As Eleições Legislativas realizam-se a 18 de maio, pouco mais de um ano após as últimas, e voltamos à análise dos programas dos partidos com representação parlamentar para perceber o que se prevê para os portos, o setor marítimo-portuário e a economia azul.
A metodologia mantém-se: sem comentários opinativos, apenas levantamento factual. Ou pelo menos tentamos!
Infelizmente, há algo que também se mantém: a irrelevância mediática do tema. A ausência quase total de discussão nos debates e nas prioridades políticas visíveis diz tudo. É como se o país se esquecesse de que mais de 80% do comércio externo depende dos portos. A economia azul é constantemente evocada como “estratégica”, mas raramente tratada como tal na prática.
No panorama atual, destaca-se que nem todos os partidos atribuem o mesmo grau de centralidade ao setor. Apenas duas forças políticas – PS e AD (PSD/CDS) – apresentam propostas completas, transversais e com desenvolvimento técnico visível. Nestes casos, as medidas cobrem todas as dimensões: gestão portuária, modernização infraestrutural, integração europeia, pesca, aquicultura, ciência, biotecnologia e ordenamento ambiental.
Os restantes partidos abordam o tema de forma parcial, concentrando-se num subconjunto do setor ou adotando uma lógica mais ideológica, ambiental ou regulatória, sem propostas desenvolvidas ou operacionais. Há ainda casos de omissão quase total, como se o setor não estivesse sequer em consideração no desenho de políticas públicas.
Assim, e avançando para os programas:
- A coligação AD apresenta um programa do qual se destacam as propostas para digitalização dos portos, expansão de infraestruturas, integração nas redes transeuropeias de transporte, atualização do quadro legal e redefinição da governação das administrações portuárias. O setor marítimo é alvo de um diagnóstico crítico, que identifica falhas na gestão e planeamento, e propõe uma mudança de paradigma centrada na sustentabilidade e digitalização. No eixo da economia do mar, o programa inclui medidas para a valorização dos subprodutos marinhos, desenvolvimento científico, descarbonização da frota pesqueira, apoio à pesca artesanal, promoção de circuitos curtos de comercialização e criação de um quadro regulatório para a aquicultura. A literacia marítima e a implementação da Estratégia Nacional do Mar também são referidas como prioridades.
- O PS, por sua vez, propõe uma articulação estratégica entre os portos nacionais, expansão da Janela Única Logística e aposta na descarbonização das infraestruturas, com referência específica aos portos de cruzeiros. Aborda também as condições laborais no setor portuário e a retenção de valor no transporte marítimo, por via do registo nacional. Na economia azul, surgem medidas para modernização da pesca, desenvolvimento da aquicultura, dinamização da construção naval, biotecnologia marinha, robótica subaquática e turismo náutico. A criação de um centro internacional de biotecnologia e o reforço do Fundo Azul para áreas emergentes completam o quadro.
- O programa do CHEGA contém propostas objetivas e operacionais para os portos comerciais, com foco em produtividade, custos e articulação logística. No entanto, a abordagem ao transporte marítimo é reduzida, e a economia do mar aparece apenas sob a forma tradicional da pesca, com ausência de políticas estruturais ligadas à economia azul, à investigação, à sustentabilidade integrada ou à inovação marítima. Trata-se de uma abordagem parcial, com foco claro na infraestrutura portuária e no setor primário, mas sem uma visão integrada ou estratégica do mar como vetor económico transversal.
- A Iniciativa Liberal centra-se em medidas de liberalização económica: concursos públicos internacionais para concessões portuárias, revisão da Estratégia Nacional do Mar e criação de uma plataforma única de dados. Embora proponha simplificação regulatória e incentivo à biotecnologia marinha, não inclui propostas para pesca, transporte marítimo ou ordenamento do espaço marítimo. Há ainda referências imprecisas, como a menção a “renovações automáticas” de concessões, que não correspondem ao quadro legal vigente.
- O Bloco de Esquerda foca-se nas componentes ambiental e social. Propõe a eletrificação obrigatória dos portos, moratória à mineração em mar profundo, limitação temporal aos navios de cruzeiro, apoio à pesca sustentável e fixação de preços mínimos na primeira venda de pescado. No entanto, não apresenta medidas para os portos comerciais, transporte marítimo ou desenvolvimento infraestrutural.
