O paradigma de que os operadores do transporte marítimo eram clientes dos terminais portuários viveu durante muitas décadas, fruto dos modelos de governança existentes no passado, e das condições existentes para os operadores marítimos. A globalização, a par do desenvolvimento económico, e as políticas de aquisições e expansão verificadas no transporte marítimo, levou a alguns avanços e recuos por parte dos operadores globais do transporte marítimo. Com maior preponderância no lado dos terminais ao nível da operação, ou com mais foco no transporte marítimo, foram vários os casos de sucesso, mas houve também alguns casos em que ligados a operadores globais ou não, a economia levou a alguns elefantes brancos, espalhados a nível mundial de terminais que ficaram secos, deixados às gaivotas durante alguns anos.
A relação nacional com os portos africanos vem de longe, desde a política expansionista dos primórdios da nação, até ao presente, onde os portos da CPLP tiveram, e alguns continuam ainda a ter proximidade com a indústria e economia portuguesas. Contudo, os portos africanos na sua generalidade, foram durante os últimos anos, de um modo ou de outro, tomados por vários operadores, países, ou interesses, de modo a desenvolver as suas capacidades, mas também para se aproveitarem das oportunidades existentes. Os Global Terminal Operators (GTO), têm tido grande preponderância neste papel, na medida em que além do investimento nas infraestruturas conseguem trazer carga para estes portos e conhecimento mundial para potenciar a produtividade nos portos. Recentemente assistimos à notícia da DP World a ganhar a concessão do Terminal Multiusos de Luanda por 20 anos, com um projeto de investimentos associado até 2040 no ramo das infra e supraestruturas.
Num relatório recente da Africa CEO Forum em conjunto com a consultora Okan, “Africa’s Ports : Fast-Tracking Transformation”, vários especialistas mostram uma visão do que pode ser a integração dos portos africanos nas cadeias logísticas globais. Se em alguns portos/terminais africanos isso já acontece, outros permanecem ainda como fins de linha em alguns casos.
Considerando os últimos 30 anos, o investimento privado nos portos africanos foi 13 vezes superior nos últimos 15 anos. Esse investimento foi maioritariamente feito por GTO’s nos vários países onde se estabeleceram (gráfico 1). Se tivermos em consideração o investimento público nos últimos 15 anos os valores superam os US$ 50 biliões. Alguns desses investimentos continuam, distribuídos por todo o continente africano, espalhando a influência dos GTO’s.

Pese embora os investimentos nos portos africanos, apenas três países representaram, em 2018, mais de 50% dos volumes movimentados em África ao nível da carga contentorizada (gráfico2), atingindo níveis perto dos 5/6 milhões de TEU’s: são eles, Marrocos, Egito e África do Sul. Dois deles certamente pelo posicionamento mediterrânico e estratégias dos seus GTO’s, enquanto que a África do Sul com outras motivações de tráfego.

As maiores economias têm revelado grande interesse nos portos africanos nos últimos anos, sendo a China um dos maiores parceiros, com investimentos feitos ou previstos em cerca de 46 portos africanos. Os GTO’s têm tido igualmente um maior envolvimento nas concessões disponibilizadas pelas autoridades portuárias, bem como nos processos de privatização decorrentes. Podemos encontrar os principais operadores, distribuídos pelo continente africano (mapa1).

Os investimentos realizados levaram em muitos casos ao consequente aumento da produtividade e conetividade, não sendo contudo um efeito imediato na maioria dos casos. Em muitos portos a margem de progressão é enorme ainda, tanto do lado dos custos, como da eficiência. Existem casos de sucesso como Tanger Med que, beneficiando de condições dadas não apenas pela sua localização geográfica, mas também de práticas associadas ao operador portuário e ao tráfego que acompanha o mesmo, consegue estar no top 25 do ranking da conetividade, subindo nos últimos 12 anos quase 80 posições na sua classificação (gráfico 3).

