Estamos em férias e, por isso, poucos assuntos estão na ribalta, e muito menos nas mesas dos cafés, pois ainda vivemos algo retraídos.
Passada a primeira vaga aguardamos, expectantes, a segunda vaga.
Conhecida a dimensão da crise, falta conhecer as verdadeiras consequências.
A curva do PIB, (muito) sustentado no turismo, tem uma variação contrária à curva do desemprego – uma desce, outra sobre.
As pessoas não vão para o Algarve de férias, não utilizam hotéis, vão para o campo e usufruem do turismo rural. Ficamos a conhecer melhor o “nosso” interior.
O JJ volta ao SLB e, digo eu, ainda não temos assunto de conversa para mesa de café.
O ALFA choca, bate e descarrila. Morrem duas pessoas e voltamos a repetir que a “Nossa Senhora de Fátima é Ferroviária” porque o acidente trágico podia ter sido uma tragédia. Mais uma vez, foi (apenas) trágico.
O acidente não coloca em causa a segurança ferroviária, mas, mais uma vez, devíamos aprofundar os porquês, as razões e, quiçá, elencar melhores alternativas.
Nos últimos 30 anos fizemos tudo o que não devíamos ter feito na ferrovia. Desinvestimentos – Abandonos – Encerramentos – Privatização – Integração (estradas+via) – Integração vertical – Deformação dos quadros – Fuga de talentos – Fuga de técnicos – Perda do know how ferroviário, etc….
Quase todos nós, especialmente os “ferroviários”, sabemos que o binómio roda/carril é fundamental e quando eles não se entendem dá problema. E há coisas que ainda não se entendem, ou seja, o GPIAF tem apenas dois investigadores para a ferrovia. Felizmente, não há muitos acidentes ou incidentes, e nas investigações que conseguem concluir não se cumprem/seguem as suas orientações. Depois, a IP tem um sistema de segurança, muito bom diga-se, instalado na via férrea, mas não decide “nada” na parte do sistema que é instalado no material circulante, pois este é da responsabilidade do Operador Ferroviário. Questiona-se: sendo um sistema instalado, fundamentalmente, em dois locais muito distintos, infraestrutura e material, e sendo um sistema único, por que não é gerido/adquirido pela mesma entidade?
Para dourar a “pilula”, o “dono” da patente do sistema Convel não tem nem vai produzir (dizem) mais equipamentos porque, como tudo vai mudar devido à interoperabilidade Europeia, não vale a pena o investimento. Não vale a pena? Talvez tenhamos de perguntar a outras pessoas?
A culpa morre sempre solteira, ou quase sempre.
Nos últimos 30 anos fizemos tudo o que não devíamos ter feito na ferrovia. Desinvestimentos – Abandonos – Encerramentos – Privatização – Integração (estradas+via) – Integração vertical – Deformação dos quadros – Fuga de talentos – Fuga de técnicos – Perda do know how ferroviário, etc…
Atualmente, generalizadamente, politicamente à parte, o Presidente da CP é visto como a pessoa certa no lugar certo, ou seja, um técnico conhecedor da casa, dos problemas, das dificuldades, da realidade, mas também dos méritos e das possibilidades.
Se foi possível agora, por que não se fez antes?
Em 2015, no meu livro “CP-CARGA – Gestão Pública versus Gestão Privada”, referi que “… a gestão pública e privada não são melhores nem piores…”, assim como “… a integração vertical poderá não ser a solução ideal para todos os países…”, porque acredito que piores e melhores são as pessoas erradas nos lugares certos ou as pessoas certas nos lugares errados. O que realmente acontece é que o cenário organizacional das empresas ferroviárias se caracteriza por uma diversidade e hibridismo numa pluralidade de formas e relações, e julgo que ainda hoje não sabemos qual o melhor. O que salta à vista é que há dificuldades em manter os atores-chave reunidos em torno de um objetivo comum e no funcionamento do sistema em rede, que sem olhar à especificidade de cada país poderá resultar e representar mais custos, logo, menos eficiência para o país que escolhe o caminho que mandam seguir em vez de olhar para a sua realidade.
En passant, referir que nos últimos cinco anos o volume de mercadorias transportadas por ferrovia tem vindo a decrescer (de 11 Kton em 2015 para 8.75 Kton em 2019) e Portugal é o único país europeu que não tem um operador ferroviário de mercadorias publico. Será necessário? Não sei, o que sei é que os números dizem que não ficámos com um mercado mais competitivo, mais concorrencial e com mais alternativas de transporte que todos era suposto terem. Aparentemente, a solução era fazer outra coisa.
Nessa altura, dentro das conclusões possíveis a que cheguei, referi que devia haver:
– Menor politização dos cargos dirigente, de modo a se obter mais gestão e menor dependência;
– Maior motivação e relevância dos recursos humanos, de modo a aumentar rácios de produtividade e retenção de talentos;
Termino deixando uma reflexão no ar: aparentemente estas decisões são mais políticas do que económicas ou de sustentabilidade das organizações. Verdade?
ANTÓNIO NABO MARTINS
Especialista em Transporte Ferroviário