A presidente da Associação Nacional de Municípios Portugueses, Luísa Salgueiro, propõe uma solução ambiciosa para o Porto de Leixões: a construção de um novo porto afastado da cidade, libertando espaço urbano e reforçando a competitividade. Embora a ideia pareça interessante, enfrenta desafios como financiamento, viabilidade e a tensão entre industrialização e especulação imobiliária. O debate vai, por isso, muito além da mera localização do porto, refletindo também o modelo económico do próprio país.
O Porto de Leixões é vital para a economia portuguesa, representando cerca de 6% do PIB nacional e 20% do comércio externo por via marítima. Gera empregos e impulsiona cadeias logísticas e industriais. Além disso, é responsável por 11% do PIB da Região Norte e 27% do PIB de Matosinhos, demonstrando a sua ligação profunda com a cidade. No entanto, a sua proximidade ao tecido urbano gera pressões urbanísticas, especialmente após o encerramento da refinaria de Matosinhos, aumentando o interesse pela requalificação da frente marítima.
Lisboa oferece um exemplo semelhante: a expansão do Terminal de Contentores de Alcântara enfrentou resistência local, levando à proposta de um novo terminal no Barreiro, que acabou travada por questões ambientais. A tentativa de realocar funções portuárias revelou-se complexa, ilustrando os desafios de conciliar desenvolvimento urbano e atividade portuária.
Em Leixões, a estratégia tem sido otimizar a infraestrutura sem expansão territorial significativa. O projeto de Reconversão do Terminal Multiusos visa aumentar a capacidade do porto sem comprometer excessivamente o espaço urbano. No entanto, há limites para essa abordagem. Se o porto atingir a saturação, poderá ser necessário um novo terminal, mas essa opção implica desafios financeiros e estratégicos.
Construir um novo porto exige um investimento avultado. A experiência internacional alerta para riscos de infraestruturas subutilizadas: em Espanha, o Porto de Punta Langosteira continua abaixo da capacidade projetada, demonstrando que um novo terminal não garante automaticamente tráfego suficiente. Assim, qualquer decisão sobre um novo porto em Matosinhos precisa de estudos robustos sobre viabilidade e impacto económico.
Todavia, um dos problemas apontados é exatamente a escassez de programas de apoio ou fundos estruturais, tanto a nível nacional como europeu, especificamente dedicados a novas infraestruturas portuárias de grande porte. Nos ciclos recentes de financiamento da UE, a ênfase tem estado em melhorar a eficiência dos portos existentes e ligações de transporte (redes transeuropeias), mais do que em criar novos portos de raiz. Embora alguns projetos portuários tenham obtido fundos comunitários (como parte do financiamento do porto exterior da Corunha, que teve cerca de 257 milhões de euros cofinanciados pela UE, ou do novo porto exterior de Ferrol), esses casos são exceções enquadradas em objetivos claros de rede.
Quando se trata de construir um porto totalmente novo numa localização alternativa, a UE tende a exigir robustas demonstrações de viabilidade e necessidade (por exemplo, alívio de congestionamento crítico ou benefícios transfronteiriços evidentes). Sem um enquadramento nos programas europeus (CEF, FEDER, etc.), o encargo recai sobre o Estado e/ou investidores privados.
O Porto de Leixões precisa de ser competitivo, mas isso não significa que deva ser deslocalizado. O desenvolvimento sustentável do porto e da cidade não são objetivos incompatíveis – desde que haja visão estratégica e compromisso com o equilíbrio entre as necessidades económicas e urbanísticas. A solução passa por continuar a modernizar Leixões, melhorar a integração porto-cidade e explorar soluções de mitigação ambiental e urbanística que beneficiem tanto o setor portuário como a população.
Em Portugal, especificamente, não existe um programa nacional corrente dedicado à construção de novos portos comerciais. Não foi, à data, criado o sempre reclamado “Fundo Portuário”. Com efeito, as apostas estratégicas nos últimos anos focaram-se em expandir e modernizar os portos existentes – Leixões, Sines, Lisboa, Setúbal, etc. – dentro dos seus perímetros, e em melhorar as acessibilidades ferroviárias e rodoviárias a esses portos. A ideia de um novo porto de águas profundas na região Norte ou Centro não tem constado dos planos oficiais como projeto prioritário, possivelmente porque os estudos não apontaram urgência.
