Mais de 90% das empresas portuguesas são micro, pequenas e médias empresas e o sector dos transportes não é excepção, existindo mesmo muitas empresas familiares, o que torna muito viva a ideia de sociedades de pessoas, tanto nas sociedades por quotas como até nas sociedades anónimas, apesar de o legislador perspectivar estas últimas como sociedades de capital, pensadas para estruturas mais complexas e com maior distanciamento entre os titulares das participações sociais e o dia-a-dia da empresa.
Sem embargo, existem sociedades anónimas que são empresas familiares, o que contradiz um pouco o espírito do respectivo regime legal, sobretudo se o capital social estiver concentrado nas mãos dos accionistas que sejam membros da família.
O sector dos transportes é densamente povoado por empresas familiares, o que pode dificultar a implementação das melhores práticas ao nível da gestão, como abordámos já em artigo anterior, e pode também dificultar o relacionamento entre os membros da família em caso de incumprimento das obrigações pecuniárias assumidas pela empresa perante terceiros credores, designadamente perante os bancos.
Na verdade, o tema das dívidas das empresas é sempre delicado e há muitas ideias erradas em seu torno que procuraremos aqui dilucidar.
Afinal, se a empresa não pagar as dívidas que contraiu, quem responde pelo respectivo cumprimento? Abordaremos apenas o regime legal das sociedades por quotas e das sociedades anónimas por corresponderem aos tipos societários mais importantes na prática.
Nas sociedades por quotas, em regra, os sócios não respondem pelo pagamento das dívidas da empresa na qual têm uma participação social. Nos termos da lei, é a empresa que responde pelas suas dívidas, porque é ela que tem a posição jurídica de devedor.
E dizemos em regra porquê? Porque existe um cenário em que os sócios serão responsáveis pelas dívidas da sociedade: se tal estiver expressamente previsto no pacto social. Mas… pensemos bem: o conteúdo do pacto social resulta da vontade dos sócios e, portanto, para que seja estabelecido que os sócios respondem pelas dívidas da sociedade, estes têm de deliberar nesse sentido, o que dificilmente acontece na prática, como se compreende.
Ainda assim, é a única hipótese em que a lei permite e prevê que os sócios respondam pelas dívidas da sociedade.
E mesmo nesse cenário, a previsão no pacto social tem de obedecer a determinados requisitos: tem de corresponder a uma cláusula que preveja quais são os sócios que responderão pelas dívidas da empresa, tem de fixar o limite máximo da responsabilidade e tem de determinar se a responsabilidade é solidária ou subsidiária e a efectivar na fase de liquidação da sociedade.
Portanto, esta hipótese quase nunca se verifica, porque depende da vontade dos sócios.
Nas sociedades anónimas, não existe sequer qualquer possibilidade de os accionistas responderem pelas dívidas da empresa. Ou seja, nas sociedades anónimas, os titulares das participações sociais nunca, nunca, nunca são responsáveis pela dívidas da sociedade.
De onde vem então a ideia tão comum (e tão errada) de que os sócios são responsáveis pelas dívidas da sociedade? Por um lado, frequentemente os credores, em especial os bancos, impõem como condição para a concessão de crédito ou financiamento às empresas a prestação de garantias pessoais ou reais pelos gerentes ou administradores. E, como sabemos, é igualmente frequente os sócios serem gerentes, pelo que estes acabam por responder pelo incumprimento das dívidas da sociedade, não pela qualidade de sócios ou de gerentes, de per si, mas porque prestaram garantias pessoais ou reais, enquanto sócios-gerentes.
As sociedades comerciais são (…) pessoas jurídicas distintas da pessoa jurídica dos seus sócios e dos seus accionistas e esta circunstância tem reflexos (…) desde logo na responsabilidade pelas dívidas desta.
Por outro lado, existe uma grande confusão entre a obrigação de entrada dos sócios e a responsabilidade por dívidas das empresas. De facto, os sócios são obrigados a realizar a entrada (habitualmente em dinheiro), isto é, os sócios têm a obrigação de depositar nos cofres da sociedade o valor correspondente à sua participação no capital social da empresa. Realidade diferente é a ideia errada de que os sócios ou os gerentes respondem pelas dívidas da empresa até ao montante do capital social. Nada mais incorrecto! Se assim fosse, estava “descoberta a pólvora”, pelo menos em relação às sociedades por quotas, uma vez que não têm capital social mínimo.
