Uma das críticas comuns à propriedade estatal de empresas é a falta de incentivos à monitorização dos órgãos de administração por permitir uma margem discricionária relevante para a prossecução de fins originalmente alheios a uma sociedade comercial. É um argumento fundado na ideia de que as empresas privadas, quando cotadas em bolsa, são fielmente monitorizadas pelo valor dos títulos e, quando não cotadas, pelos lucros do exercício.
Contudo, importa relembrar que a gestão de empresas públicas tem de responder ao poder político e este pode não prioritizar o desempenho da empresa em prol de outros interesses de agenda pública. Logo, certas decisões que podem ser facilmente justificáveis de uma perspetiva de gestão privada, podem ser temas politicamente sensíveis e, como tal, não serem realmente opções para o conselho de administração de uma empresa pública. Em Portugal, a partir de uma certa dimensão, parece assistir-se ao contrário, com um controlo e uma vigilância mais firme sobre os conselhos de administração das empresas públicas e uma ideia de desvalorização da vigilância da gestão privada, mesmo quando esta acaba por acarretar um custo ao estado e um problema social como se viu recentemente na banca nacional.
No importante trabalho de Vickers e Yarrow sobre perspetivas económicas de privatização[1], a primeira questão colocada por estes autores é fulcral para o ponto de vista que devemos tomar neste tema: Até que ponto a propriedade de uma empresa pode afetar o seu desempenho?
Correndo o risco da simplificação que este espaço exige, ensina-se nos princípios da economia política que empresas públicas e empresas privadas não prosseguem o mesmo objetivo, pelo que uma pode ser ineficiente na realização do mandato da outra e vice-versa. Uma empresa pública pode ser ineficiente na busca de lucro, mas eficaz no fornecimento de um serviço público essencial, e uma empresa privada pode ser eficiente na busca de lucro, mas ineficiente no cumprimento de uma obrigação social. Como sabemos, a discussão evolui. Por um lado, exige-se às empresas públicas que sejam lucrativas adicionalmente à realização do serviço público reclamado e, por outro lado, esperou-se que as empresas privadas conseguissem suprir o serviço público anteriormente exigido ao Estado em áreas fulcrais da economia, por vezes criando-se regimes de subvenções quando exigível. O sucesso desta redistribuição de funções é variável e tema de profunda discórdia muito alicerçada em convicções políticas sobre o papel do Estado na economia. Há empresas que cumprem com sucesso os dois objetivos e empresas que falham na realização de ambos, algumas são públicas, outras são privadas.[2]
Se a propriedade de uma empresa pode afetar o seu desempenho, também é verdade que o mercado onde a mesma tem de atuar é essencial para se aferir do que lhe pode ser pedido. Uma empresa pública sujeita a um mercado concorrencial onde subvenções estatais não são permitidas menos em situações verdadeiramente excecionais, não pode, simplesmente, dedicar-se exclusivamente ao cumprimento de serviço público, mas supondo que o faz, o problema será mais do acionista que do conselho de administração. Estamos então perante um problema de mandato. Logo, para medir o desempenho de uma empresa, mais importante que a natureza do capital ser privado ou público, importa compreender prima facie, qual o objetivo pretendido pelo acionista perante o mercado em que a empresa é colocada. É nesse ponto que a questão se torna injusta para uma administração sem um mandato esclarecido da respetiva tutela. Uma administração de uma empresa pública sem um mandato transparente está, como habilmente dizem os norte-americanos, “set up to fail”.
…uma avaliação do desempenho da administração que seja justa tem de considerar dois elementos. Primeiro, o alcance do mandato que a administração tem, ou seja, em que matérias a decisão é da administração ou do acionista, segundo, o teor do mandato, ou seja, o que é realmente pedido à administração da empresa pelo acionista Estado.
É, assim, obrigatório concluir que o futuro fracasso não está garantido como resultado da nacionalização da empresa a qual, enquanto pública é ipso facto ineficiente. O futuro fracasso resulta do facto da nacionalização acarretar a alteração dos seus objetivos e prioridades do seu acionista que não atualiza devidamente o mandato da administração. Muito provavelmente, porque não pode. Ou assume um mandato focado no lucro e sobrevivência da empresa, e é encurralado pelo custo social das instruções dadas, ou assume um mandato focado na realização de um serviço público lato e será amanhã encurralado pelos resultados financeiros negativos e encerramento da empresa. É uma situação sem retorno. Retomando um exemplo que dei anteriormente nesta coluna para exemplificar a dificuldade do acionista Estado tomar uma decisão puramente económica, pense-se num hospital que se veja na obrigação de reduzir custos de pessoal para sobreviver. Uma gestão privada de um hospital pode escolher contratar exclusivamente enfermeiros estrangeiros se considerar essa medida mais eficiente para o fim de lucro que prossegue pagando salários mais baixos, a administração de um hospital público não pode tomar a mesma medida sem uma forte contestação social.
Dito isto, resta o problema original: como medir a eficácia da administração de uma empresa pública quando o acionista não pode esclarecer qual o mandato com que instrui o Conselho de Administração e não havendo necessariamente semelhança de objetivos entre o privado e o público.
Consideramos que o desempenho do conselho de administração de uma sociedade comercial pode na mesma ser medido. Retornando aos conceitos mais simples, mas sempre eficazes, a eficácia da administração de uma sociedade comercial mede-se na capacidade desta em cumprir com os indicadores de desempenho previamente estabelecidos na definição do seu mandato pelo acionista, devendo fazê-lo com recurso ao mínimo dos recursos possíveis.
Como vimos, o que muda com a mudança do acionista não é a noção de eficácia, o que muda é o objetivo da sociedade. Daqui resulta que uma avaliação do desempenho da administração que seja justa tem de considerar dois elementos. Primeiro, o alcance do mandato que a administração tem, ou seja, em que matérias a decisão é da administração ou do acionista, segundo, o teor do mandato, ou seja, o que é realmente pedido à administração da empresa pelo acionista Estado.
O desafio fica, assim, no colo da tutela. Esclareça-se o teor e alcance do mandato dado à Administração, para que esta possa ser avaliada pela vox populi. De outra forma, a discussão em praça pública é apenas fogo de vista e o conselho de administração acabará lançado aos leões.
[1] Economic Perspectives on Privatization, Journal of Economic Perspectives – Vol. 5, Número 2 – primavera 1991, p. 111;
[2] Para esclarecimento, é opinião pessoal do autor que a morte do Setor Empresarial do Estado foi fortemente exagerada e os benefícios e capacidade dos privados na realização de objetivos públicos foi falsamente enaltecida. As causas da distorção de perceção sobre os benefícios do setor privado e o mito da responsabilidade social corporativa são várias, nomeadamente a integração no mercado comum europeu e a consequente influência da escola neoliberal.
FRANCISCO ALVES DIAS
Advogado Especializado em Direito Aéreo e Espacial