É já sobejamente conhecido – e objeto de múltiplos debates – o envelhecimento da população portuguesa, no contexto de um continente europeu que se reconhece, também, cada vez mais “grisalho”.
Este duplo envelhecimento, que resulta da diminuição da natalidade e, bem assim, do aumento da longevidade, traz consigo enormes desafios, que começam, a nosso ver, pelo da desconstrução de preconceitos baseados na idade (o Idadismo) e se ramificam para as mais diversas esferas da vida em sociedade, nomeadamente a saúde, a economia, a segurança social, o mercado de trabalho, a dimensão residencial e a educação.
Parece quase demasiado óbvio afirmar que é urgente uma mudança de paradigma, e que um mundo em que o número de maiores de 65 anos duplicará em 2050, por referência aos 761 milhões de pessoas desta faixa etária em 2021, tem de ser, no mínimo, um mundo que se prepare para essa realidade, contando ainda com mais de 20 anos para o fazer.
Na verdade, se até à década de 80 do Século XX eram avulsas e raras as preocupações dogmáticas e as referências, em instrumentos de cariz político-normativo, ao envelhecimento, hoje será incauto e desfasado da realidade não traduzirmos, nas múltiplas dimensões em que se desdobra o nosso dia-a-dia, as preocupações, os anseios, os direitos e os deveres dos mais velhos.
A este respeito, tem ganho cada vez mais peso o conceito de envelhecimento ativo, entendido, de acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), como o processo de otimização das oportunidades de saúde, participação e segurança, com o objetivo de melhorar a qualidade de vida à medida que as pessoas envelhecem.
Nessa medida, devem ser criadas oportunidades para que as pessoas idosas, que queiram e possam fazê-lo, participem na vida das comunidades nas quais residem, sejam estas cidades ou em meio rural, sendo progressivamente removidos obstáculos e dificuldades que apenas contribuem para agravar o isolamento e a solidão dos mais velhos.
Porém, se nos meios rurais pode haver menos oportunidades – pelo menos em tese – de promoção de convívio intergeracional (atenta a redução do número de crianças e de adultos jovens), também é verdade que, muitas vezes, é nestes meios que se fazem curtas as distâncias, que se encontram espaços e tempo para que os mais velhos, todos os dias, saiam de suas casas e se encontrem com familiares e amigos.
Já nas cidades, também em teoria mais dotadas de ofertas culturais e recreativas, de espaços diversificados e suscetíveis de promover o encontro de várias gerações, sabemos que nem sempre são fáceis, para os mais velhos, a participação na vida da comunidade onde vivem, os encontros e as deslocações aparentemente facilitadas pela multiplicidade de oferta disponível.
Neste contexto, surgiu em 2005, através da OMS, o projeto “Cidades Amigas dos Idosos”.
Partindo do conceito de envelhecimento saudável, entendido enquanto processo de desenvolver e manter a habilidade funcional que permite o bem-estar na idade avançada, a OMS considera, mais recentemente, que o desenvolvimento de uma cidade ou comunidade amiga das pessoas idosas é uma estratégia fundamental para a implementação, ao nível local, das ações previstas pela Assembleia Geral das Nações Unidas para a Década do Desenvolvimento Saudável (2021-2030).
A este propósito, a área dos transportes é uma das que pode impactar a vida das pessoas mais velhas, por interferir diretamente com a sua mobilidade, aqui entendida enquanto possibilidade real e efetiva de se deslocar em maiores distâncias.
O mesmo foi entendido no recente Plano de Ação do Envelhecimento Ativo e Saudável 2023-2026, aprovado pelo governo por via da Resolução n.º 14/2024, de 12 de janeiro. Neste Plano, podemos encontrar, no Pilar II – Autonomia e Vida Independente, o subpilar “Ambientes Acessíveis”, no âmbito do qual se prevê a adoção de medidas que abrangem, entre outras, os transportes públicos, concretamente mobilizando as autarquias para remoção das barreiras à mobilidade das pessoas nas cidades e disponibilizando transportes plenamente acessíveis, adaptados para pessoas com mobilidade reduzida e age-friendly.
Atualmente, mesmo para os mais velhos que ainda conduzam veículo individual, a existência, boa cobertura e acessibilidade dos transportes públicos coletivos pode fazer a diferença na hora de decidir sair de casa para um encontro ou para um simples passeio.
A área dos transportes é uma das que pode impactar a vida das pessoas mais velhas, por interferir diretamente com a sua mobilidade, aqui entendida enquanto possibilidade real e efetiva de se deslocar em maiores distâncias.
Em Portugal, enquanto autoridades de transporte (desde 2015) os Municípios têm autonomia na definição dos tarifários dos transportes públicos rodoviários coletivos de passageiros, da rede municipal, não existindo regras comuns, em todo o território nacional, no que se refere à gratuitidade ou aos descontos aplicáveis aos mais velhos. Assim, a título de exemplo, desde setembro de 2022, os maiores de 65 anos residentes em Lisboa podem usar gratuitamente a rede urbana da Carris. No Porto, o Andante tem um desconto de 25%, a partir dos 65 anos.
No entanto, a questão do preço dos transportes não é a única relevante, dado que o espaço urbano deve ser seguro e adequado para propiciar as deslocações das pessoas mais velhas: a existência de iluminação pública, de passeios pedonais com piso regular, assim como o número/proximidade de paragens de autocarro e a sua construção com bancos longos e com proteção em face da chuva ou calor constituem, muitas vezes, elementos determinantes.
Como lapidarmente nos diz Camilla Cavendish, no seu livro “O Tempo Extra”: “Há, literalmente, milhões de pessoas idosas nas cidades europeias que raramente ou nunca saem de casa por motivos sociais, emocionais, financeiros ou de mobilidade. Não adianta ter um autocarro com uma plataforma de acesso móvel se a pessoa não conseguir chegar à paragem – ou se tiver medo de percorrer a rua porque não é seguro”.
O recente relatório do Fórum Económico Mundial, de janeiro de 2024 – Longevity Economy Principles – The Foundation for a Financially Resilient Future – corrobora as preocupações que acima expusemos, quando alude à solidão, apesar do seu nome, como um problema social e não individual, com efeitos ao nível da saúde física e mental.
Num país como Portugal, em que, de acordo com a PORDATA, mais de meio milhão de pessoas, com mais de 65 anos, vivem sozinhas, refletir seriamente sobre esta situação, tantas vezes involuntária ou forçada, e atuar ao nível das políticas públicas centrais e locais, nomeadamente as relativas aos transportes, pode ter impactos mais profundos e a longo prazo.
A verdade é que uma cidade mais amiga dos idosos será, sempre, uma cidade mais amiga de todas as idades e, assim, também mais inclusiva.
JOANA SILVA AROSO
Sócia da JPAB – José Pedro Aguiar-Branco Advogados
Coordenadora de Infraestruturas, Transportes & Mobilidade