Estamos em Fevereiro de 2025 e o Porto de Leixões, de repente, do dia para a noite, acordou e mereceu a reflexão de algumas personalidades relevantes, que têm um papel, de salientar, na organização da opinião dos Atores que usam este porto e sentiram o impulso para vir a público reclamar de sua justiça sobre este Grande Porto de Mar.
Assim, num curto espaço de tempo o porto mereceu a reflexão da Sr.ª Presidente da Câmara de Matosinhos, Luísa Salgueiro, do Sr. Presidente da Associação Comercial do Porto, Nuno Botelho, e do Sr. Presidente da Comunidade Portuária de Leixões, Brogueira Dias.
Os três são unânimes em considerar a relevância deste porto para a economia nacional. Luísa Salgueiro vai mais longe e, no seu artigo recente de 17Fev25, no Jornal de Notícias, afirma que “no actual contexto de incertezas geoestratégicas, o Porto de Leixões adquire uma importância acrescida no contexto europeu” e “o Porto de Leixões, essencial para a região e para o país, deve ser repensado”.
Como Presidente da Comunidade Portuária do Porto de Leixões que fui durante 12 anos, e pelo envolvimento que as Direções a que presidi tiveram nos destinos deste Grande Porto, e, ainda, como Cidadão que beneficia desta infraestrutura, não posso ficar em silêncio perante o debate que parece ter-se iniciado sobre o futuro do porto.
Estamos em ano de eleições autárquicas! É bom, no entanto, que não haja a tentação de usar Leixões como arma de arremesso político! A transparência deve pautar o discurso e as populações devem ser informadas corretamente sobre o valor intrínseco do porto.
Assim começo por lembrar, na parte que interessa para este texto, o que, em Novembro do ano passado, escrevi neste jornal T&N em Memorando com o título Reflexão sobre o Porto de Leixões e o Novo Prazo das Concessões (75 anos):
“Justifica-se, portanto, a reflexão urgente sobre as circunstâncias atuais que condicionam Leixões, porque estamos diante do 1º porto Gateway, em contentores, e do 5º na totalidade da carga movimentada na Frente Atlântica da Península Ibérica, entre Pasajes, no País Basco, e a Bacia de Cádiz, na Andaluzia, uma linha de costa servida por 21 portos principais.
“Nesta Frente, no Ranking dos contentores, Sines, talvez o porto português mais publicitado, dentro e fora do País, ocupa o quarto lugar como Gateway, mas, ao incorporar o Transhipment, a Rede, Sines passa para a primeira posição e Leixões recua para a segunda, mantendo-se no pódio com a medalha de prata. Bilbau ocupa a terceira posição [Fonte: AMT/Puertos del Estado, dados de 2023].
“A Frente Atlântica, a nível do conjunto da Ibéria, representa 23,4% dos TEUS movimentados na Península e 39,6% do total da carga operada nos 31 portos principais ibéricos.
“Este posicionamento de destaque do Porto de Leixões na Frente Atlântica, num conjunto de 21 portos, espelha a sua importância na Península Ibérica, talvez maior do que se poderia esperar de um pequeno/médio porto encravado numa cidade, Matosinhos. Será que os “influencers” têm a noção disto?”
Luísa Salgueiro vai mais longe no reconhecimento da importância do Porto de Leixões ao colocar a questão do futuro, no contexto europeu. A Sr.ª Presidente da Câmara está a fazer justiça ao interesse que sempre manifestou pelo andamento do porto, a tal ponto que me deu a honra de participar em algumas reuniões da Direção, o que foi sempre muito importante e muito útil.
No entanto, Luísa Salgueiro, como qualquer autarca em qualquer parte do Mundo, não deixa de chamar a atenção para as incomodidades que o Porto de Leixões causa aos seus Munícipes. É razoável que assim seja!
Convém, no entanto, lembrar que os aeroportos, os portos, as estradas, as estações de caminho de ferro são infraestruturas de elevado porte que, onde pousam, não deixam ninguém indiferente; e pouco importa falar aqui dos projetos imobiliários que as Câmaras licenciam em cima destas infraestruturas sem cuidarem da incomodidade que estes mesmos projetos também causam à sua (das infraestruturas) operacionalidade.
