Em tempos de pandemia, muitas foram as cargas que ficaram presas nos mais variados pontos da cadeia global de transporte, em armazéns, navios ou portos, mais do que o tempo previsto. São por vezes díspares os modos e os locais onde as cargas são transportadas, bem como as condições de segurança de cada ponto ou modo de transporte.
A integridade das cargas pode ficar comprometida por vários motivos. A corrupção existente em alguns pontos da cadeia de transporte, o tráfico de pessoas ou drogas, o roubo ou o dano das cargas podem levar em alguns casos à perda total da mesma. Em 2021, com o congestionamento portuário verificado em alguns portos, a crise pandémica e algumas restrições ao nível do armazenamento, é expectável que possam aumentar o número de roubos verificados nas cargas transportadas mundialmente.
Os riscos são variados quando falamos do roubo de cargas. Desde danos corporais, ao roubo das próprias cargas, aos danos reputacionais de um determinado operador, a criação de alarme social, a quebra de equipamentos, bem como o consequente aumento dos custos com os seguros, são alguns dos maiores riscos associados ao roubo de cargas (gráfico 1).
Em relatório publicado recentemente pela BSI e pelo TT Club (Cargo theft report 2021), os países com mais incidentes de roubos em cargas são o Brasil, a Índia, o México, a Alemanha, a Rússia e o Reino Unido.
Cerca de 31% das cargas foram acedidas com recurso à violência (hijacking), ou com ameaças ao transportador em 2020.
O roubo nas fábricas representou cerca de 25%, e o roubo dos próprios veículos de transporte alcançou os 12%. Por sua vez, e em menor escala, 8% a 9% dos incidentes verificaram-se no roubo de contentores ou do conteúdo das galeras e no roubo ao veículo de transporte. Outros tipos de ataques representaram cerca de15% (gráfico 2).
Quanto ao tipo de artigos roubados, existe alguma variação ao longo das cadeias de transporte, consoante nos encontremos na Ásia, na América do Norte ou Sul, na Europa ou em África. O tipo de artigos exportados / importados são diferenciados em cada região, levando a que o padrão de roubos seja também ele diferente. A localização onde os mesmos são furtados, nos diferentes nós da cadeia de transporte, depende também da localização geográfica.
De um modo geral, em 2020, cerca de 31% dos artigos roubados (gráfico 3), recaíam sobre o setor da alimentação e bebidas, seguidos depois pelos produtos de consumo (cerca de 10%), e os dispositivos eletrónicos (9%). Dentro da mesma percentagem, aproximadamente, são também alvo de roubo os produtos relacionados com tabaco e álcool (8%) e os combustíveis (7%).
Em relatório publicado recentemente pela BSI e pelo TT Club (Cargo theft report 2021), os países com mais incidentes de roubos em cargas são o Brasil, a Índia, o México, a Alemanha, a Rússia e o Reino Unido.
Na Ásia, os principais países em que os incidentes acontecem são a Índia, Indonésia, China e Bangladesh. O fraco controlo de acessos é uma das principais causas para o roubo de cargas. Uma quantidade significativa dos roubos na China acontece diretamente nas fábricas (46%), quer pelo fraco controlo de acessos, quer devido à grande quantidade de cargas armazenadas nas fábricas devido à pandemia. Os armazéns e outras instalações logísticas são os principais locais de roubos (47%) na Indonésia, Índia e Bangladesh. O grupo da alimentação e bebidas é o mais afetado por estes incidentes nesta parte do mundo (38%), sendo os produtos eletrónicos (9%) e os materiais de construção (8%) os seguintes no top 3. O tráfico de droga está também presente a Oriente, e é frequente a corrupção de alguns empregados com o intuito de aceder ou roubar cargas. Organizações criminosas aproveitam estas redes para inserir os seus produtos em cargas legítimas.
A nível europeu, a tendência no passado era para o roubo em parques de estacionamento, ou zonas de descanso, especialmente em veículos com galeras de lona, contudo alguns dos maiores países europeus, incluindo o Reino Unido e Itália, registaram um acréscimo de roubos em armazéns (34%) e instalações logísticas (14%). Os confinamentos e a redução geral no consumo de bens levaram a uma acumulação de produtos nos armazéns, e a um consequente aumento do roubo dos mesmos, nestes nós da cadeia de abastecimento. Nos primeiros três meses do ano registou-se esta tendência anormal, mas no último trimestre voltou o registo de um aumento de roubos em parques de estacionamento e zonas de descanso.
