O artigo que escrevi em 2023, por esta altura, começava assim:
“No atual contexto mundial, a capacidade de se alinharem algumas ideias sobre o que podem ser as perspetivas para 2024, estará muito perto de um exercício da adivinhação.”
Atualmente a situação piorou! Nem com uma bola de cristal somos capazes de arriscar cenários para as incertezas, perante as certezas que temos hoje (dezembro de 2024):
- Vai existir uma nova ordem mundial;
- Vão aumentar os protecionismos, principalmente com Trump que, com o seu “assessor” Elon Musk, provavelmente não irá governar o país como um estadista, mas como um homem de negócios. Irá reintroduzir tarifas aduaneiras, entre as quais, uma tarifa geral sobre todas as importações da China e da Europa, para proteger as indústrias dos EUA, o que:
- Terá uma repercussão direta na estabilidade económica, no crescimento e na redução do PIB da UE e;
- Indireta pelos efeitos colaterais que a aplicação destas taxas à China provocarão nas indústrias europeias, expostas ao mercado chinês
- A acrescentar a tudo isto, já está instalada a crise política, económica e financeira na França e a crise política e económica e industrial na Alemanha, o que provocará redução da produção industrial e encerramento de muitas empresas, com efeitos em todos os restantes países europeus;
- O provável aumento da comparticipação nas despesas com a defesa da NATO, por parte de todos os seus membros, irá reduzir a disponibilidade de verbas para o social e para a descarbonização. O dinheiro é um bem escasso!
(ISTO ANDA TUDO LIGADO – O SHIPPING, E A DESCARBONIZAÇÃO)
Factos:
“O Acordo de Paris tinha como objetivo alcançar a descarbonização das economias mundiais e limitar o aumento da temperatura média global a níveis bem abaixo dos níveis pré-industriais e prosseguir esforços para limitar o aumento da temperatura a 1,5ºC”.
Os navios têm estado a fazer a sua parte
- Entre 2008 e 2015 os navios reduziram as emissões de CO2 e melhoraram a chamada eficiência carbónica em 30%;
- Desde 1 de Janeiro de 2020 os navios passaram a usar combustível com um teor de enxofre de 0,5%, em vez do combustível de 3,5% de teor de enxofre que utilizavam;
- As novas máquinas dos navios emitem menos CO2 do que há 10 anos.
- Foi melhorado o desenho dos navios (afinando as linhas da proa e da popa e do casco, o que permite poupar até 15% de combustível).
- Reduziram a velocidade para consumir menos combustível;
- Foram pintando o casco dos navios com silicone;
- Tem-se feito o retrofitting da casa das máquinas para poder usar dual fuel;
- Estão a instalar-se a bordo as tomadas que irão permitir ligar os navios à eletricidade de terra quando estiverem atracados;
- Estão a utilizar-se sistemas que analisam os dados das condições atmosféricas de vento e estado do mar para otimizar as viagens;
- As emissões do transporte marítimo vão diminuir 6% ao ano até 2050.
O problema é que a descarbonização só é possível de alcançar com o contributo de todos e, de facto, os armadores estão dependentes de terceiros: não constroem navios, não produzem motores, não fabricam combustíveis, só podem adquirir o que está disponível no mercado e o ciclo dos navios não está em consonância com os ciclos ambientais nem com as metas fixadas para o chamado “zero carbono”.
Por outro lado, o shipping é uma atividade universal e de competitividade global pelo que tem de se reger por normas de aplicação global e não regional.
É na IMO que essas normas são adotadas a nível mundial, mas a UE tem tido como prática recorrente exigir aos navios de bandeiras europeias normas mais rigorosas do que a IMO exige aos navios de países terceiros, o que cria desvantagens competitivas, porque quanto maiores são as exigências feitas aos navios da UE, maiores são os custos operacionais e mais rentáveis e competitivos são os navios de Países Terceiros.
Preocupações dos navios com Bandeiras Europeias
Implementação do Pacote Fit for 55 – O FuelEU Maritime e o ETS
Enquanto na Europa, o pacote legislativo “Fit for 55” impõe objetivos do Pacto Ecológico Europeu, em especial, de até 2030 se reduzir em 55% as emissões dos gases de estufa quando comparadas com 1990, e a criação de uma taxa por tonelada de CO2 emitida (EU ETS – European Union Emissions Trading Scheme), nos sucessivos COP (Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima) as (in)decisões tomadas principalmente no COP 26 e as metas que estabeleceram para a descarbonização do transporte marítimo para 2030 e 2050, provocam indecisões e, por isso, muitos preferem aguardar pela definição de objetivos mais estabilizados antes de se tomarem decisões.
Atente-se nos desvios em relação ao anteriormente acordado:
- O carvão como fonte energética já não é para acabar em 2050, mas sim para ir sendo reduzida a sua utilização (a China já disse que nem pensar acabar com o carvão em 2060);
- O zero carbono já não é para ser atingido em 2050, mas para ser tendencialmente zero.