Diante de tantos desafios, como viabilizar uma transição para um eventual novo porto, caso se considere essa opção estratégica, sem interromper as operações e sem sobrecarregar excessivamente os cofres públicos?
Algumas soluções podem ser exploradas: o faseamento e operação dual, garantindo que o porto atual continue funcional até que o novo esteja totalmente operacional, evitando paralisações na atividade portuária; as Parcerias Público-Privadas (PPPs), onde operadores privados financiam a infraestrutura em troca de concessões de longo prazo, repartindo os riscos entre Estado e investidores; a captação de mais-valias urbanas, utilizando a valorização imobiliária dos terrenos portuários desativados para cobrir custos do novo terminal, como já feito em projetos internacionais de renovação portuária; e o apoio de instituições financeiras e fundos internacionais, como o Banco Europeu de Investimento, que oferecem empréstimos favoráveis para infraestruturas estratégicas.
Em resumo, a transição para um novo porto exigiria um mix de soluções: forte coordenação pública (para assegurar terrenos, licenças e integração no planeamento regional), envolvimento de capital privado (para financiamento e operação eficiente), preocupação em não comprometer a atividade económica durante a mudança e, não menos importante, consenso político e comunitário sobre a importância do projeto. Este último ponto é crítico – projetos desta envergadura tipicamente atravessam vários ciclos governativos, e só avançam se forem entendidos como desígnio comum.
Por outro lado, há que enquadrar esta visão na política de ordenamento portuário nacional: evitar excessos de capacidade redundante. Portugal não é um país de grande dimensão, portanto os portos devem ser pensados como rede complementar e não concorrentes predatórios. Um novo porto nortenho teria de ser calibrado para não simplesmente duplicar o que Sines já oferece, mas sim para captar tráfego que hoje não é bem servido – seja tráfego regional (que hoje passa por portos espanhóis do norte, como Vigo ou Bilbau), seja tráfego global que requeira determinada configuração. Se essa complementaridade for assegurada, então o efeito para o país é de somar valor em vez de dividir.
Ao debater-se o futuro do porto e da cidade, é crucial manter uma visão equilibrada e analítica sobre os interesses em jogo. De um lado está a indústria e a economia que dependem do porto; do outro, a qualidade de vida urbana e oportunidades imobiliárias na frente marítima. Muitas vezes estes interesses são apresentados como antagónicos, mas uma abordagem estratégica procura conciliá-los de forma sustentável.
O equilíbrio entre indústria, cidade e meio ambiente é essencial. A coexistência entre atividade portuária e qualidade de vida urbana exige planeamento cuidado. Exemplos internacionais, como Hamburgo e Barcelona, mostram que é possível modernizar um porto mantendo benefícios urbanos. Em suma, o Porto de Leixões continua a ser uma infraestrutura crucial para Portugal, mas o seu futuro requer uma abordagem estratégica que equilibre crescimento económico, necessidades urbanas e sustentabilidade ambiental. Um planeamento de longo prazo permitirá garantir que Matosinhos e a Região Norte possam continuar a beneficiar da sua vocação portuária sem comprometer o desenvolvimento urbano e a qualidade de vida dos seus habitantes.
O Porto de Leixões precisa de ser competitivo, mas isso não significa que deva ser deslocalizado. O desenvolvimento sustentável do porto e da cidade não são objetivos incompatíveis – desde que haja visão estratégica e compromisso com o equilíbrio entre as necessidades económicas e urbanísticas. A solução passa por continuar a modernizar Leixões, melhorar a integração porto-cidade e explorar soluções de mitigação ambiental e urbanística que beneficiem tanto o setor portuário como a população.
A proposta de um novo porto é ambiciosa, mas esbarra na realidade: sem financiamento, sem um plano logístico de transição e com a sombra da especulação imobiliária por trás, parece mais um desejo político do que uma solução viável.
No fim, o risco é acabar sem porto e sem indústria, apenas com condomínios de luxo onde antes se gerava riqueza. Se Matosinhos perder o seu porto, o que ganha realmente?
Mestre em Gestão Portuária, pela Escola Náutica Infante D. Henrique
Uma excelente análise. Parabens Iris
Muito interessante análise.
O planeamento estratégico portuário a nível nacional ajudaria muito.
Mas dá trabalho e implica orientação política, que não existe.