Recentemente soubemos da decisão do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos (TEDH) sobre a ação movida pelos jovens portugueses que apresentaram queixa contra 32 países, incluindo Portugal, por inação na luta contra o aquecimento global. Ora, se esta questão não estivesse já no centro das nossas preocupações (sobre um futuro que é amanhã, e não é daqui a 50 anos!), era esta uma boa oportunidade para discutirmos a urgência climática.
Este cenário, global e local, de desafios e ações na gestão costeira e hídrica encontra eco em movimentos universais, tanto a nível europeu quanto americano, exigindo dos governos ações concretas contra o aquecimento global. Processos sem precedentes como o julgamento de Montana, nos EUA, onde o direito a um ambiente limpo foi defendido, sublinham a crescente demanda por justiça climática e a urgência de políticas efetivas de mitigação e adaptação.
A erosão costeira, amplificada pelas alterações climáticas, não conhece fronteiras. De Espanha ao Reino Unido, dos Açores a Portugal continental, a história repete-se com variações locais, mas com um denominador comum: a necessidade de adaptação e de ação urgente. No Reino Unido, aldeias como Happisburgh testemunham a perda de dezenas de casas para o mar, enquanto nos Açores o Plano de Ordenamento da Orla Costeira de São Jorge é revisto para proteger o patrimônio ambiental e cultural das fajãs.
Na interface entre a urgência climática e a preservação dos nossos recursos costeiros e hídricos, aqui ao lado, o Governo espanhol adotou recentemente uma medida impopular: a expropriação de propriedades vulneráveis à erosão costeira e ao avanço do mar. A estratégia inclui a expropriação de propriedades em áreas vulneráveis, como apartamentos, hotéis e bares localizados na orla costeira, com o objetivo de mitigar os efeitos das alterações climáticas e proteger as zonas mais sensíveis. Posteriormente, propõe-se ceder a concessão destes imóveis aos proprietários originais por um prazo de 30 anos, prorrogáveis, introduzindo também um limite de 75 anos para as concessões de atividades junto à orla. Esta decisão reflete um despertar global para a necessidade de proteger as áreas costeiras, fundamentais tanto para o equilíbrio ecológico quanto para a atividade humana.
A gestão do domínio público hídrico, especialmente no contexto português, adquire uma camada adicional de complexidade e importância – em Portugal, a erosão levou 100 hectares da nossa linha de costa em apenas nove anos, um sinal alarmante que nos obriga a repensar a nossa relação com o litoral.
No coração da gestão das zonas costeiras e da luta contra as alterações climáticas encontram-se as infraestruturas portuárias, essenciais para a economia global e local. Os portos, como os de Lisboa, Leixões e Sines, representam mais do que pontos de trânsito para mercadorias; são catalisadores de desenvolvimento económico, centros de emprego e inovação, e peças fundamentais na cadeia logística internacional. A sua importância estratégica é inegável, o que também os torna particularmente vulneráveis aos impactos das alterações climáticas, como a subida do nível do mar e eventos meteorológicos extremos.
A sustentabilidade e a resiliência das infraestruturas portuárias emergem, assim, como temas críticos no debate sobre a adaptação climática. A preparação dos portos para enfrentar estas mudanças exige uma visão proativa e medidas concretas, que vão desde a fortificação de defesas costeiras, passando pela adaptação das estruturas portuárias existentes, até ao planeamento cuidadoso de novas construções com critérios de sustentabilidade e resiliência. Este esforço não apenas protege o património e assegura a continuidade das operações portuárias, mas também contribui para a mitigação dos efeitos climáticos adversos, através da redução da pegada ecológica e da promoção de práticas operacionais sustentáveis.
Os portos, como os de Lisboa, Leixões e Sines, representam (…) peças fundamentais na cadeia logística internacional. A sua importância estratégica é inegável, o que também os torna particularmente vulneráveis aos impactos das alterações climáticas…
Além disso, a interação entre as infraestruturas portuárias e as áreas urbanas e rurais adjacentes exige uma abordagem integrada que considere os impactos sociais, económicos e ambientais de maneira holística. A colaboração entre os setores público e privado, a inovação em tecnologias verdes e sistemas de gestão ambiental, e o envolvimento das comunidades locais são essenciais para criar um setor portuário que seja ao mesmo tempo resiliente e sustentável.
Entender estas ameaças potenciais à infraestrutura portuária torna-se decisivo para o desenvolvimento de estratégias de mitigação eficazes. Os impactos nos portos variam dependendo de sua localização geográfica e das medidas de proteção existentes. Por exemplo, portos como Roterdão e Amesterdão já possuem defesas contra inundações e tempestades. No entanto, diante do aumento projetado do nível do mar devido a cenários climáticos em mudança, é provável que se torne necessário atualizar as defesas existentes.
As medidas de adaptação tomadas por vários portos europeus fornecem insights valiosos, destacando-se medidas como barreiras físicas, mas também soluções logísticas destinadas a minimizar as interrupções comerciais causadas por eventos climáticos extremos ou níveis de água crescentes. Tais intervenções são necessárias, considerando que qualquer interrupção nas operações portuárias pode afetar regiões não costeiras conectadas por redes rodoviárias ou vias navegáveis interiores, bem como regiões de antemão em diferentes continentes devido a efeitos secundários da elevação do nível do mar em escala global.
Neste cenário de desafios e soluções, seria interessante promover iniciativas focadas na monitorização e gestão das zonas costeiras e hídricas. Um programa dedicado a acompanhar a evolução das praias, dunas e arribas, utilizando tecnologias avançadas e modelagem de dados, poderia fornecer insights valiosos para a tomada de decisões estratégicas na proteção contra a erosão e na adaptação às alterações climáticas. Uma iniciativa como esta permitiria não apenas uma gestão mais eficaz dos recursos naturais e da biodiversidade costeira, mas também a implementação de medidas de adaptação que garantam a sustentabilidade das atividades económicas e a segurança das comunidades locais. O desenvolvimento e a implementação de um programa nacional neste âmbito reforçariam a resiliência de Portugal aos desafios impostos pelas mudanças climáticas, alinhando-se com esforços globais para a sustentabilidade e proteção do patrimônio natural costeiro.
Assim, a resposta – que tem tardado – ao desafio das alterações climáticas requer uma abordagem integrada e multifacetada, que abarque desde a proteção ambiental até o desenvolvimento económico sustentável, garantindo que as atividades portuárias e à beira-rio sejam resilientes e contribuam para a mitigação dos impactos climáticos. O setor marítimo desempenha um papel crítico na economia mundial e no comércio internacional; portanto, interrupções devido aos impactos das mudanças climáticas podem potencialmente desestabilizar os sistemas económicos globais.
A decisão de enfrentar estes desafios não é apenas uma questão de política ambiental, mas de justiça social e económica. As gerações futuras merecem herdar não apenas um planeta habitável, mas espaços costeiros e fluviais que continuem a ser fontes de vida, cultura e prosperidade. A hora de agir é ontem, e todos – Governos, comunidades e indivíduos – têm um papel a desempenhar nesta missão.
Mestre em Gestão Portuária, pela Escola Náutica Infante D. Henrique