O shipping vive momentos extraordinários e demorará algum tempo a retomar a normalidade, segundo Peter Sand, Chief Shipping Analyst da BIMCO, que ontem esteve na PORTO MARITIME WEEK do TRANSPORTES & NEGÓCIOS.
Peter Sand fez uma análise exaustiva do actual estado da indústria do shipping que foi profundamente afectada pela COVID 19 e que causou impactos gigantescos a nível global, regional e local.
“É importante perceber como é que vamos operar num ambiente que está em constante mudança, principalmente depois dos últimos 18 meses, em que vivemos uma crise sanitária à escala global. Para percebermos o que está a acontecer no mundo do shipping, muitas vezes temos de entender o que acontece do mundo da macroeconomia. No último relatório publicado pela BIMCO, concluímos que ao nível da macroeconomia a recuperação global está ameaçada pela desigualdade na aquisição de vacinas e os problemas na cadeia de abastecimento, principalmente porque o Mundo está a recuperar a velocidades diferentes”, disse Peter Sand.
Analisando cada um dos segmentos do mercado do shipping, Peter Sand salientou que “o sector dos contentores está a crescer como nunca, com o preço dos fretes bastante alto, principalmente devido ao impacto do aumento do consumo nos EUA e à estabilidade financeira que ocorreu em toda a região norte-americana. Estas situações provocaram um “boost” nessa zona do mercado”. De acordo com o analista-chefe da BIMCO, “estamos a viver tempos extraordinários. No sector da carga contentorizada, entre os fretes elevados e as longas filas de navios à espera para entrar nos portos para descarregarem as suas cargas, existem problemas onshore que estão relacionados com a falta de contentores. Esta situação começou há cerca de um ano com a massiva queda na procura, que interrompeu o fluxo normal de contentores cheios e vazios. Hoje, por exemplo, vemos que que em termos de exportação para fora dos EUA, a principal “commodity” transportada nos contentores é ar, porque eles preferem trazer os contentores vazios mas com uma rotação mais rápida do que ficarem à espera duas ou três semanas por alguma exportação para encherem os contentores e trazê-los de volta”.
Segundo Peter Sand, “em sentido inverso temos o mercado dos combustíveis e granéis líquidos, cuja actividade não é suficientemente lucrativa. Isso decorre de vários factores, como a queda abrupta do mercado da aviação e dos transportes terrestres em geral. No ano passado, os principais produtores de petróleo do mundo, quando viram as tendências dos mercados, optaram por exportar massivamente o seu produto a um custo mais baixo e toda essa oferta fez com que obtivessem mais lucros, no entanto, por outro lado, faz com que a recuperação do sector seja mais longa”.
Entre estes dois segmentos temos os granéis sólidos, mercado que está muito dependente da recuperação da China. “A China já começou a importar matérias-primas, não só para os seus projectos de infra-estruturas mas também para produzir os seus próprios produtos para exportação. E esta situação alavancou o mercado do transporte de granéis sólidos”, adiantou Peter Sand. O analista realçou que os lucros médios obtidos este ano pelos armadores já superam os lucros registados nos últimos dois anos, com os navios Capesize a ganharem destaque.
Sobre uma possível intervenção ao nível regulatório no mercado mundial, Sand disse não acreditar “que a regulação vá resolver o que quer que seja que se está a passar no mercado. Vivemos num mercado bastante feroz e competitivo entre carregadores e os “liners” e actualmente as negociações têm sido muito duras, porque não é só o preço que é necessário negociar, é também o volume transportado e que muitas vezes não chega a ser carregado. Há uma relação de amor-ódio que é necessário resolver e desatar alguns nós, como os baixos níveis de oferta, especialmente na América do Norte, porque isso está a causar disrupções na cadeia de abastecimento a nível global”.
A dinamizar este painel estiveram dois membros da Direcção da AGEPOR, o actual presidente, João Silva, e Rui d’Orey, que comandou durante vários anos os destinos da associação que representa os agentes de navegação nacionais.
E uma das questões feitas a Peter Sand, versou sobre o problema da descarbonização no sector e sobre qual será o combustível do futuro. Peter Sand disse não acreditar que venha a existir apenas um combustível, mas sim “várias soluções. Nos próximos anos os operadores marítimos vão decidir quais são as melhores opções que existem no mercado. Existem muitas ideias, como por exemplo a instalação de pequenas centrais nucleares a bordo dos navios de carga. Mas não vejo um grande futuro para esta opção, porque não seria politicamente viável, apesar de ser fantástico do ponto de vista ambiental. Acredito que os combustíveis do futuro sejam o hidrogénio e o amoníaco (…) com o LNG e outras soluções a funcionarem como combustíveis de transição”.
Sand também foi questionado como é que Portugal, apesar de ser um país periférico e com reduzida relevância nos mercados do Centro da Europa, pode tornar-se mais competitivo no sector logístico e do shipping. De acordo com analista-chefe da BIMCO, “para serem mais competitivos, os players portugueses têm de continuar a inovar e a procurar saber quais são os serviços que a indústria do shipping irá exigir no futuro. Se olharmos para a tipologia de serviços que os portos portugueses disponibilizavam há dez anos e olharmos para os de hoje, chegamos à conclusão que existe uma grande diferença. Portanto, devem pensar e prever quais são os serviços que podem criar mais mercado e colocarem-se dentro da mente dos seus clientes, antecipando-se às suas necessidades”.