A crise migratória sofreu também uma quebra, o que levou a uma diminuição na descoberta de migrantes a bordo dos vários modos de transporte, junto às cargas, que levava a perdas financeiras e à quebra da integridade das cargas, levando em alguns casos ao bloqueio das mesmas. A introdução ilegal de drogas na Europa continuou no ano 2020 em grande escala, apesar de todos os bloqueios e confinamentos que assolaram também esta zona, tendo-se registado grandes acréscimos de apreensões nos portos de Roterdão e Antuérpia, em cargas provenientes de América do Sul (Brasil, Colômbia e Equador), que, com assistência de indivíduos ligados a gangs organizados, introduziam as cargas ilícitas na Europa. As bebidas e alimentação representam 19% dos artigos roubados, sendo os produtos de consumo e os eletrónicos os seguintes, com 13% cada.
No Médio Oriente e África, os padrões são também eles diferentes. O roubo de cargas é grande na África do Sul, Nigéria e nos Emirados Árabes Unidos, mais recentemente. A segurança em algumas zonas ou nós logísticos é insuficiente, levando ao incremento dos roubos. O roubo de cargas (hijacking) representa 50% das ocorrências, sendo que em instalações são cerca de 22%. Já ao nível da localização dos incidentes, os mesmos acontecem em grande parte quando as cargas estão em trânsito (57%). O roubo de dispositivos médicos e abastecimentos, bem como de álcool e tabaco aumentaram consideravelmente, contudo, os combustíveis representam 18% das cargas roubadas, seguidos pela alimentação e bebidas (15%) e produtos eletrónicos (14%). Reina em bastantes países a corrupção, como melhor modelo para o roubo, e o tráfico de drogas é parte importante também nesta zona do globo, especialmente no norte de África (Marrocos, Tunísia, Argélia e Líbia) como ponto de rotação para a Europa.
Na América do Norte, o roubo de cargas acontece maioritariamente no México, Estados Unidos e Canadá, embora os métodos usados no México sejam bastante diferentes dos usados nos outros dois países. Nestes países, os roubos acontecem maioritariamente em zonas sem segurança, aos próprios veículos de transporte ou no roubo integral dos veículos e suas cargas. No México, o uso de violência é frequente, mesmo em cargas que seguem com segurança própria. De um modo geral, o roubo de cargas representa 69% das ocorrências, acontecendo em grande parte nas mercadorias enquanto estão em trânsito (74%). A alimentação e bebidas (33%), e os produtos de consumo (19%), são dos mais visados, estando o combustível também representado em 10% dos furtos.
Na América do Sul, temos o Brasil como país com maior número de ocorrências, sendo também o país com incidentes com maior frequência a nível mundial. Embora tenha havido algum retrocesso, devido em parte a uma maior intervenção policial no desmantelamento de redes criminosas altamente especializadas, tendo alcançado reduções de 34% no Rio de Janeiro e cerca de 20% em São Paulo. A Argentina, Chile, Perú e Colômbia são outros países onde o roubo de cargas com recurso à violência (61%) assume grande protagonismo, e maioritariamente enquanto as cargas estão em trânsito (66%). A alimentação e bebidas são o grande foco dos furtos (41%), seguidos pelo álcool e tabaco (10%) e os produtos de consumo (7%). A América do Sul tem os maiores produtores de droga, levando ao aproveitamento de algumas cargas para a sua expedição ilegal, comprometendo assim a integridade das mesmas.
Ainda de acordo com o relatório publicado pela BSI e TT Club, houve um decréscimo das mercadorias furtadas na variante camião ao longo da cadeia de transporte no último ano, o que não será de estranhar dada a situação pandémica que atravessamos, mas subiu cerca de 15 p.p. o roubo de mercadorias nas fábricas num ano (de 10% para 25%).
O modo marítimo registou igualmente um decréscimo em relação a 2019, contudo a percentagem de incidência é relativamente baixa em toda a cadeia, representando cerca de 1% ou menos, sendo que a mercadoria transportada por mar é bastante grande, como sabemos. O tempo de navegação e mesmo o gigantismo dos navios não tem potenciado o aumento neste setor do transporte. Os restantes modos de transporte registaram um aumento de 2 p.p., representando assim 4% dos roubos ao longo da cadeia de transporte (gráfico 4), de 2019 para 2020.
As ações de inspeção e controlos de segurança, bem como a tecnologia, têm trazido algumas melhorias no modo como as cargas são acompanhadas ao longo da cadeia de transporte.
Certo é que as ameaças irão sempre estar à espreita, e a proteção é parte essencial para que o roubo não seja consumado.
PEDRO GALVEIA