Ao longo dos séculos, a proliferação do comércio internacional e do transporte marítimo exerceram significativa influência no planeamento urbano e no desenvolvimento dos portos. Consecutivamente, a globalização e o desenvolvimento industrial originaram o congestionamento dos Portos Marítimos, dificultando as operações e aumentando os tempos de espera.
Do ponto de vista dos operadores de terminais, estes tendem a encontrar medidas para melhorar o desempenho operacional, aumentando a produtividade, na movimentação de contentores e reduzindo atrasos desnecessários. No entanto, existem três domínios principais sobre os quais os terminais não possuem controlo: fatores climáticos, fatores físicos e limitações dos armadores.
Sabe-se ainda que a situação de congestionamento no Porto Marítimo é caracterizada por duas componentes da dimensão do “tempo de resposta”: o tempo de atraso e o tempo de carga/descarga. A dimensão do atraso serve como um indicador inequívoco das consequências do congestionamento do terminal.
No volver do século, começou a surgir uma noção mais alargada e até algo disruptiva, de como colmatar este congestionamento portuário e aumentar a rentabilidade e rotação, especialmente dos contentores. Para isso, foi introduzida na literatura a expressão Dry Port, comummente apelidada em Portugal de Porto Seco.
Em abril de 2019, o Estado Português reconheceu legalmente a figura de Porto Seco. Equipamento crucial, como se de uma extensão do Porto Marítimo se tratasse, é essencial no dilatar do Hinterland, permitindo mitigar eficazmente o congestionamento dos Portos Marítimos e oferecer maior eficácia logística no “Portuguese Range”. O Porto Seco, aludido como terminal intermodal, é projetado para facilitar e regular a circulação de mercadorias entre vários modos de transporte.
Mas como será que podemos definir conceptualmente Porto Seco?
A definição foi evoluindo e adaptando-se com o passar dos anos. Foram-se estabelecendo uma série de regras centradas na sua proximidade aos Portos Marítimos, focando-se, igualmente, nas dimensões funcionais da infraestrutura e ainda nos atores responsáveis pelo desenvolvimento e promoção.
Uma coisa é certa, um exemplo inequívoco de Porto Seco, que deverá estar presente na cabeça de todos, é o antigo terminal da IP da Bobadela. Esse sim, o pioneiro em Portugal. Infelizmente, para os dias de hoje, completamente ultrapassado, mas que mesmo assim deixou alguns bons “discípulos” espalhados pelo território.
Este prolongamento dos Portos Marítimos tem-se vindo a evidenciar cada vez mais em todos os países, uma vez que se entendeu que o crescimento e desenvolvimento está progressivamente a deslocalizar-se para o interior.
A construção de corredores intermodais para os Portos Secos portugueses com a utilização da ferrovia permitiu uma maior penetração no hinterland. Estas infraestruturas servem de espinha dorsal numa cultura de mudança modal, através da implementação de soluções mais atrativas, de redução de custos e liberalização dos mercados de transporte de mercadorias. Além disso, passaram também a atuar como extensões dos próprios armadores, permitindo agregar carga, fugindo um pouco à demanda exaustiva que os parques tradicionais sofrem.
…um exemplo inequívoco de Porto Seco, que deverá estar presente na cabeça de todos, é o antigo terminal da IP da Bobadela. Esse sim, o pioneiro em Portugal. Infelizmente, para os dias de hoje, completamente ultrapassado…
Quanta carga poderia ser transferida para a ferrovia?
Quantas emissões de CO2 poderiam ser evitadas?
São questões de resposta complexa e não universal.
A mudança modal, especialmente para bens leves e de alto valor, tende a ser mais conservadora, sobretudo pelos pedidos just-in-time. O comboio tende sempre a ser uma opção mais comum para percursos de longa distância, sendo que, o status quo tem vindo a ser alterado devido ao investimento no setor intermodal.
Aparentemente estamos todos de acordo com o caminho a seguir. Todos estamos comprometidos com as medidas ambientais definidas pela UE. Todos estamos de acordo com a importância dos Portos Secos.
Então, qual a razão do seu desinvestimento?
Como referido por Nabo Martins, em 2021, a IP da Bobadela era “provavelmente o maior Terminal RodoFerroviário da Península Ibérica” e era também, já à data, um Porto Seco.
Não apenas aquele parque, mas todo o complexo movimentava cargas de e para Espanha, bem como de Norte a Sul do país. Logo agora que o Porto de Lisboa volta a apresentar números de crescimento sustentados, acabou por ver retirada cerca de 70% da capacidade do “seu” Porto Seco.
A IP – Infraestruturas de Portugal identificou, já em 2022, cinco potenciais novas localizações. Abandonou-as e optou por “desperdiçar” cerca de 10 milhões de euros numa infraestrutura provisória até 2026. Lisboa perdeu assim o seu potencial para estar bem conectada na cadeia de abastecimento multimodal.
Esta atuação pública deveria revoltar qualquer um, mas (pelos vistos) nunca o erário público.
Citando João Soares (2020), “… a carga não vota e por isso não é urgente nem importante, sendo muitas vezes esquecida a sua importância para o desenvolvimento económico do país”.
Identificar a localização estratégica dos Portos Secos é crucial para moldar a economia de um país, uma vez que estas infraestruturas não são apenas ferramentas políticas, mas centros essenciais para o comércio e o desenvolvimento económico.
PEDRO NABO MARTINS