São as contradições da vida que, em sede de pouco senso deliberativo, levam a decisões precipitadas.
O debate sobre o Porto de Leixões arrancou! Não sei se as eleições autárquicas próximas deram o mote, pois Luísa Salgueiro será certamente candidata e, no que concerne a este porto, abriu o debate sobre o seu futuro ao dizer que precisa de ser repensado, encarando como uma possibilidade de crescimento “a construção de um novo porto de mar, no norte do concelho de Matosinhos, mas estabelecido como grande estrutura de mar, mas afastado da dinâmica diária da cidade”. (JN de 17Fev25)
Luísa Salgueiro fala numa grande estrutura de mar!
Porém, um porto é, simultaneamente, uma grande estrutura de mar e uma grande estrutura de terra, visto que é um interface que faz a ponte para o mar a partir da estrada de terra e o seu contrário, da via marítima para terra. Assim, nos portos não existe “uma grande estrutura de mar” sem uma equivalente em terra. Além disso, no novo conceito de “Living Supply Chain”, a Cadeia Logística em tempo real, a perfeita articulação entre a terra e o mar é imperativa o que obriga a que ambos os lados têm de funcionar à máxima velocidade consentida para alcançar a máxima eficiência e a máxima eficácia.
A Sr.ª Presidente da Câmara também fala numa estrutura “afastado da dinâmica diária da cidade”. Percebe-se que, na sua cidade, não queira congestionamento de trânsito, nem ruído, nem poluição, situações que sempre ocorrem, por muito cuidado que se coloque na operação.
Sobre o congestionamento do trânsito, o Porto de Leixões, ao nível da sua dimensão, tem uma das melhores soluções no Mundo (falo por conhecimento real) para o fluxo de carga nos sentido “in” e “out”, uma via rodoviária dedicada para conectar o interior do porto com a rede nacional de autoestradas. Não perturba a cidade! Sublinho que a conexão é entre o interior do porto e a rede nacional de autoestradas e não entre o porto e as mesmas autoestradas como muitos portos gostam de dizer. Aqui o braço dedicado à ligação vai ao coração do porto o que quase nunca acontece quando se fala na ligação ao porto.
O ruído e a poluição são monitorizados em permanência e os níveis encontram-se dentro dos padrões consentidos para a atividade.
Além disso, as cargas que se movimentam em Leixões resultam, precisamente, “da dinâmica diária da cidade” e da dinâmica do seu hinterland, da malha fina de empresas que trabalham para a economia nacional (para todos nós!) e que necessitam de Leixões para importar/exportar os produtos do seu trabalho. Não há portos onde não haja dinâmica das comunidades que lhes estão ligadas, com exceção dos portos dedicados ao transbordo de contentores ou à movimentação de produtos primários como petróleo ou outros minérios ou cereais.
Leixões não é um porto de transbordo ao serviço de uma rede de um dado Armador. Leixões é um porto onde se movimentam cargas geradas pelos 5 milhões de Pessoas residentes no seu hinterland de proximidade, sem contar com o apoio dado à Galiza e a Castela-Leão.
Mas do texto de Luísa Salgueiro relevo “a construção de raiz de um novo porto de mar, a norte do Concelho de Matosinhos”.
A Sr.ª Presidente da Câmara de Matosinhos abriu o debate sobre uma nova localização para o Porto de Leixões, dentro do concelho de Matosinhos.
Iniciemos, pois, o debate sobre o novo porto mas, antes, cuidemos do atual!
Até 2050 ou até algures no tempo do futuro, o Porto de Leixões tem de existir com a sua estilha, o seu vidro, a sua sucata e outros recicláveis, os seus cereais, os seus contentores e demais cargas que apareçam moldando um cabaz de cargas que justifiquem o próprio novo porto.
No mesmo Memorando a que acima me referi também coloquei a possibilidade de um porto novo: “a hipótese de construção de um Novo Porto, Leixões II ou Porto III, não deve ser descorada.”
Ensina a experiência (os livros também o referem) que a decisão sobre a localização de um novo porto é conseguida depois de um debate muito prolongado no tempo, 10/15 anos, o que, a juntar um tempo semelhante para a sua construção, teremos um Leixões II por volta de meados do século, 2050, num momento em que o digital e a sustentabilidade viraram o planeta ao contrário.