- A CDU (PCP) adota uma linha de recuperação de soberania sobre o setor. Defende a gestão pública dos portos, a revogação do registo de navios da Madeira (MAR) e a reconstrução de uma marinha de comércio nacional. Propõe ainda investimentos na construção e reparação naval, valorização da pesca e reforço das infraestruturas sob gestão pública. As propostas focam-se nas dimensões económica e laboral, mas não incluem medidas sobre inovação, digitalização ou alinhamento com redes e fundos europeus.
- O programa do LIVRE não apresenta propostas específicas dirigidas à gestão ou desenvolvimento dos portos comerciais nacionais. O único segmento parcialmente relacionado é a proposta de modernização do transporte fluvial (Setúbal-Tróia), ainda assim com foco local e em mobilidade urbana e não na estrutura portuária de carga ou cruzeiros. Apresenta, ainda assim, propostas relevantes na vertente ambiental e científica da economia do mar, com enfoque na conservação, pesca sustentável e investigação. Contudo, omite praticamente todas as dimensões operacionais da política portuária e do transporte marítimo, e não desenvolve uma estratégia económica para a economia azul no sentido mais abrangente do termo.
- O PAN apresenta propostas próximas às dos partidos maiores, sobretudo no plano ambiental. Reconhece atrasos estruturais e propõe digitalização, integração europeia e apoio à transição energética. Valoriza a biotecnologia marinha, a investigação científica e a descarbonização da frota pesqueira. No entanto, as propostas são mais genéricas e menos densamente estruturadas.
A ausência quase total de discussão nos debates e nas prioridades políticas visíveis diz tudo. É como se o país se esquecesse de que mais de 80% do comércio externo depende dos portos.
A partir da leitura dos programas, verifica-se uma repetição de algumas metas e intenções. A classificação de 30% das áreas marinhas como protegidas até 2028, por exemplo, é referida pela maioria dos partidos. A digitalização dos processos, a transição energética dos portos e a promoção da aquicultura e pesca sustentável são, também, temas recorrentes. Estas convergências mostram que há um alinhamento político em torno de certos objetivos – mas também levantam a questão da diferenciação concreta entre os programas.
Por outro lado, subsistem ausências relevantes. Em vários programas, não há qualquer menção ao transporte marítimo ou aos portos comerciais. Outros não tratam do enquadramento legal e contratual das concessões, ou ignoram as necessidades de articulação logística entre portos, ferrovia e hinterland. Também se notam lacunas na abordagem à marinha mercante, à náutica de recreio ou à inovação tecnológica aplicada ao setor.
O setor marítimo-portuário continua a ser tratado como tema lateral. Mas, importa dizer, isso não se aplica a todos: PS e AD demonstram ter feito o trabalho de casa, com propostas concretas e detalhadas. Podem, e devem, ser escrutinadas na sua exequibilidade, mas são, até ver, as únicas propostas com verdadeiro corpo estratégico. Nos restantes partidos, ou o tema é ignorado, ou é tratado de forma superficial. É um erro. Os portos não são apenas infraestrutura: são fator de competitividade, soberania, coesão territorial e inovação. Sem eles, não há economia global. E sem política clara para o mar, Portugal continua a desperdiçar a sua maior vantagem geográfica.
O voto é de cada um. Mas a exigência deve ser de todos.
Nota da Autora: Segue abaixo, para efeitos informativos, uma tabela comparativa organizada de forma clara, permitindo visualizar facilmente as propostas por partido e área temática:
Portos e Atividade Portuária | Setor Marítimo e Transporte Marítimo | Economia do Mar e Economia Azul | |
AD | • Transformação digital contínua nos portos, fundos europeus e parcerias privadas.
• Investimentos na expansão portuária (contentores e ligações rodoferroviárias). • Atualização legislativa marítimo-portuária. • Apoio à transição energética dos portos. • Integração dos portos nas redes transeuropeias. • Ajuste do modelo de governação portuária. • Regime eficiente para transporte marítimo de cabotagem. |
• Diagnóstico crítico do setor marítimo-portuário nacional (gestão empresarial e planeamento integrado).
