Brasil
À semelhança do que sucedeu na Grécia, Austrália, Nova Zelândia e UK, a privatização do Porto de Santos, entretanto abandonada pelo Governo brasileiro atual, foi uma proposta que incluiu a venda das ações da empresa autoridade portuária estatal, que tem a concessão temporária das funções de autoridade portuária do porto, e dos seus ativos para a iniciativa privada. O Estado brasileiro receberia um valor definido em leilão competitivo após estudos técnicos que determinaram o preço justo da empresa a ser alienada.
A gestão geral do porto seria transferida para a iniciativa privada, que se responsabilizaria pela operação, manutenção, subconcessão de terminais, gestão e investimentos no porto, enquanto o Estado receberia ainda uma outorga onerosa pelo direito de exploração da concessão.
A privatização visava mobilizar mais de R$ 20 mil milhões em recursos para investimentos e melhorias na infraestrutura do porto, incluindo o aprofundamento do canal de acesso e melhorias em acessos rodoviários. Esperava-se que a gestão privada trouxesse maior eficiência operacional devido à flexibilidade na administração e ao maior foco em resultados, possivelmente reduzindo custos e tempos de operação.
As mudanças na gestão poderiam afetar os empregos existentes, especialmente se a nova administração optasse por automação ou reestruturação, podendo levar a demissões ou alterações nas condições de trabalho. Existiam preocupações sobre a possibilidade de a privatização poder não levar a uma melhoria da eficiência económica e que os custos de movimentação pudessem aumentar e não refletir melhorias na eficiência, afetando a competitividade dos produtos brasileiros.
O modelo de privatização proposto foi criticado por não ser aderente aos objetivos estratégicos pretendidos, como a melhoria da competitividade das exportações, e existiam temores de que o porto continuasse a necessitar de maiores mudanças e investimentos adicionais para atender adequadamente às necessidades da economia brasileira. A complexidade da privatização exige uma análise detalhada e cuidadosa dos modelos propostos para garantir que os benefícios superem as potenciais desvantagens, especialmente num ativo estratégico tão vital como o Porto de Santos.
O investimento privado estimado em mais de R$ 20 mil milhões seria destinado a uma série de melhorias e expansões cruciais para a infraestrutura portuária. Um canal mais profundo permitirá a receção de navios maiores, o que é fundamental para aumentar a capacidade do porto para receber volumes maiores de carga, aumentando a eficiência do porto, mas também reforçando a sua posição competitiva no mercado global.
Estava ainda previsto investir na infraestrutura de acessos rodoviários para otimizar a logística de entrada e saída de cargas, reduzindo gargalos devido a um sistema de transporte inadequado, melhorando a eficiência do fluxo de mercadorias e proporcionando a redução de custos operacionais e tempos de espera.
Também se esperava que a iniciativa privada pudesse catalisar a inovação na gestão portuária, introduzindo tecnologias avançadas e operações mais inteligentes e ambientalmente sustentáveis.
As empresas privadas normalmente operam com menos burocracia do que entidades governamentais, o que é crítico na gestão dos portos, em especial no Brasil, permitindo uma resposta mais rápida às mudanças no mercado e uma implementação mais eficaz de decisões estratégicas. A gestão privada tem como foco principal a rentabilidade e eficiência. Isso incentiva a procura contínua da redução de custos e melhorias no tempo de operação, o que resulta em serviços mais rápidos e um menor custo. Com investimentos em tecnologia e melhores práticas de gestão, esperava-se que a privatização levasse a uma significativa redução nos custos e nos tempos de operação, melhorando a margem de lucro, mas também aumentando a atratividade do porto para comércios internacionais, e assim a competitividade da economia brasileira, podendo fazer face às perdas de cargas para os novos portos TUP privados que surgiram nos últimos anos.
Antes da proposta de privatização, o Porto de Santos enfrentava, e continua a enfrentar, vários problemas operacionais e estruturais significativos que impactavam a sua eficiência e capacidade de responder às necessidades do comércio internacional e nacional. O porto sofria, e sofre, com infraestruturas antigas e insuficientes para lidar com o volume e a complexidade das operações modernas de carga. Equipamentos obsoletos para a movimentação de contentores e outros tipos de carga, que limitam a velocidade e a eficiência das operações portuárias.