Mas não recuso o debate e acho oportuno que comece, até porque os 50 anos de tempo de decisão sobre a localização do novo aeroporto de Lisboa deixam-nos calafrios sobre a nossa capacidade de decidir rápido em matérias complexas como são estas.
Por estas bandas, veja-se o tempo de fermentação do Novo Terminal de Contentores de Leixões onde já houve uma decisão, o Terminal Multiusos! Porque não se transformou a decisão numa realidade que tanta falta faz ao porto? Haverá vozes estranhas a dificultar uma decisão que já estava tomada para o Terminal Multiusos? Brogueira Dias no texto que este jornal publicou abre com o seguinte título:
“Leixões: O porto que tem tudo e que não cresce porque não deixam”
Iniciemos, pois, o debate sobre o novo porto mas, antes, cuidemos do atual!
Até 2050 ou até algures no tempo do futuro, o Porto de Leixões tem de existir com a sua estilha, o seu vidro, a sua sucata e outros recicláveis, os seus cereais, os seus contentores e demais cargas que apareçam moldando um cabaz de cargas que justifiquem o próprio novo porto.
Ninguém pense que as reflexões de gabinete que a nova localização vai motivar sustentam a carga em Leixões, se até lá não se cuidar dos seus processos e dos seus métodos, em suma, não se acarinharem as suas cargas, não se desenvolver o Porto de Leixões atual.
O aeroporto da Portela continua a desenvolver-se para aguentar a procura que há de justificar o aeroporto de Alcochete. Não foi deixado ao abandono!
O Porto de Leixões tem de continuar o seu desenvolvimento até à data em que haja um novo porto, se este se justificar, porque há um novo porto de Leixões que não está ainda explorado e que permitirá o seu crescimento dentro dos limites atuais: o Smart Port no ambiente tecnológico proporcionado pelo digital.
Este novo porto será o porto do futuro com todas as cargas que se conhecem e aquelas que vão surgir no contexto da reciclagem ditada pela Sustentabilidade.
É este investimento que deve integrar a lista de prioridades da região e do país e que pode ser entendido por Bruxelas (Plano Draghi).
Os portos de mar, como todas as infraestruturas logísticas de grande porte, são equipamentos sociais de “non zero-sum value” porque proporcionam ganhos mútuos para as comunidades que servem, fora do jogo “zero-sum” onde o que uns ganham outros perdem, na mesma proporção. Os portos de mar têm um valor intrínseco que excede o “trade-off” de resultado nulo. Por isso as Câmaras, as Regiões e os Países não os querem perder.
Luísa Salgueiro também não quer perder Leixões. A Sr.ª Presidente da Câmara convida à reflexão sobre o futuro do porto e vai apontando para um novo porto localizado, ainda, no concelho de Matosinhos, mas a norte.
Desconheço a extensão da linha de costa do concelho, mas aquilo que me parece é que a única localização possível para receber “uma grande estrutura” portuária seriam os terrenos da Refinaria e a bacia de água em frente.
Acontece que para esse espaço a Câmara Municipal de Matosinhos tem já um projeto imobiliário focado no conceito de “Cidade de Inovação”, e que a Lusa, em Fev 23, há dois anos, descrevia assim:
“A antiga refinaria de Matosinhos vai dar lugar a uma cidade da inovação ligada às “energias do futuro”, anunciaram esta quarta-feira a Galp, a Câmara de Matosinhos e a Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Norte (CCDR-N)”.
Para o mesmo local, é óbvio que este conceito esbarra com o conceito de porto focado na Cadeia Logística e no abastecimento das Pessoas, onde
Our livelihoods – food, jobs, energy – depend on supply chains that are strong and reliable”. [UNCTAD Port Management Series – Volume 13]
São as contradições da vida!
Pedro Norten, na sua crónica habitual no Jornal Público, no passado dia 11 de Fevereiro, sob o título “Os Sonâmbulos”, escreveu que “o que nos tolhe não é tanto a complexidade das soluções, mas antes a incapacidade de perceber as potenciais consequências dos problemas.