Os sócios não são obrigados a pagar as dívidas das sociedades em que detêm participações sociais, porque a lei determina expressamente que pelas dívidas das empresas responde o património destas. É que as sociedades comercias são pessoas jurídicas, são pessoas de direito, são um centro de imputação autónomo de direitos e obrigações. A pessoa (jurídica) de cada um dos sócios não se confunde com a pessoa (jurídica) da sociedade comercial em que estes participam, são esferas jurídicas perfeitamente distintas e não comunicantes.
Esta segregação patrimonial justifica a constituição de sociedades comerciais, ou seja, os sócios constituem sociedades comerciais exactamente para que o património pessoal de cada um fique separado do património da empresa, mesmo nas sociedades unipessoais, em que existe apenas um sócio único.
As sociedades comerciais são, pois, pessoas jurídicas distintas da pessoa jurídica dos seus sócios e dos seus accionistas e esta circunstância tem reflexos em muitos aspectos da vida da empresa, desde logo na responsabilidade pelas dívidas desta.
Portanto, salvo nos casos em que os sócios-gerentes prestam garantias pessoais (aval ou fiança) ou garantias reais (penhor ou hipoteca), os sócios de sociedades por quotas só têm obrigação de pagar as dívidas da empresa se tal estiver expressamente previsto no pacto social; já nas sociedades anónimas, os accionistas nunca, em circunstância alguma, são responsáveis pelas dívidas da empresa.
Os tempos continuam desafiantes, com as consequências das crises a acumular-se sem que haja respostas eficazes dos governos ou dos mercados.
Aliás, em relação aos mercados, a incerteza é o seu pior inimigo e os tempos são de muita incerteza, sendo o sector dos transportes um dos mais fustigados com a escalada de preços dos combustíveis, mas também é um dos sectores que mais tem sabido reinventar-se e antecipar o futuro, estando na linha da frente da transição energética.
Os cenários de incerteza compõem a álea própria dos negócios e as relações creditícias não são excepção: têm riscos e também têm regras legais próprias para cada uma das partes: devedores e credores.
O princípio legal da responsabilidade patrimonial manda que apenas o património do devedor responda pelo cumprimento das obrigações assumidas perante o credor.
De igual modo, para reforço da segurança de satisfação do crédito do credor, foram desenhadas as garantais pessoais e reais.
A cultura bancária da exigência do máximo de garantias leva à prática frequente do condicionamento dos créditos à prestação de garantias dos sócios-gerentes ou administradores das empresas, o que, por sua vez, muitas vezes, motiva o início de um “jogo do gato e do rato”, em que os garantes pretendem salvar o seu património pessoal, com vendas simuladas ou por preço vil, doações, divórcios meramente formais, etc., etc., etc..
Ora, a lei também prevê estes cenários e disponibiliza, entre outros, dois importantes mecanismos de reacção para os credores: o direito ao reforço de garantias e a impugnação pauliana.
Sabendo que o crédito é, por definição, o motor da economia, será da natureza das coisas que cada uma das partes explore ao máximo os alçapões da lei? Ou será verdadeira, apesar de cruel, a ideia malthusiana de que a economia é um banquete em que não há talher posto para todos?
MARISA SILVA MONTEIRO
Advogada – Coordenadora de Financeiro & Garantias da JPAB
Boa tarde
Se a empresa fica insolvente as dívidas fiscais também não serão responsabilidade dos sócio ou sócios gerentes ?
Boa tarde,
Numa sociedade de empresa , quando a sócia gerente dá envolvência da empresa e pessoal , as dividas bancárias recaem na totalidade sobre a outra sócia ou só recae metade?
Obrigada
Boa noite.
Tive um negocio durante cinco anos que sempre deu prejuízo, consegui passar o negocio vendi toda a mercadoria e imobilizado, e a empresa nao tem mais nada, sou a unica gerente e é uma sociedade Unipessoal por quotas. Paguei as dívidas que consegui com a venda do imobilizado e da mercadoria mas nao foi o suficiente para pagar a todos os credores. Ficou em dívida o valor de 12 mil euros a um fornecedor que ja me informou que vai enviar para a via judicial. A empresa nao tem bens e nao tenho mesmo forma de pagar. Sou responsável a título pessoal dessa dívida?
Obrigada
IR
Excelente e esclarecedor.