A aplicação de tarifas aduaneiras à importação de bens por um determinado país tem sempre por base, pelo menos, um dos seguintes aspetos, que enuncio por ordem de importância:
- Necessidade de aumento de receita fiscal;
- Defesa da economia produtiva nacional ou de parte dela.
A necessidade de aumento de receita fiscal deve ser vista, para um país como os Estados Unidos da América, como um motivo de extrema preocupação. Especialmente por ser um país com um papel fundamental na estabilidade internacional, aos níveis económico, social e de segurança.
Dos largos anos de experiência em lidar com tarifas, não tenho conhecimento de nenhum país no mundo que tenha aplicado taxas aduaneiras de importação para obrigar as empresas nacionais e empresas estrangeiras a relocalizarem ou deslocalizarem as fábricas para o seu território, evitando, assim, a aplicação de tais taxas. A medida em si e o resultado que se afirma pretender são contraditórios.
Por exemplo, para as empresas norte americanas, líderes do processo de globalização e que demoraram anos a estudar e implementar o seu processo de produção e distribuição a nível mundial em diversos países e a baixos custos, não parece plausível, seguro e racional relocalizarem toda a sua estrutura para o país que, agora, será um dos mais protecionistas do mundo e que já não possui a capacidade produtiva e técnica que essas empresas, entretanto, adquiriram em países terceiros. Muito provavelmente, o que vai acontecer será o retomar, nos Estados Unidos, de unidades de produção limitadas ao consumo nacional, deixando toda a restante estrutura a operar para o resto do mundo. Poderá até, ser possível que algumas destas empresas ponderem mudar as suas sedes para fora dos Estados Unidos. Ou, ainda, virem a ser criadas marcas dos mesmos produtos para o mercado do resto do mundo.
Um processo de alteração de tarifas desta dimensão enfrenta igualmente dois tipos de novas realidades com resultados imprevisíveis:
Por um lado, uma alteração do processo de importação desta natureza tem como efeito imediato o aumento do tempo de execução do processo aduaneiro, o que tem como consequência a criação de custos adicionais como, por exemplo, de armazenamento e de estacionamento de mercadoria. Tenha-se presente o caso recente da DHL que cancelou as entregas de mercadorias de valor superior a USD 800,00 aos seus clientes nos Estados Unidos, (https://edition.cnn.com/2025/04/20/business/dhl-global-shipments-us-suspension-intl-hnk/index.html), assim como a situação vivida pelo o Reino Unido após o Brexit.
Do ponto de vista dos importadores norte americanos, para além de terem de suportar o custo das novas tarifas anunciadas, serão ainda “contemplados” com os custos adicionais referidos.
Não existem quaisquer dúvidas de que os Estados Unidos irão perder esta guerra tarifária. O recuo na implementação das mesmas e as isenções já anunciadas apontam para alguma perceção desse risco.
A segunda realidade que gostaria de referir aos leitores tem a ver com a reação dos países que são objeto destas novas tarifas. Por um lado, podemos assistir, como já é o caso, à implementação de novas tarifas para os bens norte americanos, que podem alcançar níveis de reciprocidade. Por outro, podem os países também optar, adicionalmente ou não, por suspender atuais encomendas de bens, os quais, embora não inicialmente abrangidos pela guerra tarifária anunciada, como é o caso dos 179 aviões que a Boeing tinha previsto entregar a companhias chinesas até 2027 (https://www.abc.net.au/news/2025-04-16/china-halts-orders-of-american-boeing-planes-trump-tariffs/105181864), passam a fazer parte desse conflito.
O leitor, ao chegar a esta parte do artigo, deve estar já confuso com a descrição que aqui faço. E tem toda a razão para isso, porque o conteúdo das medidas, a forma como foram anunciadas e a quem se dirigem destroem por completo um pressuposto básico para a harmonia do comércio mundial que levou décadas a ser implementado: a confiança.
Como se não fosse suficiente o atual estado de descredibilização do nosso parceiro de longa data, os Estados Unidos da América, a suspensão da algumas das tarifas anunciadas e a supressão de outras têm um efeito ainda mais devastador na confiança, já significativamente abalada pelo anúncio inicial.
A dimensão da disrupção do sistema logístico mundial, caso as medidas anunciadas sejam implementadas, constituirá um verdadeiro tsunami, com consequências nunca vistas e que nem conseguimos verdadeiramente vislumbrar neste momento.
Não existem quaisquer dúvidas de que os Estados Unidos irão perder esta guerra tarifária. O recuo na implementação das mesmas e as isenções já anunciadas apontam para alguma perceção desse risco.
A política isolacionista norte americana coloca ainda desafios exigentes a todos os grandes atores da política internacional. O reforço da capacidade de defesa europeia, bem como a procura de novos mercados e fornecedores, serão reptos exigentes, mas também importantes oportunidades.
Conceitos como “nearshoring” e “friendshoring” terão um papel importante no desenho de um novo modelo de desenvolvimento económico, assim como novos entendimentos a estabelecer com as grandes economias mundiais que irão, tal como a União Europeia, disputar a posição que os Estados Unidos começam a abandonar no quadro internacional.
Do ponto de vista comercial, a União Europeia – cujo projeto assentou e se desenvolveu em torno do mercado interno – sendo já um ator de relevo neste contexto, poderá estar bem preparada para reforçar a sua posição no mercado internacional. E o desenvolvimento das suas capacidades de defesa poderá vir a conferir-lhe, finalmente, o papel político internacional há muito almejado.
Para prepararmos o futuro, respondendo a estes desafios e aproveitando as correlativas oportunidades, será imprescindível ter visão estratégica e grande capacidade de liderança, tanto ao nível europeu como nacional.
PEDRO MONJARDINO
Diretor Geral Strategio Consulting