A indústria automóvel em Portugal tem assumido, nas últimas décadas, um papel central no panorama económico nacional. Representando uma parcela relevante das exportações portuguesas e contribuindo significativamente para o Produto Interno Bruto (PIB), este setor está intimamente ligado à eficiência logística e portuária do país.
O escoamento da produção automóvel, que envolve uma complexa cadeia intermodal de transporte, enfrenta hoje diversos desafios estruturais e conjunturais que comprometem a competitividade de Portugal neste mercado globalizado. Este artigo visa expor os principais problemas enfrentados pelo país nesta matéria, abordando também as transformações recentes no setor e as implicações logísticas e económicas que delas advêm.
A instalação da Autoeuropa, em Palmela, em 1991, representou um marco no desenvolvimento da indústria automóvel portuguesa. Esta fábrica, integrada no grupo Volkswagen, impulsionou a criação de um cluster automóvel altamente competitivo, com efeitos multiplicadores na economia. Com uma área superior a 2 milhões de metros quadrados e uma capacidade produtiva superior a 240 mil unidades por ano, a Autoeuropa é responsável por uma fatia significativa da produção nacional. Este investimento exigiu, desde o início, a existência de soluções logísticas que permitissem escoar veículos para diversos mercados internacionais, maioritariamente por via marítima, tendo o Porto de Setúbal assumido um papel crucial neste processo.
Ao longo dos anos, a Autoeuropa modernizou os seus processos produtivos e ampliou a sua capacidade, mantendo-se como o maior exportador nacional. No entanto, os desafios logísticos acentuaram-se, sobretudo com o aumento da produção e a exigência de rapidez nos fluxos de transporte. Portos como os de Lisboa, Sines e Aveiro foram analisados como alternativas complementares, embora o Porto de Setúbal continue a ser o mais utilizado devido à sua proximidade à fábrica e à sua especialização em carga ro-ro (roll-on/roll-off).
O Porto de Lisboa, apesar da sua relevância histórica e localização estratégica, enfrenta limitações operacionais e de espaço que restringem a sua competitividade no escoamento automóvel. O Porto de Aveiro, por sua vez, tem desenvolvido uma infraestrutura moderna e tem potencial de crescimento, embora ainda sem expressão no transporte de veículos. O Porto de Sines destaca-se pelo seu potencial de expansão e pela integração em cadeias logísticas globais, mas a ausência de terminais especializados neste segmento limita a sua atuação direta no escoamento de veículos.
O Porto de Setúbal permanece, assim, o principal hub automóvel nacional. Este porto destaca-se pelas suas características técnicas, pela existência de operadores especializados, como a AutoEuropa Logística, e pela sua capacidade de movimentação eficiente de viaturas. Contudo, enfrenta problemas de congestionamento e de saturação de capacidade, especialmente em períodos de maior produção ou chegada massiva de importações, como tem sido o caso recente com os automóveis de origem chinesa.
A crescente dependência de portos estrangeiros é sintomática de uma incapacidade estrutural que compromete o futuro da indústria nacional.
As infraestruturas terrestres, nomeadamente rodoviárias e ferroviárias, são também elementos críticos no escoamento da produção. Embora Portugal possua uma rede rodoviária moderna, persistem dificuldades ao nível da ligação ferroviária eficiente aos portos, o que limita a intermodalidade e aumenta os custos logísticos. A aposta na ferrovia tem sido discutida como prioritária, mas os investimentos ainda não acompanharam o ritmo necessário às exigências do setor.
O escoamento marítimo continua a ser o principal meio utilizado, sobretudo para destinos no norte da Europa, através de navios ro-ro operados por companhias especializadas. A limitação de espaço nos portos, associada à chegada massiva de viaturas importadas da China, tem provocado sérios constrangimentos. Marcas como BYD, MG, Chery e Geely são responsáveis por um elevado volume de importações, muitas vezes sem correspondência imediata no consumo interno, o que leva à acumulação de veículos nos terminais e prejudica o escoamento da produção nacional.
Neste contexto, é inevitável comparar a competitividade dos portos portugueses com os espanhóis. Portos como Vigo e Santander tornaram-se alternativas preferenciais para fábricas como a Autoeuropa e a Stellantis, devido à maior capacidade, eficiência operacional e condições logísticas. Estas unidades começaram a escoar parte da sua produção via Espanha, recorrendo ao transporte rodoviário e ferroviário para movimentar os veículos até aos portos espanhóis.
A Stellantis Centro de Mangualde, por exemplo, produz veículos das marcas Citroën, Peugeot e Opel, escoando uma parte significativa da sua produção através de rotas intermodais até aos portos de Vigo e Santander, devido à saturação e ineficiências registadas em Setúbal. Esta realidade reflete não apenas a pressão logística existente, mas também a incapacidade de resposta adequada dos portos nacionais às necessidades da indústria.
Importa referir que, para além da crescente competição externa, há desafios estruturais a nível nacional. A falta de planeamento integrado, a morosidade nos investimentos em infraestrutura e a escassa aposta na digitalização e automação portuária são fatores que limitam o desempenho logístico português. A pandemia da COVID-19 também agravou temporariamente os fluxos de produção e transporte, interrompendo cadeias de abastecimento e atrasando processos exportadores. Paralelamente, o Brexit trouxe novos entraves administrativos e logísticos no acesso ao mercado britânico, um destino relevante para veículos portugueses.
Adicionalmente, a transição energética está a alterar profundamente o mercado automóvel. A procura por veículos elétricos cresceu, mas empresas como a Volkswagen mostraram-se pouco preparadas para produzir modelos acessíveis às classes médias, resultando em veículos que permanecem armazenados sem procura efetiva, aumentando os problemas de logística inversa nos terminais. Este descompasso entre produção e consumo afeta diretamente a eficiência do escoamento, com implicações económicas relevantes.
Em conclusão, o escoamento da produção automóvel em Portugal enfrenta uma multiplicidade de desafios que exigem uma abordagem integrada e estruturada. Apesar dos avanços registados nas últimas décadas, as limitações infraestruturais, os constrangimentos portuários, a concorrência internacional e as mudanças de paradigma no setor automóvel colocam o país numa posição vulnerável. A crescente dependência de portos estrangeiros é sintomática de uma incapacidade estrutural que compromete o futuro da indústria nacional. O reforço da infraestrutura logística, a modernização dos portos e a aposta na intermodalidade são elementos fundamentais para que Portugal recupere competitividade neste setor estratégico. O futuro do escoamento automóvel dependerá, assim, da capacidade nacional de se adaptar a um mercado em constante mutação, onde a eficiência logística será cada vez mais um fator determinante de sucesso.
GONÇALO VIEIRA, GONÇALO ANTUNES, DIEGO PACHECO, DUARTE CORTES
Alunos da ENIDH