Marrocos (24.º), Egito (41.º) e África do Sul (50.º) conseguem estar no top 50 da eficiência dos serviços portuários, dominado por Singapura, de acordo com o World Economic Forum. Em 22 países africanos, os navios demoram em média menos de dois dias nas suas escalas, de acordo com a UNCTAD; nos terminais em Djibouti e Cape Town demoram em média menos de um dia.
As maiores economias têm revelado grande interesse nos portos africanos nos últimos anos, sendo a China um dos maiores parceiros, com investimentos feitos ou previstos em cerca de 46 portos africanos. Os GTO’s têm tido igualmente um maior envolvimento nas concessões disponibilizadas pelas autoridades portuárias, bem como nos processos de privatização decorrentes.
Como já enunciado, muito existe ainda por fazer ao nível da eficiência em muitos dos portos/terminais africanos, onde a mão de obra utilizada, especialmente fora do arco mediterrânico, é intensa e menos eficiente na grande parte dos casos comparando com outros portos. Cerca de 80% do comércio exterior africano passa pelos portos, tendo movimentado os portos africanos cerca de 30 milhões de TEU’s em 2017. Enquanto assistimos a cerca de 80 TEU’s por hora processados no porto de Roterdão, a maior parte dos portos africanos, apresenta valores abaixo da metade, ou mais inferiores ainda para grande parte dos portos (gráfico 4) – podemos ter como exemplo o porto de Luanda com cerca de 13 TEU’s processados por hora de trabalho, mas temos que ter em atenção que estes valores podem em muitos casos decorrer também do tipo de equipamentos usados nos vários terminais/concessões, entre outros problemas que facilmente justificam estes números. Já ao nível da rotação dos contentores no cais, em Roterdão os valores apresentados são de cerca dois dias, e nos portos africanos mais desenvolvidos conseguimos ter valores abaixo de 10 dias para retirar contentores de um dado terminal, mas podem chegar a quase um mês em alguns casos, denotando assim grandes ineficiências na cadeia de transporte, quando existe a necessidade de passagem por esses terminais.

Por norma o custo associado às operações é também bastante mais alto do que na Europa. Dos cerca de 1700 dólares por TEU estimados para os portos africanos, segundo o relatório acima enunciado, a Europa regista cerca de 300 dólares, ou seja, cerca de 6 vezes menos.
Em suma, o caminho tem estado a ser trilhado ao longo dos últimos anos, quer com potências económicas que já se encontram instaladas há vários anos, quer com os operadores globais do transporte marítimo, quer com terminais e o tráfego que detêm, procuram zonas do globo onde possam maximizar o seu transporte e os lucros. O relatório identifica algumas áreas onde é necessária atenção para o desenvolvimento portuário nos portos africanos. O investimento em terminais que tragam um crescimento sustentado ao longo do tempo, em zonas de rotas comerciais que possam ajudar a desenvolver as regiões onde se instalam, criando novos hinterlands. Que sejam mais eficientes, alinhando-se com padrões europeus, reduzindo os procedimentos e alterando as políticas de armazenamento e respetivos custos, fazendo uso da tecnologia e com o treino do pessoal para responder às necessidades. Que atraiam e mobilizem o setor privado, definindo a estratégia portuária a seguir, com quadros legais transparentes e que possam dar espaço ao investimento privado, defendendo os modelos de governança e o interesse público na procura da competitividade e do aumento da performance portuária nos portos africanos na sua generalidade. Potenciar a ligação porto-cidade e a conetividade com o hinterland, desenvolvendo corredores multimodais e criando redes de portos secos, com ligações aos portos costeiros, integrando e modernizando os clusters industriais, e criando portos e terminais mais especializados, que possam receber maiores navios, usando tecnologia e equipamentos de última geração.
É certo que as necessidades do mercado e dos seus investidores são o mundo ideal, na procura dos seus lucros e nem sempre o mundo apresentado é esse, mas deste modo, os portos africanos podem começar a trilhar um novo caminho, em conjunto com empresas com o know-how mundial neste setor.