Fernando Pessoa, no seu poema “O Quinto Império”, exprime uma ideia dominadora: “Navegar é preciso, viver não é preciso”. Esta máxima parece especialmente pertinente para a indústria do transporte marítimo, que, de acordo com a Organização Marítima Internacional (IMO), responde por aproximadamente 90% do comércio mundial em termos de volume.
Durante a última década assistimos a mudanças significativas na indústria. A IMO estabeleceu uma meta, em 2018, para reduzir as emissões de gases de efeito estufa em pelo menos 50% até 2050 em comparação com os níveis de 2008. Isto tem impulsionado o desenvolvimento e implementação de tecnologias mais verdes, desde combustíveis de baixo carbono até navios totalmente elétricos.
No recente encontro de julho da IMO, em Londres, os países concordaram em reduzir as emissões do transporte comercial marítimo em pelo menos 20%, esforçando-se para 30% até 2030. Já para 2040 o corte deverá ficar entre 70% e 80%. A meta de descarbonização segue a mesma flexibilidade, com o objetivo dependendo das condições domésticas de cada nação – por isso, o texto estabeleceu a meta de net-zero para “ao redor” de 2050.
A pressão da sustentabilidade, a aceleração da tecnologia, as novas estruturas de financiamento e a falta de clareza regulatória estão entre os desafios que a indústria enfrenta, e que foram habilmente expressos por Cameron Mackey, Diretor de Operações da Eneti, num recente discurso na Associação Marítima de Connecticut. Mackey captou de forma incisiva a confusão que permeia a indústria.
Todavia, confusão não é necessariamente caos, mas pode ser um convite à reinvenção – uma oportunidade que o setor não pode desperdiçar.
A questão do financiamento dos navios é, desde logo, um exemplo de como esta confusão pode ser benéfica. Devido à natureza complexa e volátil da indústria marítima, os financiadores tradicionais costumam ser cautelosos. Quando a rota da sustentabilidade se cruza com a do setor marítimo, o envolvimento dos bancos parece ainda muito tímido.
…as inovações tecnológicas poderiam, hipoteticamente, reduzir as emissões de CO2 do transporte marítimo em até 75%, mas a incerteza regulatória é um grande obstáculo para a adoção em larga escala.
O financiamento de navios é um desafio significativo para a indústria, com muitos financiadores tradicionais hesitantes em financiar navios devido aos riscos associados. No entanto, e não existindo dados específicos sobre a proporção de navios que serão financiados por fontes não tradicionais até 2030, uma coisa é certa: está a abrir-se um caminho para que surjam fontes de financiamento alternativas, que oferecem opções de financiamento bastante atraentes. A pressão social e política para uma ação ambiental mais decisiva está a aumentar, pelo que acredito firmemente que a mudança já está em movimento. Não subestimemos, por isso, o potencial dos “Poseidon Principles for Marine Insurance” para impulsionar um movimento mais sustentável na indústria.
Em relação à próxima geração, Mackey sugere que o emprego é a principal preocupação, e que talvez a sustentabilidade e a preocupação com as designadas questões verdes não seja uma questão central. Discordo. A geração mais jovem é mais consciente da sustentabilidade do que nunca e, portanto, a indústria precisa responder de forma séria e rápida para continuar a atrair e fixar novos talentos.
Chegamos, então, ao cruzamento de duas grandes correntes marítimas: a tecnologia e a regulação. Mackey chama a atenção para as limitações na adoção da tecnologia e o “nevoeiro” regulatório que impede investimentos de longo prazo. Por exemplo, as inovações tecnológicas poderiam, hipoteticamente, reduzir as emissões de CO2 do transporte marítimo em até 75%, mas a incerteza regulatória é um grande obstáculo para a adoção em larga escala. Aqui reside um desafio que precisa de nossa atenção coletiva.
Como resultado, a confusão é uma característica dominante do setor marítimo atual. O resumo da palestra de Mackey poderia ser bem ser: “Se você não está confuso, deveria estar”.
A confusão é um sinal de mudança, e no meio dessa desordem, acredito que estão as sementes de um futuro mais sustentável, eficiente e inovador para a indústria do transporte marítimo. A complexidade e a confusão podem levar à consolidação, e essa consolidação pode ser a chave para um futuro mais próspero e resiliente para a indústria.
Naveguemos, então, sem medo das ondas. Afinal, navegar é preciso.
IRIS DELGADO
Mestre em Gestão Portuária pela enidh
Pós-graduada em “Maritime Law”, com especialização em “‘Oil and Chemical Pollution”, pela London Metropolitan University