Existem sérios problemas de congestionamento, tanto nas vias de acesso ao porto quanto nas operações internas. Os acessos rodoviários e ferroviários são inadequados, o que gera atrasos significativos e aumenta os custos logísticos. A falta de planeamento para a exportação de produtos sazonais contribui para o congestionamento de camiões, refletindo a inadequação dos acessos ao porto. A gestão do porto tornou-se cada vez mais burocrática e pouco adaptada às necessidades do mercado moderno, com uma estrutura de governação que não incentiva a eficiência ou a melhoria contínua das operações.
O porto enfrenta problemas contínuos de dragagem, necessária para manter a profundidade dos canais e cais de atracação adequada para os navios modernos de grande porte. A falta de manutenção regular e o assoreamento constante limitam a capacidade do porto de operar de forma eficiente e segura. As operações de dragagem e outras intervenções necessárias para melhorar a capacidade operacional do porto são frequentemente complicadas por questões ambientais, orçamentais, de pessoal e regulatórias, que atrasam anos os projetos de melhoria e manutenção. As novas oportunidades e as cargas fugiram do porto logo que encontravam alternativas nos novos portos privados TUP, muito mais eficientes e menos burocráticos. Esta questão tem sido cada vez mais crítica nos portos landlord de modelo latino a nível mundial.
Esses problemas demonstram a necessidade de investimentos significativos e uma gestão mais dinâmica e eficiente nos portos, o que pode paralisar e tornar os portos ineficiente e ineficazes, aspetos citados como justificação para a privatização de ativos portuários no Brasil.
Poderá ser esta uma possibilidade futura para os modelos landlord latinos globais que se enredam e perdem na burocracia, limitando capacidades e competitividade dos portos, prejudicando as economias?
A privatização do Porto de Santos foi planeada para ser executada através de um leilão competitivo, onde a gestão do porto seria transferida para uma entidade privada que ganhasse o direito de operar o porto por um período estipulado. Esta transferência seria baseada no modelo de concessão, onde o concessionário (o operador privado vencedor do leilão), para além de adquirir a empresa por valor à cabeça, seria responsável por pagar uma renda e por realizar investimentos significativos no porto, incluindo a manutenção da infraestrutura e implementação de melhorias operacionais durante a duração do contrato.
A privatização seguiria um modelo onde o parceiro privado usaria os ativos durante a vigência da concessão e os retornaria ao poder concedente ao final do contrato. O projeto incluiria a mobilização de recursos para investimentos e melhorias, como o aprofundamento do canal de acesso e atualizações em acessos rodoviários.
Internacionalmente, processos semelhantes de privatização têm sido implementados em vários portos do mundo, especialmente onde governos procuram reduzir o ónus fiscal e aumentar a eficiência operacional através da participação do setor privado. O modelo de concessão usado no Porto de Santos, embora não completamente inovador, está alinhado com práticas globais de gestão de infraestrutura crítica, onde a participação privada é incentivada para trazer eficiência, inovação tecnológica e investimento.
Poderá ser um modelo a ser adotado por países que possuem o mesmo tipo de problemas de inércia devido às questões burocráticas, legais e regulatórias, objetivos públicos não focados na operação, e falta recursos humanos, materiais e de investimento. Questões que levam ao desfocar no negócio e na eficiência e capacidade prejudicam as exportações e a competitividade das regiões e da economia, limitando o papel de criação de valor e emprego de forma flexível e ágil. No norte da Europa, o modelo hanseático, menos burocrático e mais autónomo, limita a inércia dos portos.
Mas nos países com modelos latinos na gestão portuária, a teia regulatória ambiental, financeira pública, de dependência do acionista Estado para toda e qualquer despesa (que escape a orçamentos elaborados e aprovados, ou não, de forma inflexível, minuciosa e muito antecipada) e investimentos que tornam inflexível e completamente ineficaz a gestão empresarial ágil do porto, a teia burocrática da contratação pública que se reinstalou nas autoridades portuárias em todo o mundo, mesmo após se tornarem empresas para serem mais ágeis na contratação, o enfoque na sustentabilidade per si, fora do objetivo core da eficiência e eficácia operacional do porto, o impasse nas relações e planeamento de longo prazo porto-cidade, que limitam e atrasam a expansão e o desenvolvimento portuário, as dificuldades na assunção de custos e das questões de compensação ambiental no core da operação e investimento criam fortes contestações e dilatam eternamente projetos de expansão, malvistos perante as populações.