Parece começar a haver a noção de que uma coisa é o politicamente desejável, coisa diferente é o tecnicamente possível.
Por outro lado, é necessário racionalizar que as medidas entretanto implementadas não têm atingido os resultados esperados:
- 2024 foi o ano mais quente desde que há registos, e as emissões de gases poluentes em vez de reduzirem têm aumentado;
- Se no processo de transição energética, que exige investimentos avultados, só uns descarbonizam, introduzem-se no mercado desvantagens concorrenciais para quem cumpre;
- Portugal e a Europa podem ter muito boas intenções, mas enquanto os grandes poluidores mundiais, como a China (31%), Estados Unidos (13,5%), India (7,3%) e Rússia (4,3%), que no seu conjunto significam 56,1% da poluição mundial, não descarbonizarem, a situação não se altera. A Europa descarbonizar unilateralmente não resolve o problema, porque a poluição é global.
- A “pegada carbónica não baixa porque não se está a atuar em quem mais polui, mas sim onde dá mais jeito”. E quem está mais a jeito são os navios que, sendo responsáveis por 90% do comércio mundial, apenas emitem menos de 3% do total de emissões de CO2.
- Como quem paga a descarbonização somos todos nós através dos preços que pagamos nos supermercados, começa a instalar-se a dúvida se vale a pena estarem sempre os mesmos a pagar, quando o esforço devia ser de todos.
Dificuldades dos navios em cumprirem as metas da descarbonização
- Indisponibilidade de novos combustíveis com baixo, ou nulo, teor de carbono em quantidades adequadas e a preços competitivos;
- Indisponibilidade de assegurar o fornecimento desses novos combustíveis aos navios nos portos de escala;
- Dificuldade em proceder à renovação integral dos navios em operação à escala global, porque não é economicamente viável investir em navios que se encontram no final do seu ciclo de vida;
- Não existem incentivos para a aquisição de novas construções.
Será que a nova Comissão Europeia já interiorizou que terá de alinhar as suas decisões com a IMO (Organização Marítima Mundial), para deixar de criar desvantagens competitivas aos europeus?
Estas foram as respostas dadas pelos novos Comissários com os pelouros relacionados com os transportes marítimos, quando foram ouvidos pelo Parlamento Europeu e que criaram alguma expectativa:
Apostolos Tzitzikostas, Comissário para os Transportes e Turismo Sustentáveis:
- Manifestou a intenção de desenvolver um Plano de Investimento em Transportes Sustentáveis, no âmbito do Acordo Industrial Limpo, para impulsionar a produção e o fornecimento de combustíveis sustentáveis para a aviação e o transporte marítimo.
- Compromete-se a monitorizar e a ajustar os regulamentos para promover a utilização sustentável de combustível marítimo, especialmente para sectores difíceis de reduzir.
Será que a nova Comissão Europeia já interiorizou que terá de alinhar as suas decisões com a IMO (Organização Marítima Mundial), para deixar de criar desvantagens competitivas aos europeus?
Woepke Hoekstra, Comissário para o Clima, Net-Zero, Crescimento Limpo:
- Prevê que 20 milhões de licenças ETS já estão reservadas para apoiar investimentos no sector marítimo até 2030, incluindo combustíveis sustentáveis, ferries elétricos, renovações de frotas e soluções de propulsão eólica fabricadas na UE.
- Confirmou que a Comissão irá propor uma alteração específica para consagrar uma meta de redução líquida de 90% das emissões líquidas de GEE em 2040 na Lei Europeia do Clima. Isto está em consonância com as metas propostas para todos os setores da economia da UE pela Comissão na sua comunicação sobre a meta climática da Europa para 2040.
(Nota: Esta comunicação está relacionada com a implementação das medidas Fit for 55 e ao não propor novas metas para o transporte marítimo, consubstancia uma mensagem clara de apoio ao processo da IMO.)
Teresa Ribera Rodríguez, Vice-presidente executiva, Transição Limpa, Justa e Competitiva:
- Enfatizou a necessidade de alinhar as políticas da UE com os objetivos da IMO e de incluir o setor marítimo nos esforços globais de neutralidade climática.
- Salientou a importância de melhorar os quadros de investimento para acelerar a transição verde, em linha com o relatório Draghi.
- Considera o financiamento público e privado fundamental para apoiar o Acordo Industrial Limpo.
Aguardemos para ver se não passam de intenções!
Os 20 milhões de licenças ETS destinadas ao transporte marítimo até 2030, sob o ETS Innovation Fund traduzem-se em cerca de €1,5 mil milhões de euros, ao preço atual do carbono. Parte das verbas deste fundo serão enviadas para os Estados Membros e destinados obrigatoriamente a investimentos no transporte marítimo para financiar a melhoria da eficiência energética de navios e portos, tecnologias e infraestruturas inovadoras, bem como a produção de combustíveis alternativos sustentáveis e tecnologias de propulsão de emissão zero.
