPC como uma referência Green às empresas que estão a promover a transição energética nos seus negócios. O país só pode incentivar a localização industrial em Portugal, beneficiando com isso, se construir uma marca sólida do País como um Espaço Logístico Verde, apoiado numa Nova Carta de Valores voltada para o futuro onde a política climática aparece como uma trave-mestra do edifício de desenvolvimento.
As proclamações entusiásticas sobre a Transição Energética não se traduzem em mais carga! Pior, com a ZEMBA por perto, não valem mesmo nada! A acção é o que conta!
Portugal é um país de limitados recursos financeiros. Mas este não é o problema dos seus portos, neste momento.
Cada vez mais, à medida que o tempo passa, sente-se que o Portugal Portuário tem um problema de Mundovisão.
Os PPC podem contribuir para alavancar a economia nacional, contribuir para a captação de empresas com uma importante vertente de comércio internacional e que necessitam do Transporte Marítimo para as aproximar dos Mercados, seja de abastecimento seja de colocação dos produtos acabados, mas, para isso, os PPC precisam de ser eficientes e eficazes e, além disso, precisam de ter um alinhamento perfeito com os valores que estão a marcar o presente no rumo do futuro: a cultura digital e a cultura ambiental.
Tolstoi na sua monumental obra literária, Guerra e Paz, ensina que
“Na hora do perigo duas vozes, igualmente fortes, se ouvem na alma do homem: uma aconselha sempre, prudentemente, que cada um de nós se dê conta exata do perigo que o ameaça e trate de procurar maneira de o evitar; a outra, ainda com maior prudência, diz-nos ser muito penoso e dolorosissimo pensar no perigo, visto não estar nas possibilidades do homem prever e furtar-se à marcha dos acontecimentos, e o melhor é não nos preocuparmos com as coisas tristes antes do facto consumado e só pensarmos nas coisas agradáveis.”
Os PPC necessitam de ouvir a voz da prudência mas não a da maior prudência de modo a evitar o perigo de se tornarem portos pouco relevantes (irrelevantes, mesmo!) para a Nova Procura que desponta no horizonte da Cadeia Logística.
O Ano de 2024 está a ser encarado como um ano difícil, de muita incerteza!
“Mas a Terra continua a girar em torno do Sol”!
Por isso, apesar da percepção de cor cinzenta que se tem de 2024, este ano tem de ser aproveitado para
“que cada um de nós se dê conta exata do perigo que o ameaça e trate de procurar maneira de o evitar”.
JAIME H. VIEIRA DOS SANTOS
Ex-Gestor de Terminais Portuários
O Jaime Vieira dos Santos tem toda a razão: neste país a oratória que se apregoa é meramente panfletária e as ações, quando as há, vão no sentido inverso e seguem as pisadas do passado.
Já há muitos anos que falta uma visão de sucesso e medidas políticas que o suportem para os portos nacionais, que se vão arrastando numa perspectiva cada vez mais lúgubre e desinteressante.
Estamos em março de 2024 e a AMT, dita entidade reguladora do setor, ainda não disponibilizou o Relatório do Mercado Portuário relativo ao final de 2023. Uma parte significativa dos portos ainda não disponibilizou a informação final sobre as cargas movimentadas no referido ano.
De 2017 até 2022 o conjunto dos portos nacionais perderam quase 11 milhões (10,9) de toneladas de carga movimentada, 11,3%!!!
Os exemplos que tínhamos de inovação, eficiência e eficácia perderam-se ou estão estertorantes.
Querem-lhes passar o atestado de óbito?