• Mudança de paradigma com digitalização e sustentabilidade. • Regime transversal de defesa dos direitos dos passageiros marítimos e fluviais. |
• Simplificação de programas europeus ligados ao mar (Mar 2030).
• Modelo de gestão para Áreas Marinhas Protegidas (30% até 2028). • Desburocratização regulatória. • Investimento reforçado em portos de pesca e descarbonização frota pesqueira. • Infraestruturas para embarcações artesanais. • Regulação favorável à aquicultura. • Circuitos curtos para comercialização do pescado. • Investimento em investigação aquícola e pesqueira. • Biotecnologia na valorização de subprodutos marinhos. • Avaliação criteriosa de concessões marítimas. • Promoção de literacia marítima e Estratégia Nacional do Mar. |
PS | • Coordenação estratégica entre portos nacionais.
• Expansão da Janela Única Logística. • Descarbonização dos portos de cruzeiros (eletrificação). • Melhoria das condições laborais portuárias. • Nova estratégia portuária com transição energética, digitalização e diversificação. |
• Política rigorosa de transporte marítimo, incentivando registo nacional sustentável.
• Otimização da governação do oceano, com coordenação institucional. |
• 30% do mar como áreas protegidas até 2028 -condicionamento à mineração submarina.
• Modernização dos setores tradicionais (pesca, aquicultura, turismo). • Fundo Azul em áreas emergentes (biotecnologia, digitalização, robótica). • Dinamização naval com energias oceânicas e embarcações ecológicas. • Centro de Biotecnologia Marinha internacional. • Pesca sustentável com modernização das infraestruturas. • Plano de expansão da aquicultura nacional. • Apoio à pesca/aquicultura pequena escala e circuitos curtos. • Náutica de recreio ampliada. • Intervenção pública estratégica e digitalização das atividades marítimas. • Promoção europeia da economia azul e proteção ambiental marítima. |
CHEGA | • Desburocratização da atividade portuária para aumentar a competitividade.
• Reformulação do modelo de gestão dos portos e modernização das infraestruturas. • Promoção da ligação ferroviária aos terminais da margem sul (ex.: Terminal de Cereais da Trafaria) para reforçar o Porto de Lisboa. |
• Promoção do transporte marítimo de curta distância para mercadorias, como alternativa competitiva e sustentável. | • Apoio à pesca como desígnio nacional, com foco na modernização da frota e promoção de métodos sustentáveis.
• Reorganização do Ministério da Agricultura, Pescas e Florestas e restabelecimento das direções regionais para maior eficácia na gestão das pescas. |
IL | • Competitividade dos portos com concessões internacionais e liberalização da cabotagem.
• Tarifário ferroviário específico nas zonas portuárias (transporte sustentável). |
n.a. | • Revisão profunda da Estratégia Nacional para o Mar 2021–2030.
• Desenvolvimento da bioeconomia azul (simplificação regulatória, biotecnologia e digitalização marítima). • Plataforma Única de Dados do Mar para suporte científico a políticas públicas. |
BE | • Segurança reforçada no trabalho marítimo e dragagens regulares em portos de pesca.
• Eletrificação e restrição temporal de navios de cruzeiro em portos nacionais. |
– | • 30% das áreas marinhas protegidas; moratória à mineração submarina.
• Restrições internacionais à pesca de arrasto e consumo de espécies abundantes. • Apoio à modernização e descarbonização da frota pesqueira. • Monitorização rigorosa e tempo real da pesca. • Revisão da Lei do Espaço Marítimo com licenças condicionadas. • Apoios económicos condicionados à estabilidade laboral marítima. • Preços mínimos de primeira venda do pescado e limitação das margens comerciais. |
PCP | • Limitação da liberalização portuária – recuperação pública das atividades portuárias.
• Eletrificação dos terminais de cruzeiros. • Plano Nacional de Dragagens. |
• Reconstrução da Marinha de Comércio nacional com frota própria – revogação do Registo da Madeira (MAR). | • Revisão da Lei do Espaço Marítimo para soberania económica e ambiental.