Preparemo-nos para o debate sobre o futuro do Porto de Leixões!
Porém, para isso, vale a pena lembrar que o Ford Model-T, ícone inspirador da mobilidade a petróleo, terminou a sua vida como referência cultural. Entretanto, outro ícone nasceu, o Tesla Model-S, igualmente inspirador, mas da mobilidade elétrica em ambiente digital inovador e que começou a fazer o seu percurso, também como referência cultural.
É neste futuro perspetivado pelo Tesla Model S que o Porto de Leixões vai viver e, para isso, de modo a manter-se competitivo, terá de caminhar no digital de forma tão inspiradora como caminhou para construir o conceito da Portaria Nova e de todas as ferramentas tecnológicas que o seu competente departamento de sistemas desenvolveu. Foi pioneiro no ambiente portuário nacional mas o centralismo doentio da decisão política, nascido com a Troica e não mais abandonado, abafou e remeteu o porto para uma periferia estagnante onde se encontra e por onde a discussão do seu futuro tem de começar.
Luísa Salgueiro, também Presidente da Associação de Municípios, é, sem dúvida, quem melhor pode contribuir para repor a tradição municipalista de Portugal, de descentralização, e, assim, contribuir para um futuro, risonho, do Porto de Leixões ao serviço das dezenas de municípios e de ayuntamientos cujo tecido empresarial acredita no seu valor intrínseco, no seu “non zero-sum value”, na sua capacidade de mutualização para os Stakeholders, do valor criado pelo crescimento e pela inovação que irradiam da prosperidade do porto.
As Pessoas que tiveram o privilégio, que eu tive, de acompanhar o conceito da Portaria Nova e de todo o ambiente digital que o acompanhou, só por lapso de memória não reconhecem a atmosfera de inovação, de investigação que se respirava, nessa altura, por todos os cantos e de que o Norte e o Centro do País beneficiaram e que a centralização da decisão, destruiu.
Prezada Dr.ª Luiza Salgueiro, ilustre Presidente da Câmara Municipal de Matosinhos e notável Presidente da Associação de Municípios, vamos discutir o futuro do Porto de Leixões, sim, mas comecemos por discutir o modelo centralizador pelo qual estão a ser geridos os portos portugueses, em que as tentações de institucionalizar o modelo em organizações Holding têm de ser contrariadas, devolvendo ao porto a sua capacidade de decisão digna de uma Empresa Pública S.A..
As Cadeias Logísticas de hoje onde os portos se inserem são ágeis para responder, em tempo real, ao contexto de incerteza geoestratégica de que fala na sua coluna no Jornal de Notícias.
Ex-Presidente da Comunidade Portuária de Leixões
Li com muito interesse o artigo de opinião de Jaime V Santos e sigo também atentamente as intervenções de Luisa Salgueiro aqui referidas.
Também concordo que o Porto de Leixões tem que ser repensado atempadamente e nao pode sr abandonado ao destino do acaso.
Mas o seu desenvolvimento nao pode ser contra as comunidades locais que convivem com a sua dinâmica e sao condicionadas na sua vida.
A soma “non zero” tem que ser equilibrada e não pode ser negativa para as comunidades locais.
Veja-se a desprezo que a actual administração reservou para a náutica de recreio, quer na vertente de vela quer na pesca lúdica, bem como a pesca profissional.
As decisão de construir um novo terminal de contentores no lado norte (Leça da Palmeira), alterando o projecto de o construir a Sul, vai acabar com as infraestruturas que suportam a actividade de desporto náutico há mais de uma centena de anos, e serve uma vasta comunidade, ao construir o terminal sobre a Marina.
Neste projecto não houve o cuidado de salvaguardar os interesses das populações, que vão sofrer impacto negativo (soma negativa na equação formulada pelo autor) ficando privadas de uma infraestrutura única na região e vão criar um imenso campo estacionamento de contentores na frente marítima de uma cidade.
Os interesses das populações locais são também legítimos e nao podem ser prejudicados em favor de interesses puramente económicos e privados.
Repense-se o Porto de Leixões, sim, mas pense-se também em criar alternativas em primeiro lugar antes de destruir.