A nível europeu é importante que seja bem pensada a composição da Comissão que vai gerir o Fundo, de modo a acautelar que na definição dos critérios para aplicação/distribuição das verbas, não são aos países mais desenvolvidos e com frotas mais modernas e eficientes que devem ser alocadas (proporcionalmente) mais verbas, mas sim às frotas mais velhas dos países mais pequenos e menos desenvolvidos, que necessitam de ser modernizadas, inclusivamente, através da aquisição de novas construções.
A nível nacional as verbas do Fundo de inovação que vão ser alocadas a Portugal, devem entrar pelo Ministério do Ambiente, pelo que não deviam ser incluídas no orçamento do estado, para evitar que sejam desviadas para fins diferentes dos estabelecidos (financiar a melhoria da eficiência energética de navios e portos e produção de combustíveis mais amigos do ambiente).
DOS PREÇOS DOS COMBUSTÍVEIS
Muitos apostam na Amónia (amoníaco) e no Hidrogénio como os combustíveis que mais serão utilizados no futuro. Se assim for teremos:
- Combustíveis quatro vezes mais caros do que os combustíveis atuais;
- Os tanques a bordo para os acomodar exigirão mais espaço: para a Amónia quatro vezes maiores e para o hidrogénio sete vezes (o que retirará espaço livre para a carga) e
- Condições mais sofisticadas e exigentes (Amónia é tóxica e venenosa, o Hidrogénio necessita de tanques a -253º e é explosivo).
Vejamos como tem aumentado o preço dos combustíveis usados pelos navios, desde Dezembro de 2019 até agora:
- O preço do IFO 380 utilizado pelos navios em 31 de Dezembro de 2019 era 250 USD/ton;
- No dia 1 de Janeiro de 2020 com a imposição dos navios terem de usar combustível com o máximo de 0,5 de teor de enxofre (VLSFO) o preço passou para 569 USD/ton, ou seja, 128% de aumento
- Com a inclusão do shipping no EU ETS – European Union Emissions Trading Scheme, os armadores passam a comprar licenças de emissões de gases com efeito de estufa (GHG), passando os navios a pagar uma taxa por cada ton de CO2 emitida.
- Como uma tonelada de VLSFO gera 3,114 ton CO2 haverá um custo adicional de UE ETS de 97 USD x 3,114 = 302 USD€ .
- Em resumo:
- Em 2019 preço 250 USD/Ttn;
- Em 2025 preço 871 USD/ton, ou seja, um aumento de 250%
Este custo tenderá a aumentar porque as licenças de emissão têm aumentado desde 2018 devido ao decréscimo das “free allowances”.
O preço médio de uma tonelada (ton) de permissão de emissão de carbono era de EUR 80/ton em 2020.
- Aumentou para EUR 90/ton em maio de 2023;
- Já há ofertas de preço a ultrapassar EUR 100/ton;
- Há estimativas de chegar a US$ 150/ton CO2 até 2030 e
- Passar US$ 200/ton até 2050.
A Plataforma de Combustíveis Marítimos Limpos publicou uma declaração apelando aos decisores políticos para que criem as condições regulamentares para desbloquear investimentos na produção de combustíveis marítimos limpos na UE. O Relatório Draghi estima que serão necessários 40 mil milhões de euros em investimentos anuais entre 2031 e 2050 para a transição energética do transporte marítimo.
Se a situação mundial fosse mais estável, teríamos muito que trabalhar nas expectativas e desafios à luz do Relatório de Mario Draghi, sobre a competitividade da economia europeia.
Destaca a grande preocupação com a escassez de mão-de-obra na Europa, o que está a impedir o aumento do crescimento económico e a sua capacidade de se manter competitiva num mercado global em rápida mudança.
Refere também que o setor do transporte marítimo é particularmente afetado, devido ao envelhecimento da mão de obra, à diminuição do interesse das gerações mais jovens nas profissões marítimas e de uma crescente falta de competências.
Concordando que esta é a realidade do setor, a European Community Shipowners’ Associations (ECSA), da qual a Associação de Armadores da Marinha de Comércio é membro efetivo, tem estado a preparar uma narrativa positiva para comunicar com o público, realçando a resiliência e a competitividade do sector através da atração, formação e retenção de pessoal qualificado, inserida numa estratégia assente em três pilares:
“1.Iniciativas de desenvolvimento de competências profissionais e formação com o objetivo de garantir que os marítimos são detentores das qualificações necessárias para a transição ecológica e digital.
2.Diversidade, atratividade e retenção dos profissionais no setor marítimo com o objetivo de promover a diversidade, sensibilizar para as melhores práticas, as vantagens e as possibilidades de carreira em terra. Além disso, melhorar a imagem das carreiras marítimas, atrair as gerações mais jovens e os grupos sub-representados e apoiar a retenção de trabalhadores no sector.
3.Apoiar as normas internacionais para condições de trabalho justas com o objetivo de promover um setor marítimo internacionalmente competitivo, garantindo que os salários e as condições de trabalho dos marítimos sejam regulamentados a nível internacional.”