Este tipo de modelo de privatização poderá vir a ser replicado em termos internacionais, especialmente em contextos onde o setor público procura reduzir a sua participação direta na operação de infraestruturas críticas, para as tornar mais eficientes. A chave para o sucesso de tais empreendimentos reside em garantir que os contratos de concessão sejam bem estruturados, com incentivos claros para investimentos e operações eficientes, bem como mecanismos de acompanhamento eficaz, accountability e transparência para assegurar que os operadores privados atuem em conformidade com os interesses nacionais e públicos.
Poderá ser esta uma possibilidade futura para os modelos landlord latinos globais que se enredam e perdem na burocracia, limitando capacidades e competitividade dos portos, prejudicando as economias? Na Grécia pretendem continuar este modelo que tem tido enorme sucesso. No Brasil, o enorme sucesso do portos TUP privados aponta no mesmo sentido futuro para os portos públicos ineficientes. Poderá ser o Brasil um farol para os portos? Vamos ver.
Nova Zelândia
Até aos anos 80, os portos da Nova Zelândia eram infraestruturas detidas e geridas pelas autoridades portuárias públicas, por conselhos de administração eleitos de 3 em 3 anos pelos governos locais ou regionais. Durante os anos 70 e 80 houve uma forte pressão do setor privado e do setor exportador para privatizar os portos da Nova Zelândia, essencialmente devido aos elevados custos que transmitiam à economia.
Em 1984, o Governo começou um processo de consulta sobre como melhorar a competitividade na frente portuária, estabelecendo uma comissão para a revisão da situação dos portos, que deveria realizar uma série de recomendações. Para além deste processo, o Governo estabeleceu três objetivos:
1) Separar as funções comerciais das não-comerciais na autoridade portuária, formando novas empresas comerciais;
2) Liberalizar a atividade e dar maior ênfase nos aspetos comerciais;
3) Aplicar “standards” internacionais em termos de contabilidade e medida da performance semelhantes aos do setor privado.
Dois documentos legais foram aprovados:
- The Port Companies Act 1988;
- The Waterfront Reform Act 1989.
Alguns dos conselhos de administração das empresas portuárias comerciais criadas pelo Estado decidiram então vender parte das ações, pelo que são hoje cotadas na bolsa, regendo-se pela lógica privada. Neste âmbito, a autoridade portuária dos portos de Auckland comprou 20% das ações da empresa comercial portuária. Em 12 anos, a empresa triplicou o número de contentores movimentados, reduziu o volume de pessoal e reduziu o tempo de rotação dum contentor em porto.
Das privatizações iniciadas nos anos 80 resultaram benefícios em termos de maior eficiência na gestão e operação das áreas portuárias, maior flexibilidade do horário laboral e benefícios económicos paras as empresas portuárias.
Cinco dos treze portos da Nova Zelândia foram cotados na bolsa New Zealand Stock Exchange. No entanto, todos os portos permanecem sob o controlo maioritário dos governos locais ou regionais, não tendo sido privatizada a maioria do capital. A menor percentagem de controlo do Estado é registada no porto de Touranga, o maior em tonelagem na exportação de produtos florestais, evidenciando que há uma relação entre a percentagem de privatização de um porto e a sua performance global.
No entanto, em termos de acessibilidades terrestres, o aumento que se tem verificado no tráfego tem vindo a criar alguma preocupação ao nível do impacto ambiental, no congestionamento rodoviário e na segurança, havendo também um crescente desagrado com os impactos da própria atividade portuária no ambiente.
Grécia
Com a crise financeira iniciada em meados de 2008, a Grécia foi obrigada a vender parte das ações dos seus dois principais portos, Pireu e Salónica, ou seja, das respetivas autoridades portuárias: Pireu PA e Thessaloniki PA, a privados.
Foram adquiridas pela COSCO Shipping e por um grupo que integrava a CMA CGM, respetivamente. Isto não só originou resultados positivos importantes na movimentação de cargas, mas também diversos conflitos.
As duas entidades estatais tinham sido criadas há um século, com funções de empresa autoridade portuária (PA) e operadora portuária de terminais, o que gerou algum conflito de interesses. Este conflito de interesses foi agravado pela adição da função de armador às mesmas empresas, no contexto dos grupos económicos internacionais, associada à privatização.
Tratou-se de uma venda da administração e operação do porto, em que as áreas portuárias continuaram propriedade do Estado, mas a sua gestão foi vendida a privados, que ficaram com a concessão dos portos.