• Investimento em construção e reparação naval. • Proteção e valorização económica da orla costeira, aquacultura e produção salineira. • Apoios sociais e económicos à pesca; modernização frota e infraestruturas. • Promoção energias renováveis offshore. • Infraestruturas marítimas sob gestão pública. |
LIVRE | • Não apresenta propostas específicas para portos comerciais, concessões, digitalização, intermodalidade ou governação portuária. | • Proposta de ligação marítima regular entre o continente e a Madeira e entre a Madeira e as Canárias, com objetivo de continuidade territorial para passageiros e carga. | • Enfoque na conservação marinha e sustentabilidade. Expansão das Áreas Marinhas Protegidas (30% até 2030, com 10% sob proteção estrita).
• Revisão da Lei do Ordenamento do Espaço Marítimo. • Promoção da pesca artesanal, proibição da mineração em mar profundo, combate à pesca de arrasto. • Criação da Plataforma Temática Interdisciplinar Mar–Atmosfera. •Apoio à investigação científica e valorização dos ecossistemas costeiros. |
PAN | • Reconhecimento de atrasos no setor; necessidade de investimentos digitais e infraestruturais.
• Atualização legislativa marítimo-portuária e apoio à transição energética dos portos. • Integração estratégica dos portos nas redes europeias. |
– | • Simplificação dos programas europeus marítimos para execução sustentável.
• Gestão sustentável das Áreas Marinhas Protegidas (30% até 2028). • Redução burocrática para atrair investimento privado sustentável. • Investimentos nas infraestruturas marítimas locais; descarbonização frota pesqueira e aquicultura. • Promoção da investigação científica marítima, desenvolvimento do setor pesqueiro e valorização subprodutos marinhos. |
Mestre em Gestão Portuária, pela Escola Náutica Infante D. Henrique
Já é tempo, passaram 25 snos, da Yilport investir no novo terminal de contentores para substituir atual que impede seu crescimento há muitas décadas !…
Este trabalho representa um serviço público prestado pela autora e pela T&N na medida em que ajuda a esclarecer a problemática dos portos. Por razões profissionais, apenas posso reforçar a questão das ligações ferroviárias dos portos nacionais, as quais (numa altura em que os fabricantes de automóveis nacionais exportam por Vigo e Santander) carecem de medidas concretas para integração efetiva nas redes transeuropeias. Não como referido num dos programas provavelmente ficando pela boas intenções, mas de modo a cumprir com prazos bem definidos os requisitos do regulamento 2024/1679 das redes TEN-T sem isenções que condicionem o crescimento do tráfego terrestre de exportações. São ações necessárias com urgência a concretização do transporte de semirreboques por comboio, a coordenação com Espanha das ligações à Europa além Pireneus, o projeto de novas linhas em bitola europeia e ERTMS para tráfego misto Aveiro-Salamanca e Sines-Poceirão-Badajoz-Madrid-Vitoria.
Apenas uma pequena observação, de acordo com as estatísticas do INE de 2024, importações e exportações de e para o mundo, o modo marítimo assegurou 51,5% em peso e 25,8% em valor, o modo rodoviário 38,4% e 60,3% e na rubrica não aplicável 6,5% e 6,6% respetivamente .
Do resumo apresentado no fim do artigo se retira a conveniência de dar maior destaque mediático. Da diversidade de propostas também se conclui pelas vantagens do pluralismo – seria muito bom que o debate pudesse ser alargado. Interessante alguém se ter lembrado de uma necessária ligação ferroviária ao terminal de cereais da Trafaria, numa altura em que se fala da quarta travessia, do prolongamento do LRT à Trafaria e à Caparica e em que quase todos nos esquecemos que tem de se planear um porto de águas profundas entre a Cova do Vapor e o Bugio, quanto mais não seja para parar o assoreamento da foz do Tejo e a fuga das areias das praias da Caparica. Isto é, quando se fala em travessias do Tejo, traçado de linhas de Alta Velocidade e ligações ao NAL, tudo isso deveria ser planeado de forma integrada e com visão do futuro. Esperemos que os futuros deputados da CEOPH estejam abertos à dinamização de medidas concretas, com planeamento sujeito a debate alargado, com prazos bem definidos e com candidaturas ganhadoras ao financiamento comunitário que, de acordo com o próprio Tratado de Funcionamento da União Europeia (TFUE), compromete a UE no apoio à concretização das redes TEN-T.