Foi lançado um concurso internacional para a venda, que foi concluído em janeiro de 2016. No caso de Pireu, seis concorrentes manifestaram interesse, mas apenas a China COSCO Shipping Corporation Ltd. obteve a adjudicação, tendo ficado com a obrigação de pagar 280,5 milhões de Euros pela compra das ações e realizar investimentos de 350 milhões de Euros.
O Estado grego reteve uma participação, tendo o Parlamento grego aprovado o acordo assinado com a China COSCO Shipping em julho de 2016. Face ao sucesso da operação, o governo grego está a considerar a privatização de mais 10 portos regionais estatais, o que quer dizer que estão mesmo satisfeitos com esta nova abordagem à governação portuária.
Os portos são Rafina, Elefsina, Lavrio, Volos, Patra, Igoumenitsa, Alexandroupolis, Irakleio em Creta, Corfu e Kavala. Estes serão privatizados através de acordos de concessão parciais ou esquemas de gestão integral, conforme se considere mais adequado a cada caso.
O setor privado apenas terá direito sobre os ativos durante a concessão, sendo estes propriedade do Estado grego, como já referido. O governo tem ainda o direito de rescindir o contrato de concessão sob certas condições.
A PCT, Piraeus Container Terminal, uma importante autoridade portuária grega, registou um grande aumento do movimento dos seus contentores, em especial com o tráfego de transhipment, e ambiciona ser nº 1 na Europa. Quando o PIB grego diminuiu 25%, de 2010 a 2015, o porto de Pireu passou do 15º porto europeu em 2007 para o 6º maior em 2019 (Figura 6), com um movimento próximo dos 6 milhões de TEU (contentores equivalentes a 20 pés de comprimento). A PCT fez investimentos de 341,6 milhões de Euros, com a compra de grantry-cranes super post panamax, entre outros.
Claro que também existem problemas para a regulação. Como porto exemplo, existem poucas entidades dominantes no mercado portuário, sendo a autoridade portuária do maior porto do país também operador de 90% dos contentores nacionais.
É uma perspetiva exigente para o regulador público, mesmo com mecanismos que garantam o interesse público, as condições de trabalho e a não discriminação de navios.
Para os utilizadores, é necessário garantir a concorrência, qualidade, preços e investimentos, existindo um conflito entre as perspetivas do mercado global versus regional. As instituições de regulação têm tido dificuldade em defender tanto os interesses públicos, como os das partes interessadas.
Outros exemplos de potenciais zonas de conflito na Grécia são o ambiente e as comunidades locais, como sucedeu no caso das poeiras e tráfego de camiões no centro da cidade de Atenas, aquando das obras do porto de Pireu, cujos materiais poderiam ter vindo de barcaça.
Existe ainda a questão de se verificar alguma desregulamentação e despreocupação com os riscos e segurança do porto. Outro exemplo, existe o risco de concorrência desleal entre o porto e a economia local no terminal de cruzeiros, onde o shopping previsto está a dificultar a vida às lojas e comércio local.
Pode verificar-se ainda a não prestação da devida atenção a segmentos portuários de interesse público, pouco rentáveis, que não alinhem com os interesses prioritários da autoridade portuária privada. Exemplos disto são o turismo, a pesca, a aquacultura, entre outros. Como também pode ocorrer o incumprimento da legislação laboral e conflitos com os estivadores, levando a greves.
Existem alguns que se queixam da penalização de armadores nacionais e de cargas de interesse nacional, com o favorecimento dos armadores globais da empresa privada a quem foi concessionado o porto. Um exemplo disto é o favorecimento dos armadores do grupo CMA CGM no porto de Salónica. Outra queixa dá-se quanto ao aumento dos preços atribuídos à carga no mar, no porto e em terra, para os utilizadores cativos locais.
Outros temas são o risco de investimento fora do porto dos lucros gerados no porto, por parte do privado, descapitalizando a autoridade portuária ou a Concessionária do terminal, assim como as suas eventuais divergências no planeamento do porto com o Estado e a cidade.
VÍTOR CALDEIRINHA
Haja pudor! Quando vai parar a sanha de privatizar tudo quanto é rentável, compromete a soberania nacional e quando os exemplos de privatização não deram bom resultado em nenhum lado?
Os portos portugueses, com excepção de Lisboa por causa de um crónico (espero que resolvido) problema com a estiva, não têm mais tráfego apenas por uma razão: a geografia… Não é a privatizar ou a inventar a roda hexagonal que o tráfego vai aumentar, se não aumenta o consumo nem a produção para os mercados externos…